Benigna Villas Boas

CONSTRUINDO A AVALIAÇÃO FORMATIVA EM UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL E FUNDAMENTAL[1]

 

CONSTRUINDO A AVALIAÇÃO FORMATIVA EM UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL E FUNDAMENTAL[1]

Benigna Maria de Freitas Villas Boas[2]

Texto escrito em 2001 e publicado em 2002

Apresentação do tema

No Brasil já existe número razoável de pesquisas sobre a avaliação, realizadas no interior das escolas de educação básica, apontando seu caráter classificatório, excludente, autoritário e punitivo. Sabe-se que, de modo geral, apenas o aluno é avaliado e somente pelo professor, com o propósito de aprovação ou reprovação. A nota é que indica se o aluno pode ou não “passar de ano”. O trabalho pedagógico da turma e o da escola como um todo não costumam ser analisados. É comum o uso da expressão “avaliação da aprendizagem”, em referência apenas ao aluno. Até existe disciplina com este nome em cursos de formação de profissionais da educação, cujos estudos costumam dirigir-se apenas à avaliação do desempenho do aluno.  A pesquisa “Avaliação nos cursos de formação dos profissionais da educação do DF: confronto entre a teoria e a prática”[3] constatou que o tema avaliação é trabalhado na disciplina Didática Geral como último item do programa, ao qual sobra pouco ou nenhum tempo para estudo. Estes dados nos mostram a existência de uma cultura avaliativa que contribui enormemente para a produção do fracasso do aluno, do professor e da escola. Sabe-se, também, que o primeiro é quase sempre considerado o culpado. Mudar essa situação não é fácil e requer várias ações. Uma delas cabe às pesquisas: deixar de lado as constatações e denúncias, que já são muitas, e partir para a identificação, análise e divulgação das iniciativas de construção de práticas avaliativas comprometidas com a aprendizagem de todos os alunos e com o desenvolvimento dos professores e da escola. Este é um dos objetivos da pesquisa “Práticas avaliativas inovadoras”[4], em desenvolvimento na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília com o objetivo de identificar e analisar práticas avaliativas comprometidas com a superação da avaliação tradicional (entendida como a que visa a dar notas e a aprovar ou reprovar os alunos) e divulgá-las. Como o Colégio Marista de Brasília é uma das escolas do Distrito Federal cujo processo avaliativo está sendo observado e analisado, este texto apresenta e analisa as inovações introduzidas até o ano de 2001, por meio das percepções dos assessores psicopedagógicos, obtidas por meio de entrevistas, e por meio das percepções dos professores, apresentadas em questionário. Como a pesquisa encontra-se em desenvolvimento, no ano de 2002 serão coletadas informações junto aos pais e aos alunos, fundamentais para a compreensão mais ampla da questão.

Propósitos do processo de avaliação formativa no Colégio Marista de Brasília

O Projeto de Avaliação Formativa é uma iniciativa da Associação Brasileira de Educação e Cultura – ABEC, entidade mantenedora da província Marista de São Paulo, que administra e oferece o suporte pedagógico a dez unidades educativas distribuídas nos estados de São Paulo e Paraná e no Distrito Federal. Esse processo vem sendo implantado gradativamente nos dez colégios da província. Este texto analisa o desenvolvimento do processo apenas no Colégio Marista de Brasília, que atende a alunos da educação infantil e fundamental.

Segundo os professores que responderam ao questionário da pesquisa, “o colégio está, gradualmente, trocando a avaliação quantitativa por uma qualitativa, com intenção formativa” e eliminando o “vício da prova”. O processo de avaliação por objetivos, denominado de avaliação formativa pela equipe pedagógica da escola, “visa a estimular no aluno a busca do saber pela importância social, valorizando aspectos do próprio meio, o que favorecerá a atuação como um ser participativo e ético” (Fortes, 2000, p. 1). Esse processo tem como objetivos principais:

Apresentando relato histórico da implantação do Projeto de Avaliação Formativa, durante entrevista, a assessora psicopedagógica Sílvia Renata Lordello explica que “com o advento do sócio-interacionismo como pressuposto teórico assumido e praticado nos anos 90 na escola, as práticas avaliativas tradicionais passaram a ser questionadas quanto à coerência. Na tentativa de minimizar os efeitos ansiógenos e artificiais das provas cumulativas, paulatinamente foram sendo introduzidas algumas modificações, tais como a retirada das provas bimestrais e a legitimação de diferentes instrumentos avaliativos”.

