Benigna Villas Boas

JC Notícias – 14/09/2021

Presidente da SBPC e rapper abrem conferência do ciclo Universidade InComum

Evento online do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFSC discutiu a universidade e a reconstrução do Brasil democrático

O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, e o rapper brasiliense GOG, foram os palestrantes da conferência de abertura do ciclo Universidade InComum, cujo tema é “A universidade e a reconstrução do Brasil democrático”. O encontro online foi realizado nesta segunda-feira, 13 de setembro, com transmissão pelo canal no YouTube do Centro de Filosofia e Ciências Humanas.

O ciclo Universidade InComum é uma iniciativa do CFH com apoio dos centros de Ciências da Educação (CED), Socioeconômico (CSE) e de Comunicação e Expressão (CCE). O próximo encontro será no dia 28 de setembro.

A palestra desta segunda-feira foi mediada pela professora Miriam Furtado Hartung, diretora do CFH, após apresentação feita pelo vice-diretor do Centro, Jacques Mick. De acordo com a professora Miriam, a ideia do ciclo se originou de uma inquietação sobre os efeitos das mudanças que estão ocorrendo no Brasil e no mundo e quanto ao lugar e ao papel da universidade no mundo que se desenha. “O que temos visto ao longo dos últimos anos é uma insidiosa tentativa de transformar as universidades públicas em organizações sujeitas a regras e perspectivas contábeis e gerenciais”.

Território distante

O rapper GOG, acrônimo de Genival Oliveira Gonçalves, lembrou que na sua infância e adolescência, “a universidade sempre foi um território distante”, embora ele fosse filho de professores. De acordo com ele, a expressão “ensino superior” colocava uma ideia de hierarquia e o livro era visto como autoridade.

Ao falar sobre a democracia, citou que trata-se de um conceito muito relativo, que depende do ponto de vista do observador. “Quando a gente fala em reconstrução democrática é porque o País foi democrático um dia. E quando a gente olha da ótica das periferias, do hip hop, das minorias que na realidade são maiorias, a gente se pergunta: que democracia?”

Fazendo uso de uma linguagem popular e poética, GOG fez vários questionamentos e reflexões durante a sua fala, tais como: “Eles falam em ‘editais’, mas nós vamos colocar a discussão de ‘é de todos’ e todas”; “A extensão da universidade precisa de intenção”; “Toda a manifestação humana é cultura”.

O músico também exortou a Universidade a “derrubar os seu muros” e aprimorar a interlocução com as comunidades e outros saberes. “Ela tem que ir na caça dessa cultura que muitas vezes é tratada como senso comum”. Segundo ele, o hip hop tem 30 anos e por muito tempo ficou invisível até para os movimentos sociais, sindicais e partidários identificados com a esquerda. “Nós criamos toda uma estrutura à margem do próprio campo que se diz progressista”, afirmou.

Responsabilidade social

O presidente da SBPC apontou em sua fala a grande mudança que ocorreu com a expansão do ensino superior brasileiro e a adoção de políticas de ações afirmativas. Janine Ribeiro disse que também não simpatizava com a expressão ensino superior. “Ensino está para a educação como a informação está para a formação. Na informação aprendemos algo sobre um objeto e isso não nos transforma. Educação significa não apenas um acréscimo de conhecimento sobre objetos, mas uma mudança na formação do sujeito”.

Ao defender a política de ações afirmativas, o presidente da SBPC lembrou que 50% das vagas nas universidades públicas são destinadas a quem fez o ensino médio inteiramente em escolas públicas. Ressaltou que as cotas são sobretudo cotas sociais e não raciais. “Isso é importante dizer porque muita gente sai dizendo que as cotas são raciais, são racistas, criam desigualdade artificial no Brasil, punem os brancos pobres”. As ações afirmativas provocaram uma mudança de perfil nas universidades e fizeram com que o Brasil deixasse de ser uma sociedade elitista no acesso à educação superior.

A questão agora é como dar sequência a esse processo de inclusão. Para fazer frente ao grande prejuízo que alunos de escolas públicas tiveram com a adoção do ensino remoto emergencial durante a pandemia de covid-19 – pela maior dificuldade de acesso a equipamentos, pacotes de dados e até mesmo nos ambientes residenciais pouco adequados – Janine Ribeiro afirma que é preciso investimento de recursos públicos. Já existe uma lei aprovada pelo Congresso que prevê utilização de recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para isso, que no entanto ainda não está sendo cumprida.

As universidades, segundo o professor, também precisam voltar o seu foco para cursos que apoiem o desenvolvimento socioeconômico e científico no Brasil. “É preciso aumentar a produção, o PIB brasileiro, e para isso certas profissões técnicas são muito importantes”, afirmou. Outra área que merece atenção é o meio ambiente, “algo que é ao mesmo tempo uma riqueza e que está profundamente ameaçado no Brasil”.

O Brasil tem cerca de 20% da biodiversidade mundial, e boa parte dessa diversidade está na Amazônia. “A Amazônia não é um estoque para destruição”. De acordo com o cientista, uma árvore centenária que é derrubada para extração da madeira, no Brasil, em outros países é um objeto de estudos científicos. “Uma árvore com centenas de anos é um banco de dados da história do clima”, exemplificou.

Por fim, o presidente da SBPC destacou a importância da defesa das universidades públicas, que são o principal lócus de produção científica no Brasil. Essa defesa não deve ficar restrita à gratuidade da universidade pública, embora esse seja um ponto reconhecidamente importante. “Universidade pública não é apenas universidade gratuita; é universidade que tem compromisso com a coisa pública, com o desenvolvimento da sociedade”.

O caráter público das universidades deve se refletir também na formação dos seus estudantes. “Nós devemos formar nossos alunos para que eles não ‘privatizem’ seus diplomas”, disse o professor, explicando que os profissionais formados devem ver a sua formação não como uma mera forma de ganhar dinheiro, mas como um compromisso com a sociedade que bancou seus estudos através dos impostos pagos por todos. “É importante para as universidades públicas deixar claro para seus estudantes que eles têm um compromisso público, uma responsabilidade social”.

UFSC

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