Benigna Villas Boas

O PORTFÓLIO NO CURSO DE PEDAGOGIA: AMPLIANDO O DIÁLOGO ENTRE PROFESSOR E ALUNO

O PORTFÓLIO NO CURSO DE PEDAGOGIA: AMPLIANDO O DIÁLOGO ENTRE PROFESSOR E ALUNO

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Texto escrito em 2004

Situando o tema

O processo do portfólio gera inquietação e até desconforto, tamanho é o sentimento de reflexão acerca de tudo que nos é ensinado. Nós, alunos do PIE, não aceitamos mais o conhecimento como algo pronto e acabado, que deve ser transmitido e, sim, o conhecimento como algo a ser construído continuamente, renovando-se sempre (Professor-aluno do PIE).

 

Este texto apresenta resultados da pesquisa conduzida no Curso de Pedagogia para professores em exercício no início de escolarização (PIE), oferecido pela Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) em convênio com a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Esse curso atendeu, durante o ano de 2003, a 2000 professores que têm apenas o Curso de Magistério, em nível médio.

Principalmente o fato de os alunos do PIE serem professores em exercício provocou a necessidade da adoção de procedimento avaliativo que levasse em conta essa característica, de modo que eles não apenas “estudassem sobre a avaliação”, como costumeiramente se faz,  mas praticassem  a avaliação que busque superar a sua função tradicional de dar nota e aprovar e reprovar o aluno, mantendo, assim, a classificação, a seleção e a exclusão. Decidiu-se, então, pela utilização do portfólio, de modo que o curso trabalhasse simultaneamente a teoria e a prática da avaliação.

Como a avaliação por meio do portfólio constitui uma prática recente entre nós, o trabalho está sendo acompanhado e investigado pelo grupo de pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico[1], que desenvolve, no momento, um grande projeto de pesquisa sobre Práticas Avaliativas Inovadoras, no qual se insere a pesquisa cujos resultados são aqui descritos.

O portfólio e a formação de professores

O portfólio tem sido considerado no PIE um dos saberes a serem incorporados pelos professores-alunos e pelos mediadores, em articulação com a teoria e prática. Ele é considerado não apenas um procedimento de avaliação, mas o eixo organizador do trabalho pedagógico, devido à importância que passa a ter durante todo o processo.

A preparação para a avaliação tem sido um saber marginalizado na formação de professores. O uso do portfólio pode ser uma forma de colocá-la em debate justamente em um dos espaços a ela destinados, o da formação de professores. Isso requer mudança de concepção de avaliação: o professor deixa de ser o “examinador” e o aluno o “examinado”. Atua-se em parceria, sem com isso perder-se o rigor e a seriedade que a atividade impõe. Pelo contrário, a avaliação torna-se mais exigente porque passa a ser, também, transparente. Isso não significa retirar a responsabilidade do professor para transferi-la ao professor-aluno, mas possibilitar a este vivenciar o processo que ele possa desenvolver com seus alunos, de modo a superar os problemas que tanto temos combatido. Contudo, alerta Murphy (1997, p. 87), isso somente poderá ocorrer em ambiente que propicie o desenvolvimento profissional do professor, incluída a sua autonomia intelectual e condições adequadas de trabalho.

Tardif (2002, p. 23) expressa sua vontade de “encontrar, nos cursos de formação de professores, uma nova articulação e um novo equilíbrio entre os conhecimentos produzidos pelas universidades ‘a respeito’ do ensino e os saberes desenvolvidos pelos professores ‘em’ suas práticas cotidianas”. Até agora, afirma o autor, a formação para o magistério tem sido feita por meio de conhecimentos disciplinares geralmente produzidos em uma “redoma de vidro”, e, posteriormente, aplicados na prática em forma de estágios e outras atividades semelhantes. O autor considera que os professores são atores competentes, sujeitos ativos e que sua prática não é apenas “um espaço de aplicação de saberes provenientes da teoria, mas também um espaço de produção de saberes específicos oriundos dessa mesma prática” (op. cit., p. 234). Isto significa que ele desenvolve e produz teoria da sua própria ação. Contudo, tal concepção da relação teoria e prática ainda é pouco vivenciada nos cursos de formação de professores. No caso do PIE, em que o aluno já é professor, o uso do portfólio possibilita o desenvolvimento da construção teórica e prática da avaliação: o trabalho do professor-aluno durante o curso é avaliado por meio do procedimento que ele poderá desenvolver com seus próprios alunos com o intuito de superação da avaliação classificatória e excludente. Parte das produções do seu portfólio constitui-se de reflexões sobre as possibilidades do seu uso com seus alunos.

A opção pelo uso do portfólio no PIE baseou-se, também, na crença de que o professor constrói a sua autonomia enquanto se forma. Nada melhor do que a avaliação para contribuir para esse processo. Pode-se afirmar, com a ajuda de Contreras (2002, p. 204), que a “autonomia deve ser entendida como a independência intelectual que se justifica pela ideia da emancipação pessoal da autoridade e do controle repressivo, da superação das dependências ideológicas ao questionar criticamente nossa concepção de ensino na sociedade”. Essa posição possibilita aos professores desempenharem o seu papel de distanciamento crítico necessário ao trabalho pedagógico que tem por objetivo a formação do cidadão para ter inserção social crítica.