A mudança do paradigma avaliativo na escola, complementa a mesma assessora psicopedagógica, “só se tornou possível graças ao projeto de Planejamento Integrado, do qual foi consequência. Esse projeto desenvolveu-se com a participação dos coordenadores de área e série, dos assessores psicopedagógicos da Educação Infantil, da Educação Fundamental e da Educação Média e dos professores, por meio de encontros mensais, quando discutiam-se as implicações teórico-metodológicas do planejamento e promovia-se ampla discussão sobre o objeto de estudo dos diversos componentes curriculares. A partir disso, os esforços do grupo concentraram-se em  conceber o objetivo geral da escola, os objetivos gerais dos componentes curriculares e em definir os eixos curriculares (pilares básicos de cada componente, ao longo das séries)”.

O passo seguinte, diz a assessora, “consistiu na elaboração dos objetivos específicos de cada componente curricular, por série e por bimestre, e na especificação dos indicadores de desempenho, os quais servem de base para a avaliação formativa.

Em 1998, com esse processo consolidado, foi possível adotar o procedimento mais contundente dessa sistemática: abolir a nota, tão culturalmente difundida como sinônimo de avaliação, explicitando em registros por meio de relatórios os níveis de aprendizagem expressos por legendas simbólicas ou com ícones referentes às seguintes mensagens:

AO: Atingiu plenamente o objetivo

AS: Atingiu suficientemente o objetivo

AP – Atingiu parcialmente o objetivo

NA – Não atingiu o objetivo”

Acrescenta a assessora que “os pais foram alvo de grande preocupação da escola para a construção desse processo. Foram realizadas reuniões periódicas com a intenção de informá-los sobre as mudanças, desde a concepção filosófica e fundamentação teórica aos aspectos operacionais, como leitura e interpretação dos relatórios. Com esse acompanhamento, foi possível contar com a colaboração dos mesmos. Entretanto, essa necessidade vem se renovando, por ser considerada prioridade em todo o processo.

O acompanhamento da família é fundamental nesse processo. Os pais recebem os objetivos a serem trabalhados no bimestre e, ao final de cada um deles, recebem o relatório individual, onde são registrados todos os objetivos trabalhados e os resultados do desempenho do seu filho. Há reuniões periódicas com os pais, promovidas pelo Núcleo Psicopedagógico, para discussão das atividades em andamento, e reuniões bimestrais do professor de cada turma com os pais de seus alunos. Muitos pais têm demonstrado dificuldades para compreender o relatório avaliativo, porque não há correspondência com notas. Por isso, a direção da escola pretende rever o formato desse relatório, a fim de torná-lo mais compreensível”.

A equipe de assessores psicopedagógicos da escola deixou bem claro que está em busca da avaliação formativa, tendo começado pelo que tem chamado de avaliação por objetivos.

O que hoje a equipe pedagógica do Colégio Marista de Brasília denomina de avaliação formativa, processo considerado em construção, teve início com a avaliação por objetivos, implantada em 1998 somente na 1ª série da Educação Fundamental. Em 1999 estendeu-se à Educação Infantil e às séries de 2ª à 4ª; em 2000, à 5ª série; e, em 2001, à 6ª. As demais séries serão incorporadas ao novo processo gradativamente, tendo-se como meta atingir o 3º ano da Educação Média em 2006.

O que os estudiosos dizem sobre a avaliação formativa

Segundo Allal (1986, p. 176), a expressão “avaliação formativa” foi introduzida por  Scriven em 1967, em um artigo sobre a avaliação dos meios de ensino (currículo, manuais, métodos etc.). Nesse contexto, “os processos de avaliação formativa são concebidos para permitirem ajustamentos sucessivos durante o desenvolvimento e a experimentação de um novo currículum, manual ou método de ensino”. Posteriormente, Bloom e seus seguidores aplicaram a avaliação formativa à avaliação dos alunos, com o objetivo de orientá-los para a realização do seu trabalho, ajudando-os a localizar as suas dificuldades e a progredir em sua aprendizagem. Opõe-se à avaliação somativa, que constitui “um balanço parcial ou total de um conjunto de aprendizagens” (Cardinet, 1986, p. 14). Distingue-se da avaliação diagnóstica por apresentar “conotação menos patológica, não considerando o aluno como um caso a tratar; considera os erros como normais e característicos de um determinado nível de desenvolvimento na aprendizagem” (op. cit., p. 14). A avaliação formativa requer profunda mudança de atitude, adverte o mesmo autor: “ o erro do aluno não mais é considerado como uma falta passível de repreensão mas como uma fonte de informação essencial, cuja manifestação é importante favorecer” (op. cit., p. 21).

