Colunista
João Jonas Veiga Sobral
Professor de língua portuguesa e orientador educacional
Publicado em 10/03/2025
As escolas devem desenvolver leitura crítica e apaixonada de livros e, consequentemente, gerar desconforto na alma desses jovens no confronto com autores e intelectuais
O ano não começou com notícias alvissareiras na educação, sobretudo na área de linguagens. Reportagens recentes revelam que estudantes dos ensinos fundamental e médio vêm obtendo resultados pífios em provas de leitura e de escrita, o que é preocupante agora e também a longo prazo.
A leitura de autores e de textos consistentes é, sem dúvida, considerada uma prática primordial para o desenvolvimento de saberes e de boa parte do conhecimento disponível no mundo. No entanto, ela não faz parte da vida fora da escola, nem está presente de forma significativa no dia a dia do aluno. Pesquisas antigas e atuais fornecem praticamente ano após ano os mesmos dados e notificações, ratificando o descaso paulatino com a leitura e com a escrita. Estamos patinando, estagnados e sem vislumbres para sair desse atoleiro.
Para piorar o susto e o desassossego, os adultos também largaram mão dos livros e agarraram-se, como os jovens, aos smartphones ou às séries de TV. A recente edição de Retratos da Leitura no Brasil aponta que 53% dos entrevistados não leram sequer parte de uma obra nos três meses anteriores à pesquisa. E a verificação considera a leitura de livros impressos e digitais e não excluí gênero algum, ou seja, inclui didáticos, bíblia, autoajuda, biografias, HQ e religiosos. É um dado inédito e melancólico na nossa história o fato de que os brasileiros não apreciam nem leem frequentemente livros.
Se o hábito de leitura não é condição suficiente para que se produzam bons textos nos concursos para universidades, é certamente necessária, ainda mais que boa parte das provas exige dos postulantes interpretação, análise, referenciação e inferência nas coletâneas oferecidas.
O caldo escaldante entorna e alarma com a informação de que apenas 12 candidatos obtiveram nota 1.000 no exame do Enem realizado ano passado. É bom ressaltar que muitos textos com boas notas entre 900 e 800 carregam vícios das orientações ‘coringa’ propagadas e ensinadas em algumas apostilas e em muitas videoaulas espalhadas no mundão digital.
A recente edição de ‘Retratos da Leitura no Brasil’ aponta que 53% dos entrevistados não leram sequer parte de uma obra nos três meses anteriores à pesquisa
No entanto, vale destacar que os modelos de redação propostos no Enem e nas universidades públicas e particulares não contribuem muito para verificar com precisão se os aspirantes ao curso superior estão mesmo escrevendo e lendo bem — uma vez que a dissertação argumentativa escolar é um gênero um tanto quanto artificial e postiço, com grades de correção específicas demais que tolhem o processo criativo e estimulam a elaboração de textos mecânicos, decorados e manjados.
Não faltam aulas de redação na internet e nas escolas com dicas infalíveis sobre uso de conectivos e emprego de citações adequadas, quase sempre viciosas. Não raro, independentemente da proposta, o aluno treinado encontra sempre uma maneira de alocar, numa argumentação, o pensamento de alguma figura carimbada do universo intelectual. Simone de Beauvoir, Djamila Ribeiro, Ariano Suassuna, Immanuel Kant, John Rawls, Karl Marx, Michel Foucault, Paulo Freire, Platão, Aristóteles, Hannah Arendt, Thomas More, Rosseau e John Locke são pau para toda obra nas redações escolares. Invariavelmente, esses pensadores são citados em defesas argumentativas que não dialogam com suas ideias. Não importa se o tema sugerido propõe discussão sobre crise climática ou banimento do celular ou questões de gênero e étnicas, o aluno treinado acaba citando dois ou três desses pensadores mesmo que não se ajustem ao que está sendo discutido. Infelizmente, as referências a esses intelectuais parecem aforismos endoidecidos a preencher a fórceps lacunas dos textos.