O portfólio possibilita avaliar as capacidades de pensamento crítico, de articular e solucionar problemas complexos, de trabalhar colaborativamente, de conduzir pesquisa, de desenvolver projetos e de o aluno formular os seus próprios objetivos para a aprendizagem (Murphy, 1997, p. 72). O professor e o próprio aluno avaliam todas as atividades executadas durante um largo período de trabalho, levando em conta toda a trajetória percorrida. Não é uma avaliação classificatória nem punitiva. Analisa-se o progresso do aluno. Valorizam-se todas as suas produções: analisam-se as últimas comparando-as com as primeiras, de modo a se perceber o avanço obtido. Isso requer que a construção do portfólio se baseie em propósitos de cuja formulação o aluno participe, para que se desenvolva o sentido de “pertencimento”. Desse modo, o portfólio extrapola a sua função avaliativa e passa a ser o eixo organizador do trabalho pedagógico, porque este assume outro significado: o aluno é co-responsável por sua organização. Murphy (1997, p. 73) considera que os portfólios “oferecem uma das poucas oportunidades escolares em que os alunos podem exercer seu julgamento, iniciativa e autoridade”. Em cursos de formação de professores isso torna-se fundamental porque a tendência é eles trabalharem com seus alunos da forma como foram tratados por seus professores.

Contudo, ensina Murphy (op. cit., p. 74), para que os portfólios atendam às características acima, não podem ser altamente prescritivos porque podem restringir as oportunidades de professores e alunos demonstrarem iniciativas individuais. O trabalho com o portfólio requer a criação de situações dasafiadoras e de ambiente de aprendizagem que fortaleça a autonomia do aluno. Percebe-se, então, que o portfólio não é um simples procedimento de avaliação: um novo entendimento de trabalho pedagógico e de avaliação é necessário.

Klenowski (2000, p. 221) relata estudos conduzidos por alguns pesquisadores em cursos de formação de professores, sobre o uso do portfólio: Bull e Richert concluíram que o portfólio ajudou os professores a se tornarem mais reflexivos, principalmente porque, enquanto selecionavam os materiais a serem incluídos, eles pensavam sobre as atividades que desenvolviam com seus alunos e quão bem eles as realizavam, assim como analisavam se os materiais usados correspondiam aos objetivos de trabalho; Vavrus & Collins observaram que, enquanto construíam seus portfólios, os professores analisavam se suas práticas pedagógicas correspondiam às necessidades de seus alunos. Quando o conteúdo do portfólio era acompanhado por descrições reflexivas, comentam os mesmos autores, “a complexidade do ensino parecia ter sido captada” (apud Klenowski, 2000, p. 222). Combinações de diferentes tipos de documentos, como exemplares de produções dos alunos, fitas cassete e de vídeo mostrando as práticas pedagógicas, planos de trabalho e outros podem auxiliar a traçar toda a trajetória do trabalho, desde o planejamento até a avaliação, complementam os pesquisadores.

Klenowski (op. cit., p. 222) afirma que a literatura demonstra que a avaliação por meio do portfólio em cursos de formação de professores pode fortalecer a prática reflexiva.

No PIE o trabalho com o portfólio tem se apoiado em seis princípios básicos (Villas Boas, 2001, p. 207): a construção pelo próprio aluno, possibilitando-lhe fazer escolhas e tomar decisões; a reflexão sobre as suas produções; a criatividade, porque o aluno escolhe a maneira de organizar o portfólio e busca formas diferentes de aprender; a autoavaliação pelo aluno, porque ele está permanentemente avaliando o seu progresso;

a parceria professor-aluno e entre alunos, eliminando-se ações e atitudes verticalizadas e centralizadoras; a autonomia do aluno frente ao trabalho. Ele percebe que pode trabalhar de forma independente e que não precisa ficar sempre aguardando orientação do professor.

A pesquisa sobre o trabalho com o portfólio no PIE

O objetivo da investigação foi analisar as percepções dos mediadores[2] e dos professores-alunos sobre o uso do portfólio como procedimento de avaliação no PIE.

A primeira parte da pesquisa foi realizada por meio da aplicação de um questionário a 36 dos 55 mediadores, em setembro de 2002, para que respondessem às seguintes questões: como eles se sentiam ao participar de uma avaliação por meio de portfólio? Quais eram suas percepções sobre as reações dos professores-alunos quanto ao uso do portfólio?

Os dados coletados foram agrupados em 7 itens de análise – a) os mediadores apresentam as reações dos professores-alunos ao uso do portfólio: “relação de amor e ódio”; b) portfólio: “o mais enriquecedor procedimento de avaliação”; c) “a gente faz o portfólio pensando em quem vai avaliar”; d) contribuições do portfólio para a formação dos professores-alunos: “transformação das nossas crenças, nossos valores e nossa atuação profissional”; e) dentre dificuldades e facilidades, “uma dificuldade imensa de não comparar as pessoas e suas produções”; f) o mediador como coordenador do processo de construção do portfólio: “guerra de concepções”; g) necessidades/sugestões.