Ao tratarem das diferenças e relações entre a avaliação formativa e a somativa observadas nos países do Reino Unido, com ressonância em outros, como Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e os da Europa, Harlen e James (1997, p. 365) nos oferecem a oportunidade de refletirmos sobre o que já está começando a acontecer no Brasil, com a implantação da avaliação externa. Relatam os autores que os propósitos da avaliação formativa e os da somativa tornaram-se confusos na prática, provocando dificuldades no desenvolvimento da função formativa, cuja importância se relaciona à aprendizagem com compreensão. Argumentam que os propósitos de ambas diferem em vários aspectos, dentre eles, o referencial para julgamento e o foco das informações usadas. Isso conduz à suposição de que os “julgamentos somativos podem ser formados pela simples soma dos formativos”.

Harlen e James (op. cit., p. 366) apontam as características da avaliação formativa:

Ao autores acima citados (op. cit., p. 370) afirmam, ainda, que, diferentemente da avaliação somativa, que pode referir-se tanto à norma quanto a critério[5], a formativa leva sempre em conta onde o aluno se encontra em seu processo de aprendizagem, em termos de conteúdos e habilidades. Por definição, acrescentam, é baseada em critérios e, ao mesmo tempo, toma como referência o aluno. Isso significa que a análise do seu progresso considera aspectos tais como: o esforço despendido, o contexto particular do seu trabalho e o progresso alcançado ao longo do tempo. Conseqüentemente, o julgamento da sua produção e o “feedback” que lhe será oferecido levarão em conta o aluno e não apenas os critérios de avaliação. As circunstâncias individuais devem ser observadas se a avaliação pretende contribuir para o desenvolvimento da aprendizagem e para o encorajamento do aluno. A avaliação formativa seria desencorajadora para muitos alunos que enfrentam fracasso se fosse baseada exclusivamente em critérios. A combinação da avaliação baseada em critérios e a consideração das condições do aluno fornece informações importantes e é consistente com a idéia de que a avaliação formativa é parte essencial do trabalho pedagógico. A identificação de problemas ou dificuldades que os alunos possam ter pode ser feita somente por meio dessa combinação de informações.

A argumentação de Stiggins (1999, p. 191-198) sobre a necessidade de se estabelecer conexão entre a avaliação e o sucesso escolar do aluno complementa as contribuições de Harlen e James. Ele considera importante que os alunos:

Quanto ao envolvimento dos alunos na avaliação, abre-se a oportunidade de eles se tornarem parceiros dessa importante atividade. Com o cuidadoso acompanhamento dos professores, eles são convidados a participar da definição dos critérios de avaliação do seu trabalho e a aplicá-los. Isso lhes possibilita compreenderem onde estão em termos de aprendizagem e o que deles é esperado. Resumindo, diz Stiggins (op. cit., p. 196), eles são envolvidos no processo de avaliação para que conheçam a visão dos professores sobre o que representa o sucesso acadêmico. Assim se constrói a confiança e a segurança.

O envolvimento dos alunos no registro dos resultados lhes dá a oportunidade de acompanharem o seu desempenho por meio da autoavaliação contínua. Uma das maneiras de se conseguir isso é a construção de porta-fólios que contenham evidências do seu progresso e reflexões sobre o andamento do seu trabalho. O que se pretende, diz Stiggins (op. cit., p. 196), é usar o envolvimento do aluno na avaliação como um espelho em que ele veja o seu crescimento. Isso pode ser um poderoso meio de se construir auto-confiança.

O envolvimento no processo de comunicação permite que os alunos compartilhem informações com outros acerca do seu progresso. Uma das formas de se chegar a isso é a promoção de encontros entre pais e alunos em que eles descrevam o que vêm fazendo, em termos do que já alcançaram e o que ainda falta alcançar. Isso lhes dá a chance de assumirem responsabilidade pelo seu sucesso e de se motivarem para o desenvolvimento do trabalho produtivo.

