Benigna Villas Boas

Revogar a lei do ensino médio

 

 

Cresce a insatisfação com a lei do ensino médio. O afastamento do presidente da comissão bi-cameral do CNE que analisa a lei, por decisão própria, faz avolumarem-se as críticas

JC Notícias – 03/06/2018

 

Revogar a lei do ensino médio

Norma pode agravar desigualdades educacionais, afirma Cesar Callegari, sociólogo e membro do Conselho Nacional de Educação e presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada, em artigo na Folha

A lei nº 13.415 do “novo ensino médio”, nascida de medida provisória de Michel Temer, é excludente, reducionista e pode acentuar as graves desigualdades educacionais brasileiras. Isso fica mais claro na proposta de Base Nacional Comum Curricular (BNCC) recém-apresentada pelo MEC ao Conselho Nacional de Educação. Essa lei precisa ser revogada, a atual BNCC do ensino médio rejeitada e o tema voltar a ser debatido com a sociedade.

O Plano Nacional de Educação, de 2014, fixa a construção de uma Base Nacional que estabeleça os direitos de aprendizagem e os respectivos deveres educacionais do Estado e da sociedade para com as crianças e jovens brasileiros. Uma base para a equidade.

Porém, na contramão do que se pensou, a nova lei do ensino médio reduz esses direitos ao que puder ser incluído em até 1.800 horas, cerca de 60% da atual carga horária.

Quantos conhecimentos de matemática, filosofia, física, história e outras matérias serão excluídos do campo dos direitos e obrigações e abandonados no terreno das incertezas, dependendo de condições, em geral precárias, e das vontades por vezes poucas?

Incapazes de garantir educação com qualidade, baixam a régua e rebaixam o horizonte. É inaceitável!

Na BNCC do MEC, com exceção de língua portuguesa e matemática, as demais disciplinas ficam diluídas em áreas do conhecimento, sem ficar claro o que deve ser assegurado. Direitos de aprendizagem devem ser explícitos não só quanto aos conteúdos, mas também para permitir o pensar de forma crítica e criativa.

Ao abandonar a atenção a domínios conceituais próprios das disciplinas, a proposta não só dificulta uma visão interdisciplinar e contextualizada do mundo, mas pode levar à formação de pessoas pouco qualificadas para uma cidadania contemporânea, condenadas a trabalhos simples, entediantes e mal remunerados. É isso que se quer para o país?

O atual governo faz propaganda dizendo que o “novo ensino médio” já teria a aprovação dos jovens. Não é verdade. Nenhuma mudança chegou às escolas. Alardeia a oferta de opções para os estudantes, mas na BNCC nada propõe para esses “itinerários formativos”. Sem conteúdo e estrutura, como falar de opções?

Em muitos colégios não há professores suficientes, laboratórios ou internet e sobram alunos por sala de aula. Não é honesto dizer que agora os jovens terão escolhas. Seria bom que tivessem. Contudo, para a maioria, essa miragem poderá significar ainda mais frustração.

A nova lei abre o ensino médio para oferta a distância. Pacotes EAD poderão substituir professores, dispensar laboratórios e bibliotecas –e desintegrar o território escolar de encontros, afetos e descobertas. Isso é muito grave!

Não será isolado que o jovem desenvolverá valores como solidariedade, respeito à diversidade e trabalho colaborativo.

Na escola se aprende também o que não está nos livros: coisas próprias da interação entre estudantes, professores e comunidade. As novas tecnologias podem e devem ser utilizadas, mas a favor da escola, e não para substituí-la.

Toda a educação básica brasileira precisa mudar e melhorar, especialmente o ensino médio. Mas o que já está ruim pode se tornar péssimo se as pretensões do atual governo se concretizarem.

Nas audiências públicas realizadas pelo CNE em todo o país, as críticas e protestos se avolumam. Por tudo isso, é importante que se revogue a lei e se rejeite a proposta de BNCC a ela vinculada. E, a partir daí, criar condições para que os professores e os estudantes discutam e elaborem com a sociedade os novos caminhos a seguir.

Veja o texto na íntegra: Folha de S. Paulo

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