Quanto ao primeiro item, que trata da relação de amor e ódio com o portfólio, as palavras/expressões mais usadas pelos mediadores para descreverem as reações dos professores-alunos são relacionadas à resistência e a dificuldades encontradas: medo, repulsa, dúvidas, insegurança, estresse, sofrimento, questionamento, angústia, preocupação, ansiedade, estranhamento, incompreensão, fardo a mais, rejeição, apreensão, aversão. As palavras mais frequentes foram medo e insegurança. O portfólio chegou a ser rotulado de o “bicho papão” do curso.

Segundo uma mediadora, a causa do “sofrimento” se justificava pelo fato de os professores-alunos não terem segurança quanto ao “certo” ou “errado” das suas produções.

Vários depoimentos esclarecem que, passado o primeiro momento de “estranhamento”, vinha o segundo, traduzido pela sensação de “descoberta de algo novo” e de prazer mas que, mesmo assim, havia um grupo que mantinha a sua discordância quanto ao uso do portfólio e, consequentemente, sua resistência. Segundo os depoimentos dos mediadores, parecia que, naquele momento, a maioria dos professores-alunos aprovava o uso do portfólio.

Além das reações negativas, que predominaram no início das atividades, “após orientações e textos de apoio, os professores-alunos começam a vislumbrar o caminho a trilhar” e a apresentar as seguintes atitudes positivas quanto ao novo procedimento avaliativo: curiosidade; admiração; alegria; paixão; orgulho pelo que têm conseguido produzir; aceitação; tranquilidade; “sentem-se felizes em produzir, em divulgar seus trabalhos (momento de autoria)”; “confiança na mediadora”; interesse; criatividade; “encaram o desafio e se comprometem com ele”; prazer “de construir e acompanhar a sua avaliação” e ao “perceber a riqueza que é o portfólio”; “abertura para entender e acolher esse processo avaliativo”.

As informações fornecidas pelos mediadores possibilitam a formulação das considerações que se seguem. Em primeiro lugar, cabe destacar que o portfólio constitui um processo avaliativo completamente diferente daquele vivenciado até o momento pelos professores-alunos e também pelos mediadores. Os princípios nos quais se apoia não costumam fazer parte do trabalho pedagógico das escolas e dos cursos de formação dos profissionais da educação. A avaliação e todo o trabalho pedagógico no qual ela se insere têm sido prescritos pelos professores e pelas autoridades educacionais. De modo geral, o trabalho pedagógico visa à aquisição da aprendizagem do aluno mas, não se prevê, ao mesmo tempo, o desenvolvimento do professor e da escola. A organização do trabalho pedagógico baseado na concepção de que professores e alunos executem o que outros pensaram continua fortemente presente nas escolas de todos os níveis. Portanto, a proposta de utilização do portfólio é inovadora porque procura eliminar o autoritarismo ainda presente na avaliação e na organização do trabalho pedagógico. Porém, mudança provoca medo, insegurança, angústia, resistência e até mesmo sofrimento, como foi apontado.

Em segundo lugar, é preciso entender que a relação de “amor e ódio”, expressão usada por um dos mediadores, pode ter várias interpretações. Uma delas pode estar relacionada à consideração anterior. Além disso, um mediador oferece a seguinte pista para a compreensão dessa questão: “tenho observado que os professores que gostam (de construir o portfólio), em geral, foram bem avaliados pelo seu trabalho e os que não gostam tiveram problemas quanto à avaliação”. Portanto, pode-se entender que o gostar ou não de construí-lo relaciona-se com a forma de organização e desenvolvimento do trabalho, o que coloca grande responsabilidade na atuação do mediador.

Em terceiro lugar, a resistência ao uso do portfólio não é um ato isolado. Deve ser compreendida levando-se em conta a formação dos professores e o ritual pedagógico geralmente presente nas escolas onde atuam. No caso do PIE, em que os cursistas são professores em exercício, essa dualidade está presente. Só que eles têm uma formação para o magistério (em nível médio) com grandes chances de ter sido feita nos moldes tradicionais, parecem desenvolver trabalho pedagógico dessa mesma forma, nas escolas onde trabalham, e estão vivenciando no PIE uma formação que procura superar essas dificuldades já acumuladas.

O segundo item trata do portfólio “como o mais enriquecedor procedimento de avaliação”, segundo um dos mediadores. Um deles afirma:

O porta-fólio é um instrumento riquíssimo que garante a beleza da construção própria, individual, personalizada. Costumo dizer aos cursistas que é um momento de duplo prazer no processo educacional: você como autor/produtor de sua vivência e ao mesmo tempo leitor de sua obra, de sua prática, de sua atuação pedagógica. Autor e leitor de si mesmo!

Outro mediador comenta que a reação dos professores-alunos tem sido “de muita curiosidade e insegurança por ser sua primeira experiência neste tipo de avaliação”.

Quanto ao terceiro item: “A gente faz o portfólio pensando em quem vai avaliar”, segundo a percepção dos mediadores, a falta de tempo para a construção do portfólio tem sido a maior dificuldade encontrada pelos professores-alunos, seguida da resistência para escrever porque “os professores de modo geral não gostam de escrever”. Assim, “as primeiras reflexões são muito superficiais, com a continuação é que vão superando essa barreira”.

