Benigna Maria de Freitas Villas Boas
Primeiro dia de aula do semestre em uma instituição de ensino superior. Calouros chegando. Depois de 2 anos de atividades remotas, esse é o primeiro semestre de aulas presenciais.
Em um grande anfiteatro estão os estudantes calouros e outros que cursaram a disciplina Cálculo I no semestre anterior, mas não obtiveram sucesso. É obrigatória para alguns cursos.
O anfiteatro está lotado. O professor entra e se apresenta dizendo ser o responsável pelas aulas teóricas, que ocorrerão somente às segundas-feiras. Haverá mais duas aulas semanais em que atuarão um docente que desenvolverá atividades práticas, com os estudantes, e um estagiário. As três aulas ocorrerão de 18 às 19h20.
Embora o número de estudantes seja grande, o professor não usa microfone e sua fala não é bem ouvida nem bem compreendida pela plateia. Ele fala durante todo o tempo. Não tem pronúncia clara. Pelo seu sotaque, percebe-se não ser brasileiro. Os estudantes não fazem perguntas nem o professor as provoca.
Concluído o tempo de duração da aula, o professor pergunta: “alguma dúvida?” Silêncio total. Apenas uma estudante se manifesta: “não entendi nada”, ao que o professor reage: “então, acesse o moodle”. A aula é concluída.
Este episódio suscita várias reflexões.
A aula a que me refiro aconteceu no primeiro dia de encontros presenciais em toda a instituição, após dois anos de atividades remotas; foi o primeiro dia de aula do semestre e o primeiro de centenas de estudantes naquela instituição, após o vestibular. Antes de iniciar a apresentação do conteúdo, o professor poderia ter saudado os novos estudantes e os que retornavam à instituição, convidando-os ao trabalho colaborativo e ético. Não nos esqueçamos de que uma instituição de educação superior é uma casa de aprendizagens, não somente as específicas de cada curso mas, também, as que formam os jovens para o enfrentamento das dificuldades de ordem social e econômica que assolam nosso país. Necessitamos de instituições educacionais fortes e democráticas.
Ainda estamos enfrentando a pandemia. Principalmente as instituições educacionais precisam ser sensíveis e acolher os estudantes de forma que o trabalho vá retomando a normalidade desejada.
A maioria ou todos os estudantes presentes concluíram recentemente o ensino médio, sendo egressos de escolas onde participavam ativamente das atividades e, de repente, encontram na universidade de “seus sonhos” uma aula árida e um professor desconectado do trabalho pedagógico dinâmico e comprometido com as aprendizagens de todos. Esses estudantes não tiveram a oportunidade de cursar o “novo” ensino médio, conectado à realidade e às suas necessidades, desenvolvendo-se por meio de percursos formativos e dando-lhes a oportunidade de construírem seu projeto de vida. Daqui para a frente, aqueles que vivenciarem o novo médio precisarão encontrar cursos de nível superior que abandonem aulas como a relatada aqui. A universidade não poderá ficar parada no tempo, sem atualizar seu trabalho pedagógico.
Um professor que, no primeiro dia de aula, não diz quem é e a que veio, não apresenta o plano de trabalho do semestre, não o discute com a turma, a fim de obter contribuições, não planeja com os estudantes a sistemática de avaliação e não se coloca como um colaborador, não é um mestre do nosso tempo. Os jovens com quem trabalhamos em cursos de nível superior têm muito a nos ensinar. A sua parceria em todas as atividades faz parte da sua formação para a cidadania responsável. Criar ambiente pedagógico acolhedor é o que se requer de todos os profissionais da educação.
A disciplina Cálculo é árida e considerada difícil, segundo alguns estudantes e outros que substituíram seu curso por outro de cuja grade curricular ela não é obrigatória. Deveria ser assim?
Parte dos estudantes que cursa essa disciplina poderá encaminhar-se para cursos de licenciatura ou, futuramente, ser professor universitário. As marcas deixadas pela formação universitária poderão permanecer e influenciar sua maneira de atuar no magistério.
Relato aqui o primeiro dia de aula. Como transcorrerá o trabalho ao longo de semestre? Qual o lugar da avaliação, componente orientador do trabalho pedagógico e permeado por tantas dúvidas?