Benigna Villas Boas

Estudantes em quarentena, e agora?

 

Estudantes em quarentena, e agora?

Profa. Dra. Elisângela Teixeira Gomes Dias

 

Estamos vivendo a maior crise sanitária da contemporaneidade, decorrente do Coronavírus (COVID-19). Uma das medidas de proteção para enfretamento dessa emergência de saúde pública é o fechamento de escolas e estabelecimentos que concentram pessoas. Dados recentes da Unesco revelam que mais de 850 milhões de estudantes estão de quarentena. No Brasil, ainda não sabemos até quando as aulas ficarão suspensas. Estima-se que o pico da doença ocorra nos meses de abril e maio, e que essa pandemia seja contida somente em setembro.

O Ministério da Educação autorizou que as Instituições de Educação Superior utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação para substituir, por um período de 30 dias, as disciplinas presenciais. E mesmo com a crescente expansão de disciplinas híbridas no ensino superior e a disponibilização de diferentes ambientes virtuais de aprendizagem gratuitos, professores e estudantes têm sido desafiados a se reinventarem e estão “trocando pneu com o carro andando”. De forma semelhante, algumas escolas de Ensino Médio rapidamente mudaram o seu planejamento e já dispõem de roteiros de estudos e oportunizam a interação entre alunos e professores por meio de videoaulas, web conferências, fóruns, chats, entre outros recursos. E toda essa crise abre espaço para exploração da criatividade.

Essa semana, assisti a um vídeo em que um professor de natação recomenda que a turma continue a prática do esporte em casa. Imagino que você esteja se perguntando como, se a grande maioria não tem a piscina à sua disposição. Para esse professor, isso não é um problema! A saída foi usar uma bacia com água para treinar a respiração, simular os movimentos de braços e pernas com apoio de um banco e incentivar a prática com muita descontração. E não é que deu certo? Vários alunos da turma replicaram a experiência. Uma forma divertida e que aproxima o professor de seus alunos. Ele está preocupado em manter o time preparado para uma possível competição? Certamente não! Mais importante que a realização da atividade é o suporte afetivo, pois podemos manter contato mesmo estando longe. Até os pais entraram no clima e deram boas risadas.

Uma professora de Educação Infantil de uma escola do campo também está utilizando o telefone para continuar tendo contato com as crianças. Ela faz pequenos vídeos contando histórias, ensinando as crianças a como fazer para se protegerem do vírus, sugere atividades lúdicas e acessíveis e envia para o grupo de whatsapp dos pais. E o grupo se transformou em uma rede colaborativa de aprendizagem. Os pais interagem, enviam mensagens das crianças para a professora e trocam experiências.

A rede pública de ensino do Distrito Federal-DF, assim como várias escolas privadas, estão convocando seu corpo docente para formação continuada e organização de atividades que possam ser realizadas em casa, por meio de ferramentas tecnológicas. A Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do DF, por exemplo, estima atender nos próximos dias mais de seis mil professores que atuam nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio em cursos de formação com foco na utilização de recursos tecnológicos. Uma ação já sistemática, mas que será intensificada nesse período a fim de ampliar as possibilidades de aprendizagem.

Os dilemas são os mais variados. Será que as escolas dispõem de infraestrutura de TI adequada e conseguem coordenar e acompanhar o desenvolvimento do currículo? E os professores terão habilidade pedagógica necessária? Como os alunos serão engajados nas atividades? Será que terão condições de gerenciar o estudo e o seu próprio tempo? E as famílias terão como participar e apoiar esse processo? E o que fazer com milhares de estudantes que ainda não dispõem de internet e nem mesmo de um smartphone com capacidade para acessar e interagir?

E as respostas? Também podem ser as mais variadas, pois envolvem um conjunto de indicadores que variam a depender de cada escola, comunidade e de cada dia em que vemos a pandemia se espalhar. Ainda não dimensionamos os reais impactos dessa crise na vida dos brasileiros diante das precárias condições de saúde e da queda brusca na economia que atingirá boa parcela da nossa população. Mas podemos afirmar: o mundo não será mais o mesmo depois do coronavírus.

A maior lição para as instituições de ensino não será a superação da “morosidade na adoção de tecnologias educacionais”. Esta tem sido a maior “acusação” das notícias dos últimos dias e há quem já esteja tirando proveito disso. Não temos que nos preocupar em “cumprir os conteúdos” e muito menos com a programação de avaliações e eventuais exames que possamos ter ao final do ano. O momento exige outras aprendizagens. O que a escola pode pensar é como apoiar as famílias a utilizarem da melhor forma o tempo em casa com os filhos e, principalmente, a cuidarem de sua saúde e da saúde coletiva.

Com os estudantes da Educação Básica, professores da Educação Infantil ao Ensino Médio podem manter contato com as famílias compartilhando materiais de estudo, sugerindo filmes, sites, canais de TV com programações educativas e atividades simples de serem realizadas em casa e que integrem corpo e mente. Nada de cronograma de atividades padronizadas e excesso de tarefas que só aumentarão a tensão e a ansiedade. Temos que pensar nas famílias que ficarão ou já estão doentes, nos filhos de profissionais da saúde que estão na linha de frente diariamente e de outros profissionais que desempenham funções essenciais, como atendentes de supermercados, farmacêuticos, lixeiros, entre outros. Nesses lares, crianças e jovens contam às vezes com apoio mais restrito para acompanhamento de tarefas escolares. Ainda temos muitos estudantes que necessitam de atendimentos mais especializados e que, possivelmente, não estão sendo assistidos. Sem contar que muitos pais estão com trabalhos remotos em casa e terão que se desdobrar para conciliar essa demanda com os cuidados dos filhos e os afazeres do lar, além daqueles que sequer são alfabetizados e dos que cuidam dos idosos e doentes da família. Assim, o importante é que a escola tenha uma programação flexível, diversificada e não obrigatória e se prepare para rever o seu planejamento quando as portas estiverem novamente abertas, selecionando o que é essencial.

E o ano letivo está comprometido? A resposta a esta pergunta não é a mais importante agora. Estamos em guerra pela vida de milhares de pessoas em todo o mundo. Ainda não é o momento para definir a recomposição do calendário. O fato é que escolas de educação básica, públicas e privadas, não podem assegurar que todos os estudantes terão as condições adequadas para alcançar os objetivos previstos. Portanto, não há como pensar em substituir dias letivos por aulas virtuais. A questão é outra! Precisamos apoiar famílias e estudantes da melhor maneira possível e estimular novas aprendizagens, mas não delegar aos pais e/ou responsáveis a função docente. É preciso se preocupar não apenas com a saúde física, mas também mental.

A reinvenção docente tão aclamada passa, necessariamente, pelo exercício da alteridade, da empatia, da fraternidade e da solidariedade. Se a tecnologia não é parte do cotidiano das escolas hoje é porque há tempos a educação não é prioridade do Estado. Ademais, tecnologias são meios de informação e comunicação e não podem roubar a cena quando o mais valioso é o calor humano, mesmo que sem beijos, sem abraços e sem apertos de mãos!

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