Os depoimentos dos mediadores apontam que a avaliação por meio do portfólio tem trazido insegurança gerada pela compreensão já incorporada de que a avaliação tradicional (realizada somente pelo professor, com o objetivo de dar nota e de aprovar e reprovar) é a que é séria. Para o aluno é tão natural aceitar pacificamente a avaliação que lhe é imposta que, ao ter a chance de ser o sujeito da sua aprendizagem, […] “faz o portfólio pensando em quem vai avaliar” e não no seu progresso.

O quarto item revela as contribuições do portfólio para a formação dos professores-alunos. Os mediadores entendiam que a construção do portfólio, naquele momento, trazia as seguintes contribuições para a formação dos professores-alunos: visão ampliada de avaliação; vivência de avaliação processual e diferente da que eles conheciam e praticavam em suas salas de aula; registro do amadurecimento pedagógico; o constante “pensar” sobre a ação; inovação em termos de avaliação; ampliação da compreensão de trabalho pedagógico; mudança do olhar sobre a avaliação; a prática da autoavaliação; o desenvolvimento da capacidade de pesquisa e leitura de materiais diversos; a reflexão sobre os aspectos que precisavam ser melhorados; estabelecimento de relação com a sua prática pedagógica; reflexão sobre temas do curso; a busca de perspectiva de avaliação menos punitiva; construção da autonomia intelectual e profissional; troca de experiências; desenvolvimento da criticidade, sem medo de expressar-se;  auto-organização das ideias; reflexão sobre a relação objetivos/avaliação na educação. O depoimento abaixo indica duas contribuições:

A contribuição da reflexão e da autoavaliação. Essa é uma das raras oportunidades que o professor-aluno tem de acompanhar, ter o registro do seu crescimento, de perceber sua mudança de conceitos, paradigmas. Acredito que sem o porta-fólio tal fato passaria quase despercebido (destaque meu).

Cabe salientar que falas dos mediadores demonstram que mudanças nas práticas avaliativas afetam o desenvolvimento do trabalho como um todo.

O quinto item aponta “uma dificuldade imensa de não comparar as pessoas e suas produções”.

Ao serem indagados sobre como se sentiam ao avaliarem o trabalho de cada professor-aluno por meio do portfólio, a maioria dos mediadores declarou ainda enfrentar muitas dificuldades: “sobrecarregada com muitos textos para apreciar e não conseguindo identificar qual a dificuldade do professor-aluno para poder auxiliá-lo”; “cansada, exausta em ter um excessivo número de cursistas para avaliar”; tempo escasso; “a maior dificuldade é a correção dos textos”; insegurança “pois também eu sou fruto de um processo de avaliação tradicional”,  o processo “pressupõe uma construção do cursista” e a avaliação é “subjetiva”; o medo de não “estar coordenando bem o processo, de não estar oferecendo observações que contribuam para o desenvolvimento do cursista”, de “não estar avaliando corretamente”, de “não estar sendo justa”. O depoimento de um dos mediadores quanto ao que sentia ao avaliar o trabalho do professor-aluno por meio do portfólio parece resumir o sentimento geral:

Às vezes, co-partícipe da construção que o professor-cursista realizou; outras vezes, emocionada com a beleza das reflexões registradas, com as produções das crianças e a importância do processo desencadeado com o curso PIE na rede pública. E com uma dificuldade imensa de não comparar as pessoas e suas produções (destaque meu).

O sexto item fala em “guerra de concepções” entre os mediadores. A avaliação por meio do portfólio era nova para eles. O grupo precisou fundamentar-se teoricamente quanto à avaliação formativa. Teve também de construir seu entendimento de avaliação por meio do portfólio. Era tudo muito novo e o tempo era curto para tantas formulações. Isso gerou inquietação.  Um dos depoimentos é revelador de como os mediadores se sentiam ao adotar esse procedimento: “a minha maior dificuldade é quando tratamos desse assunto, todos do PIE, pois parece que ninguém entende de portfólio e fica aquela guerra de concepções”. No começo “quase enlouqueci”, declarou um dos mediadores.

O sétimo e último item apresenta necessidades e sugestões para aprimoramento do trabalho: aprofundamento das discussões sobre o portfólio nas coordenações e tutorias; mais leituras e discussões sobre  avaliação, portfólio, papel do professor e da escola, como um todo; indicação de textos e livros sobre avaliação e sobre portfólio; discutir mais sobre a avaliação para depois se introduzir o portfólio; “investir na autonomia com vistas à transformação”, de modo a “tornar o aluno sujeito do processo de avaliar”; associar a discussão sobre o uso do portfólio ao trabalho pedagógico que lhe corresponda; socializar as experiências dos alunos; “precisamos, como grupo, trabalhar mais com o portfólio para que possamos melhorar nosso entendimento a respeito desse processo avaliativo. Precisamos ter uma linha de acompanhamento que caracterize o Curso e não o mediador”; “penso que existem várias concepções de avaliação entre nós mediadores do PIE e que talvez tenhamos que discutir mais profundamente para que os professores-alunos não sintam tanta diferença entre uma avaliação de um semestre e outro”.

As duas últimas necessidades demonstram que não se muda por “decreto” um processo avaliativo já arraigado, isto é, por decisão de alguém. São de fundamental importância: a fundamentação teórica que embase a formulação da concepção de avaliação formativa, a definição dos objetivos a alcançar, a seleção dos procedimentos adequados e a discussão por parte do grupo, de modo que haja unidade (não uniformidade) de ação e se adote a postura de avaliador desejada.