Gipps, McCallum e Hargreaves (2000, p. 6) associam a avaliação formativa à avaliação informal que, segundo seu entendimento, ocorre quando o professor apresenta questões, observa os alunos enquanto trabalham e avalia suas produções de forma planejada e sistemática. A continuidade desse tipo de avaliação, ao longo do tempo, em contextos variados, permite ao professor construir compreensão ampla e sólida do que os alunos aprenderam e do que são capazes de fazer. Esse tipo de avaliação, dizem elas, é freqüentemente chamado de formativa. Alguns estudiosos acreditam que somente é verdadeiramente formativa a avaliação voltada para o aluno, mas a compreensão geral é de que o processo envolve principalmente o professor, pelo fato de ele usar as informações para reorganizar o trabalho pedagógico. Além disso, os dados obtidos indicam que atividades serão refeitas, quem, individualmente ou em grupos necessita refazê-las ou se é possível dar continuidade ao trabalho. Esses julgamentos realizados pelo professor devem ser repassados diretamente ao aluno, recomendam as autoras, para que saiba se pode prosseguir ou não. O pesquisador australiano Royce Sadler entende que

“A avaliação formativa preocupa-se com a maneira pela qual os julgamentos da qualidade das respostas dos alunos … podem ser usados para desenvolver a sua competência de forma a reduzir a ocorrência da aprendizagem por ensaio e erro (Sadler, 1989, p. 120).

O trabalho de Sadler contribui para que se situe a avaliação informal no trabalho pedagógico. Segundo ele, mesmo quando o professor oferece ao aluno observações válidas e/ou notas sobre o seu desempenho, o progresso nem sempre ocorre, porque ele necessita mais do que de notas. Precisa conhecer o que o professor espera dele em termos de níveis de desempenho, objetivos ou evidências de aprendizagem para que ele mesmo possa comparar o que já aprendeu com o que ainda lhe falta aprender e engajar-se no processo apropriado. O “feedback” do professor lhe aponta o que fazer para avançar; notas ou menções não cumprem esse propósito: desviam a atenção da aprendizagem e são contraprodutivos para os propósitos formativos (Black e Wiliam, 1998).

A partir das contribuições dos autores citados é possível construir o entendimento de avaliação formativa como a que promove o desenvolvimento não só do aluno, mas, também, do professor e da escola. Admitindo-se que a escola realiza trabalho pedagógico e não simplesmente processo ensino-aprendizagem, em que apenas o professor ensina e apenas o aluno aprende, torna-se fácil compreender a necessidade de ampliação do conceito de avaliação formativa, estendendo-a a todos os sujeitos envolvidos e a todas as dimensões do trabalho. Segundo essa perspectiva, abandona-se a avaliação unilateral (pela qual somente o aluno é avaliado e apenas pelo professor), classificatória, punitiva e excludente, porque a avaliação pretendida compromete-se com aprendizagem e o sucesso de todos os alunos. Para que isso aconteça, é necessário que todos os profissionais da educação que atuam na escola também tenham oportunidade de se desenvolverem e se atualizarem. O sucesso do seu trabalho conduz ao sucesso do aluno. A escola como um todo participa desse ambiente de aprendizagem e desenvolvimento. Portanto, todas as dimensões do trabalho escolar são avaliadas, para que se identifiquem os aspectos que necessitam de melhoria (Villas Boas, 2001, p. 185).

Estudiosos brasileiros têm defendido a substituição do paradigma tradicional da avaliação (voltada apenas para a aprovação e reprovação) pelo paradigma que busca a avaliação mediadora, emancipatória, dialógica, integradora, democrática, participativa, cidadã etc. Todas estas designações fazem parte do que se entende por avaliação formativa. Este é mais um argumento a favor de a avaliação formativa ter como foco não apenas o aluno, mas, também, o professor e a escola. Estes adjetivos indicam que o seu campo de atuação é mais amplo do que tem sido considerado. O significado dessas palavras demonstra o caráter abrangente da avaliação (Villas Boas, 2001, p. 186).

Apresentada a visão de alguns estudiosos do assunto, parte-se para o relato e discussão dos resultados parciais da pesquisa.

Para compreender o processo avaliativo adotado pelo Colégio Marista, em uma primeira etapa, a pesquisadora conversou longamente com a equipe de assessores psicopedagógicos e aplicou um questionário aos professores das turmas já envolvidas, isto é, as da educação infantil e as da educação fundamental, de 1ª a 6ª séries. Dos cerca de 70 professores, 42 devolveram os questionários preenchidos. Na segunda etapa da pesquisa serão entrevistados alunos e aplicados questionários aos seus pais.