Os sujeitos da segunda parte da pesquisa foram 145 dos 1000 professores-alunos  que compunham o primeiro grupo de entrada no curso, com o objetivo de analisar: como se sentiam ao serem avaliados por meio do portfólio; as possibilidades e as limitações do trabalho com o portfólio; as contribuições do uso do portfólio para o desenvolvimento do curso como um todo; as contribuições do uso do portfólio no curso para a avaliação praticada nas escolas onde atuavam; e os aspectos do trabalho com o portfólio a serem melhorados.

Os dados coletados foram agrupados em 11 itens de análise: a) os professores-alunos se sentiam “bem” construindo o portfólio; b) os professores-alunos resistiram no início, mas já aceitavam o trabalho com o portfólio; c) os professores-alunos se sentiam “incomodados” ou não consideravam útil o portfólio; d) portfólio X prova; e) portfólio e autoavaliação; f) repercussão no trabalho pedagógico com os alunos das escolas onde atuam os professores-alunos; g) portfólio e criatividade; h) aspectos facilitadores da construção do portfólio; i) aspectos dificultadores da construção do portfólio; j) é o momento de se reverem entendimentos; k) esse processo é bom, mas … Como os dados são numerosos, apresento apenas os que se referem aos itens a, b, c, d, h, i, j e k.

Os três primeiros itens são apresentados conjuntamente, por meio dos seguintes depoimentos de professores-alunos:

Sinto-me respeitada, porque no portfólio estou demonstrando meus avanços de forma processual, autonomia e sem me sentir pressionada por provas psicométricas.

Sinto-me satisfeita, pois o trabalho com o portfólio demonstra realmente nossas ações-reflexões e o que realmente “aprendemos”. Não nos sentimos pressionados …

Sinto-me bem, pois percebo-me mais importante no processo avaliativo.

Me sinto bem, pois consigo passar exatamente como sou. O meu portfólio é um retrato da minha vida.

Acredito que o portfólio não é para medir meu trabalho e sim para me direcionar a refletir, aplicar, questionar e transformar minha prática pedagógica. Fomos educados de forma tradicional, sem reflexão e refletir hoje sobre o que faço em sala de aula já é um grande passo no fazer pedagógico.

Me sinto bem e valorizada, porque o conhecimento não estará fragmentado. O todo será analisado no dado momento. Apesar de o processo ser contínuo, no período de trabalho do módulo, o porta-fólio estará contemplando todas as aulas e todo o módulo.

Mostro a minha produção feita durante o semestre, para ser avaliada. Como são muitas reflexões, me sinto à vontade para expor minha opinião.

Gosto de ver meu crescimento apreciado, minhas tentativas, mesmo que algumas vezes frustradas, diante dos erros. Sinto-me motivada a melhorar, a buscar, a pesquisar. Adoro compartilhar minhas experiências!

Gostei muito, principalmente pela autonomia.

Nele eu armazeno aquilo que realmente aprendi e não algo que me forçaram a decorar ou memorizar. Nele colocamos ou expressamos de forma dinâmica e personalizada nosso conhecimento.

Demorei um semestre para dar o valor correto, já que a prova estava arraigada na avaliação. Hoje reconheço que aprendo mais, cresci como profissional que participa efetivamente desse processo.

Inicialmente me sentia muito insegura e à mercê da avaliação de um mediador. Hoje já estou mais tranqüila, pois até aqui sei que não foram injustos comigo.

A princípio, houve resistência, mas com o melhor aprofundamento sobre o portfólio, as barreiras foram sendo vencidas de modo que a avaliação passou a ter um sentido mais amplo, proporcionando um acompanhamento do meu crescimento pessoal e profissional.

No início do curso, me sentia péssima. Fazer uma prova seria mais fácil, não teria que pesquisar e observar como se dá a construção do conhecimento entre as crianças a partir de fundamentos teóricos. Seria mais cômodo. Hoje me sinto feliz porque demonstro aprendizagem usando diversas linguagens (desenhos, música, questionamentos etc.). É trabalhoso porque envolve constante pesquisa, mas é gratificante.

No início resisti bastante, fiquei insegura, mas, atualmente, me sinto mais tranqüila e com mais autonomia para decidir o que quero e como quero. Mas ainda me assusta a avaliação que o outro vai fazer do meu trabalho, que é o mediador.

Esse processo de avaliação ainda não me deixa totalmente à vontade. Percebo que estou crescendo pedagogicamente, mas isso não se deve ao portfólio e, sim, consciência e crítica pessoal.

Às vezes me sinto como se alguém observasse meu interior, outras vezes, inibida em expor o que faço, por saber que outros estarão analisando o meu trabalho.

Espionado, porque as produções e reflexões são muito pessoais para alguém dizer se está certo ou errado.

Acredito que ele deve ser mais um instrumento e não ‘o instrumento’. Deve ser avaliado em conjunto com outros para uma avaliação mais completa e eficiente.

Acho que as discussões em sala devem ser tão valorizadas quanto o portfólio.

Eu acho que foi bem avaliado, embora não concorde que ele seja o único meio de avaliação porque existem pessoas que não gostam de escrever ou não possuem a mesma facilidade que outras.

O porta-fólio como único meio de avaliação prejudica o aluno.

O portfólio é relevante, talvez o maior, mas gosto de ser avaliada por outros trabalhos, principalmente pelos seminários.

Os depoimentos que revelam incômodo com o uso do portfólio merecem considerações. Em primeiro lugar, eles parecem indicar que o processo de avaliação do PIE ainda não está compreendido por todos. A reivindicação de que o portfólio não seja “o único instrumento” de avaliação é bem colocada e precisa ser analisada pelos coordenadores do curso. Os professores-alunos estão percebendo que o processo não está completo. Como serão consideradas as evidências de aprendizagem que não podem ser inseridas no portfólio, como a participação em seminários e as discussões em sala de aula, segundo eles próprios apontam, e outras? Têm razão os professores-alunos de desejar que ele se associe a outros procedimentos. Isso demonstra que estão se apropriando da intenção e do mérito do portfólio.

Como segundo aspecto destaca-se o fato de o professor-aluno se sentir “espionado” e considerar suas produções tão íntimas que outra pessoa não deve avaliá-las. O objetivo da avaliação por meio do portfólio, no PIE, é possibilitar ao professor-aluno apresentar evidências da sua aprendizagem de maneira organizada, para que ele e o mediador, em parceria, analisem o seu progresso. Portanto, o portfólio não deve assumir um formato tão íntimo a ponto de a sua socialização causar constrangimento ao seu construtor. Ele foi adotado para substituir a avaliação tradicional. Não se pode desvirtuar as intenções da utilização do portfólio no curso. Ele de fato é de propriedade do aluno, não cabendo ao mediador ficar com ele ao final do curso. Porém, o seu caráter é o de demonstrar o progresso do aluno. Deve ser considerado uma produção acadêmica cujo formato é decidido pelo aluno, para que ele e o professor, no caso o mediador, analisem o seu progresso.

O terceiro aspecto incluído nos depoimentos parece ser a “angústia” que alguns professores-alunos estão vivendo. A avaliação desenvolvida quase exclusivamente por meio de provas já era tão conhecida que, substituí-la por um procedimento mais amplo, parece estar causando insegurança. É bom lembrar que um dos princípios que norteiam o uso do portfólio é a parceria entre professor-aluno e aluno-aluno. O trabalho não deve ser solitário nem angustiante. O que se pretende é justamente praticar avaliação mais justa, isto é, que leve em conta todo tipo de produção do aluno, por meio de diferentes linguagens. Por parceria na avaliação entende-se que o professor deixe de ser o único avaliador e o aluno, o único avaliado. Isso requer mudança de postura avaliativa. Contudo, é preciso que fique bem claro: nova postura em avaliação não significa entender que agora tudo é aceito, de qualquer jeito; muito pelo contrário, é uma avaliação conduzida com mais rigor e seriedade. A apresentação de evidências de aprendizagem, por meio de diferentes linguagens, torna o processo mais rico e transparente e o aluno mais exigente quanto ao seu papel e ao do professor.

O item portfólio X prova contrapõe esta ao portfólio, como se pode perceber:

Creio ser o melhor método (instrumento) de avaliação do que a prova, pois, ao construir o portfólio, é necessário que eu pesquise, reflita e busque entender o que estou fazendo. Além disso, percebo o quanto estou crescendo intelectualmente.

Sinto-me melhor compreendida, pois posso mostrar mais o quanto me dedico a buscar coisas novas, ao contrário das avaliações por provas.

O portfólio é uma construção muito rica, embora muito mais trabalhosa do que estudar para uma prova e realizá-la. Isso causa angústia em alguns colegas.

Cabe salientar que o portfólio não é um substituto para a prova, porque é muito mais abrangente do que ela. Esta, aliás, não precisa e nem deve ser abolida. Há momentos em que ela é necessária. No contexto da avaliação formativa, ela não pode ser o único procedimento adotado. Porém, não é o caso de se rejeitá-la. Ela cumpre propósitos diferentes. Dependendo da situação, se ela for utilizada, será uma das evidências de aprendizagem a serem incluídas no portfólio ou poderá ser outro procedimento a compor o processo de avaliação.

O item que trata dos aspectos facilitadores inclui como os mais frequentes: os trabalhos em grupo; a socialização do portfólio; a autonomia; integração teoria e prática; desenvolvimento da criatividade; organização semi-livre; construção; liberdade de expressão; parceria com o mediador; discussões em sala; reflexões coletivas; trabalhos feitos paulatinamente; poder usar diferentes linguagens; interação com colegas e mediadores; troca de experiências; mostrar atividades que deram certo em sala de aula; construção ao longo do processo; liberdade de escolha quanto á confecção; possibilidade de mostrar atividades que foram bem sucedidas ou nas quais tivemos dificuldade em sala de aula.

O aspecto apresentado com mais frequência foi a autonomia.

Como aspectos dificultadores, nono item de análise, foram apontados pela maioria dos professores-alunos: o tempo escasso de que dispunham para a construção do portfólio e a falta de computador pessoal.