Do grupo de professores que responderam ao questionário, 1 atua no colégio há 22 anos; 1, há 20 anos; 1, há 15 anos; 1, há 14 anos; 3, há 13 anos; 7, há 12 anos; 4, há 10 anos; 2, há 9 anos; 1, há 8 anos; 2, há 7 anos; 3, há 6 anos; 2, há 5 anos; 3, há 4 anos; 5, há 3 anos; 2, há 2 anos; e 4, há 1 ano. Quanto à formação, 30 têm curso superior, 10 estão cursando, na maioria o Curso de Pedagogia e 2 não responderam.

Da análise do conteúdo das entrevistas e das respostas ao questionário emergiram as seguintes categorias, que serão brevemente discutidas a seguir: a avaliação formativa como um processo em construção, pelo grupo de professores e assessores psicopedagógicos; a avaliação como uma forte aliada do trabalho pedagógico; as dificuldades encontradas; as atitudes positivas dos professores e dos assessores psicopedagógicos.

A avaliação formativa como um processo em construção

A quase totalidade dos professores afirmou estar desenvolvendo a avaliação formativa por meio de relatórios que consideram o atingimento dos objetivos previamente definidos. Como os objetivos traçam o ponto de partida para o desenvolvimento do trabalho e indicam onde se pretende chegar e o relatório constitui uma forma de registro das informações obtidas, observa-se que ainda não se chegou ao entendimento da avaliação formativa como a que promove a aprendizagem de todos os alunos. Apenas um professor (da 1ª série) afirmou: “Não existe nota; o processo é desenvolvido para que o aluno atinja 100% de aproveitamento”. Outro dado que parece confirmar essa percepção é o fato de um grande número de professores (das várias séries) associar a avaliação formativa à eliminação de notas, de provas e de semana de provas. Eis alguns dos depoimentos sobre as mudanças ocorridas:

“O Colégio retirou o processo de avaliação por notas e adotou o processo de avaliação por objetivos”.

“Avaliação baseada em objetivos, passando da avaliação tradicional para avaliação formativa”.

“Avaliação de relatórios, isto é, avaliação formativa”.

Os professores entendem que o processo avaliativo adotado está em construção:

“… busca de uma caminhada que privilegie a construção dos conceitos, desenvolvimento de habilidades diferentes, chegando a provas contextualizadas e atualmente à avaliação formativa”.

“Saímos aos poucos de uma avaliação quantitativa para uma qualitativa … com o passar dos anos vamos aperfeiçoando o trabalho”.

“Estamos caminhando para esses resultados [os desejados] visto que é um processo avaliativo em desenvolvimento. Cada ano nos engajamos mais e os resultados estão aparecendo”.

“Procuro caminhar num processo crescente de aprendizagem, como meus alunos”.

Durante entrevista com os assessores psicopedagógicos, as seguintes percepções foram apresentadas:

“O processo para nós é novo”.

“Quando a gente fala de avaliação formativa … não é o que já estamos trabalhando, mas onde queremos chegar”.

“A nossa avaliação tem intenção formativa”.

Com relação a esta última afirmação, Hadji (2001, p. 20) ensina que “é a intenção dominante do avaliador que torna a avaliação formativa”, isto é, a avaliação “torna-se formativa na medida em que se inscreve em um projeto educativo específico, o de favorecer o desenvolvimento daquele que aprende, deixando de lado qualquer outra preocupação”.

Segundo esses assessores, a construção desse processo tem sido feita com a participação de todos os professores, por meio de duas ações principais: fundamentação teórica permanente e elaboração conjunta dos objetivos do trabalho pedagógico. Percebe-se, então, ser a avaliação formativa o ponto de chegada, tendo os objetivos como ponto de partida.