Chamou a atenção o fato de alguns professores-alunos terem mencionado “dificuldades financeiras” para construir o portfólio, sem especificá-las. Contudo, em outras respostas, poderá estar parte dessa explicação. Mencionou-se a dúvida: ele deve ser manuscrito ou digitado? Outras pistas: a falta de computador pessoal e de recursos financeiros para “tirar xerox” de textos. De qualquer forma, esse aspecto precisa ser investigado, porque o trabalho com o portfólio não pode ser considerado para poucos. Afinal de contas, o curso é oferecido em uma universidade pública, para professores da rede pública de ensino. O curso investe na qualidade social para todos.

No item “É hora de se reverem entendimentos”, os depoimentos explicam os motivos de os professores-alunos não usarem o portfólio com seus alunos:

Falta de tempo, de recursos, insegurança; tendo dificuldade para a construção do meu porta-fólio, como trabalhar com o aluno?

Falta de iniciativa e até de planejamento.

Parece ser um contra-senso. Sou muito a favor da adoção do portfólio, mas não tenho me dedicado a desenvolver este trabalho em minha atividade docente. Quando chego à escola, parece que estou vivendo em um outro mundo e o sistema tem me desanimado muito (destaque meu).

O último depoimento parece traduzir a solidão pedagógica vivida pelos professores em seu trabalho. Os que querem inovar e ousar o fazem, mesmo trabalhando solitariamente. Os que ainda não se dispuseram a trabalhar com vistas à aprendizagem dos seus alunos parecem ter toda liberdade para agir assim. Não há quem os incomode. A aprendizagem dos alunos é pouco cobrada da escola e dos professores. Reivindicam-se notas altas e aprovação, como se elas significassem aprendizagem.

Os professores-alunos que afirmam já adotar o portfólio com seus alunos ainda o fazem com insegurança, limitações e, principalmente, sem apoio da direção da escola. Um trabalho como esse deve ser organizado pela escola como um todo. O grupo de professores precisa ter toda a orientação necessária e os pais devem ser preparados para acompanhar, compreender e aceitar o processo.

Um grupo de professores-alunos parece entender que o trabalho com o portfólio só se aplica a alunos que já sabem escrever. Vejamos:

Ainda não estou usando o portfólio com meus alunos porque, desde o início do curso, trabalho com a 1ª série e meus alunos todos são imaturos, dependentes.

Não foi possível usar o portfólio, os meus alunos são de 2ª série e estão iniciando o processo da leitura e escrita, mas estamos discutindo sobre o portfólio.

Professores-alunos que atuam na educação infantil afirmaram:

Trabalho com a educação infantil e faço apenas a coletânea das atividades juntamente com os alunos, porque ainda não escrevem, só têm 5 anos.

Estou trabalhando com crianças de 5 anos, iniciantes. Também acho que para um trabalho com o portfólio é necessário ter um trabalho com todas as pessoas do coletivo, com objetivos bem definidos.

Com a minha turma é muito difícil aplicá-lo, pois os alunos são muito imaturos e dependentes.

Os meus alunos têm 6 anos e ainda não sei como trabalhar com eles, dando-lhes autonomia para que possam construir o porta-fólio.

Estas manifestações demonstram a necessidade de discussão sobre o formato do portfólio em turmas de educação infantil. De certa forma, esse tipo de trabalho já tem um início. É prática comum os professores dessa área reunirem as produções das crianças para mostrá-las aos seus pais. Esse é um primeiro passo. Para que se chegue ao portfólio, cabe ao professor definir: o seu propósito, o que incluir, como incluir, o tempo a ser abrangido pelas produções (um mês, um bimestre, um semestre etc.). O fato de as crianças não saberem escrever não é obstáculo para a construção do portfólio, porque o seu objetivo é apresentar as evidências de aprendizagem, em qualquer formato. Ele atenderá às características do grupo. Essa é uma das suas vantagens.

O último item de análise apresenta as justificativas dos que ainda não se dispõem a “arregaçar as mangas” para enfrentar os desafios da avaliação. Assim eles se manifestaram: “Esse processo é bom, mas …

é muito trabalhoso;

é muito cansativo;

demanda muito tempo;

requer condições financeiras;

os mediadores são exigentes;

é muito pessoal;

pode se tornar repetitivo;

pode se transformar em  “apenas um colecionador de atividades”;

não deve ser o único meio de avaliação;

é monótono e meio padronizado.

As respostas dos professores-alunos ao questionário revelaram as percepções acima, em relação às ressalvas que fazem ao uso do portfólio. Esses “mas” é que precisam ser analisados por todos os que se envolvem em sua construção. Passado o primeiro momento de contato dos mediadores e dos professores-alunos com esse procedimento de avaliação, quando foi dada a largada para a construção de um processo que rompa com a avaliação tradicional, surge o segundo momento, de reflexão sobre o que já foi obtido e sobre as necessidades de avanço. Não se pode esquecer que está sendo avaliada a aprendizagem de professores em exercício que, enquanto têm o seu trabalho no curso avaliado, também avaliam seus alunos. Esse fato traz uma responsabilidade muito grande para o curso. Nesse aspecto ele tem sido singular: não se tem notícia de um Curso de Pedagogia para professores em exercício no início da escolarização que atenda a um número tão grande de cursistas e use esse procedimento de avaliação. As informações fornecidas pelos professores-alunos indicam a possibilidade de ampliação do processo de tomada de decisão do qual eles participam. É o momento de avançar, dando-lhes a chance de selecionarem as atividades que demonstrem a sua aprendizagem. Contudo, cabe agir com prudência. A dimensão dessa ampliação de tomada de decisão pode ser discutida por cada mediador com os grupos com os quais trabalha. Não há necessidade de padronização das ações no curso como um todo. Os mediadores também estão em condições de identificar até que ponto a sua turma pode avançar, sem prejuízos. A participação nesse processo é fundamental. Ela também será uma aprendizagem importante para todos os envolvidos. Como nos ensinam Freire e Shor (1986, p. 114), é impossível “ensinar participação sem participação! É impossível só falar em participação sem experimentá-la”.

Confrontando os dados da pesquisa

As informações fornecidas pelos mediadores e pelos professores-alunos permitem a formulação das reflexões que se seguem.

– Mudar a cultura avaliativa é um processo longo, lento e coletivo. No PIE a adoção do portfólio tem dado resultados satisfatórios porque: a) o currículo é constituído por temas integradores e não por disciplinas isoladas e oferecidas por professores que, individualmente, decidem a condução do trabalho pedagógico; b) os mediadores coordenam o trabalho pedagógico como um todo e o portfólio é o procedimento de avaliação utilizado por todos; c) o planejamento do trabalho pedagógico é feito coletivamente, sistematicamente, por meio de encontros semanais de todo o grupo; d) os mediadores participam da tomada de decisões e da construção dos documentos orientadores. As decisões sobre o processo avaliativo são tomadas com a participação de todos os mediadores, que são os docentes do curso. Trata-se de um processo realmente colaborativo, desenvolvido com unidade de pensamento e ação. Como consequência, os mediadores são os próprios construtores do processo de trabalho, o que constitui aprendizagem para eles e para os professores-alunos.

– O portfólio ainda é percebido por alguns professores-alunos como um “instrumento”. Há a solicitação de que ele não seja o único procedimento de avaliação. Um dos mediadores apresentou como uma das dificuldades:

A avaliação subjetiva do mediador. Eles (professores-alunos) reclamam que dão o máximo de si, mas este máximo está representando o mínimo para o mediador. Percebo que existe uma lacuna nessa avaliação, mas não sei qual é. (Destaque meu).

A lacuna a que o/a mediador/a se refere pode ser o seu entendimento de que o portfólio não é suficiente para avaliar todas as dimensões da aprendizagem. Como a substituição da avaliação tradicional por um processo que valorize a aprendizagem de todos os alunos, levando em conta as diferentes linguagens, está em construção pelo grupo, o passo seguinte é a definição de outros procedimentos que, juntamente com o portfólio, compõem o processo avaliativo do curso. Vários depoimentos apontam essa percepção pelos professores-alunos. Um forte argumento para isso é o seguinte: o portfólio é construído pelo professor-aluno. Assim sendo, como considerar os dados da avaliação feita pelo mediador, pela observação e pelas conversas informais com os professores-alunos? Como considerar a avaliação informal? Inevitavelmente ela está presente. Como tirar proveito dela? A resistência de alguns professores-alunos em ter o seu portfólio avaliado por outra pessoa e até mesmo o fato de um deles se sentir “espionado” parece se apoiar na crença de que ele não pode ser o único procedimento de avaliação.

– Os depoimentos dos mediadores e dos professores-alunos revelam que o trabalho pedagógico do PIE está sendo afetado pela avaliação por meio do portfólio. Vale a pena salientar trechos de alguns dos depoimentos de professores-alunos: “entro em contato com minhas produções”; “utilizo minha criatividade”; “uso minha autonomia”; “chances de crescer”; “construir coisas belas e que têm mais sentido para mim”; “sinto-me diferente”; “crio minha avaliação”; “meu trabalho é valorizado”; “acompanho meu desenvolvimento” etc. Tudo isso faz crer que o portfólio está mudando o rumo da formação desses professores-alunos. A antiga prática de “transmissão de conhecimentos”, de trabalho isolado e solitário por parte dos alunos e de avaliação unilateral, seletiva e excludente está cedendo lugar ao processo de trabalho em que predominam a construção, a reflexão, a criatividade, a parceria, a auto-avaliação e a autonomia.

Referências bibliográficas

 

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KLENOWSKI, V. Portfolios: promoting teaching. Assessment in education: principles, policy & practice. UK: Carfax publishing, Taylor & Francis Ltd, v. 7, n. 2, Jul/2000.

MURPHY, S. Teachers and students: reclaiming assessment via portfolios. In YANCEY, K. B. and WEISER, I. (editors). Situating portfolios: four perspectives. Logan, Utah: Utah State University Press, 1997, p. 72-88.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

VILLAS BOAS, B. M. de F. Avaliação formativa: em busca do desenvolvimento do aluno, do professor e da escola. In VEIGA, Ilma P. A . e FONSECA, Marília (orgs.). As dimensões do projeto político-pedagógico: novos desafios para a escola. Campinas, SP: Papirus, 2001.

 

 

 

 

[1] Grupo de pesquisa cadastrado pelo CNPq e certificado pela UnB, que tem como líder a professora Benigna Maria de Freitas Villas Boas.

[2] São os docentes que se encontram regularmente com os professores-alunos.

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