Coerentemente com esse entendimento de processo avaliativo em construção, indagados quanto à sua percepção sobre a reação dos pais, 7 professores da educação infantil afirmaram que os pais estão “satisfeitos” e “tranqüilos”; 5 afirmaram que houve “inquietação” a princípio mas, que, com as informações obtidas ao longo do processo já estão “tranqüilos” e “seguros”; 2 disseram que os pais “questionam” e 1 não respondeu. Quanto aos professores da educação fundamental, dos 6 da 1ª série que responderam ao questionário 1 afirmou que os pais ainda “estão presos ao modelo antigo”, 2 afirmaram que houve dúvidas iniciais, as quais já foram sanadas, e 3, que o “processo foi bem aceito”.  Dos 5 professores da 2ª série que responderam ao questionário, 3 afirmaram que os pais “acreditam no processo” e o compreendem; 1 disse que os pais “preferem a avaliação tradicional” e 1, que “ainda existem pais com dúvidas de como as crianças encararão um 2º grau onde a avaliação não é feita por objetivos”. Dos 3 professores da 3ª série que responderam ao questionário, 2 não perceberam resistência por parte dos pais e 1 afirmou que ainda existe “a preocupação com a nota”. Dos 4 professores da 4ª série que responderam ao questionário, 1 afirmou não haver resistência por parte dos pais e 3 sentiram insegurança, pelo menos inicial, porque “a mudança é grande e o mundo fora do Colégio avalia diferente e aí, como vai ser?”  Dos 4 professores da 5ª série que responderam ao questionário, todos consideraram que houve dúvidas, mas que já há compreensão do processo. A “reação tem sido de apoio, de parceria, participação”. Um professor comentou que “os pais reagiram positivamente, mas algumas dúvidas surgem em relação ao processo de ‘recuperação’ (que no meu entendimento não é o termo adequado para o processo formativo) e como os conceitos devem ser vistos do ponto de vista da quantificação”. Dos 5 professores da 6ª série que responderam ao questionário, 3 disseram que não houve muitos questionamentos, que alguns pais ainda questionam, mas a maioria aceita e 2 perceberam que “algumas famílias pedem o processo de notas, porém, quando percebem que a escola não vai retroceder, eles desistem”, que tem havido “bastante desconfiança (muitos), têm um temor exagerado por não acreditar que esse processo ‘prepare’ o aluno”.

A percepção dos assessores psicopedagógicos quanto à reação dos pais pode ser assim resumida:

“Há famílias que continuam querendo estabelecer relação quantitativa e não sabem se o aluno está bem ou se está mal. As famílias que acreditam numa linha mais tradicional são mais reticentes ao processo do que à avaliação em si. Mas são pouquíssimos casos. Mesmo os que questionam, quando a gente explica o processo, eles aceitam e compreendem. Havia gente que chegava com críticas duras. Depois que recebiam explicação, saíam convencidos”.

“Alguns pais questionam a razão de não ter mais notas e provas”.

Quanto aos alunos, todos os professores da educação infantil e da 1ª à 4ª série da educação fundamental consideraram que estão “tranqüilos” com relação ao novo processo de avaliação. Já uma parte dos professores da 5ª e 6ª séries afirmou que eles argumentam que, “no processo tradicional, existe maior clareza quanto aos resultados (quantificação)”; que “os alunos não entendem muito bem o processo. Tentam, às vezes, fazer algumas conversões para o processo de notas”; “segundo eles, a nota é melhor porque se ele alcançou a média passou e pronto, não precisa recuperar aquilo que não entendeu”. Um professor que atua na 6ª série afirmou que os alunos têm reagido “com bastante tranqüilidade. Aliás, tranqüilidade demais. Esse é um fator que me intriga, acredito que há um equívoco no processo. Equívoco teórico, talvez. Percebo que quando aumento o nível de complexidade na construção há um levante, reclamam muito e se dedicam muito  pouco aos estudos”. Como o Colégio afirma estar trabalhando com objetivos elaborados pelos professores e que são do conhecimento dos alunos, esta é uma questão que precisa ser analisada por todo o grupo. Não se pode querer praticar uma avaliação e desenvolver um trabalho pedagógico que a ela não corresponde ou não se articula. Professores e alunos têm de estar em sintonia com os propósitos do trabalho.

A preparação dos professores, da diretora e dos assessores psicopedagógicos para a construção do processo avaliativo tem sido feita por meio de cursos, encontros na própria escola, em horário de trabalho, para estudos e debates, e consultorias com especialistas. As contribuições teóricas de Philippe Perrenoud e Charles Hadji têm sido as mais utilizadas. A assessora psicopedagógica Sílvia Renata Lordello assim resume os principais aspectos para a compreensão da avaliação com intenção formativa, retirados da obra de Hadji (2001): “ir das intenções aos instrumentos. Não se limitar a avaliar para verificar, sem objetivos; assumir o caráter subjetivo da avaliação em vez de negá-lo; tratar os erros como fontes de informação; fazer das tarefas meios desencadeadores da aprendizagem; eliminar o abuso de poder implícito na avaliação; investir na comunicação de forma clara e efetiva, por parte do avaliador e do avaliado; promover os ajustes necessários , por meio de uma adequada re-mediação e desenvolver a regulação pedagógica como parte do processo, envolvendo todos os atores”.

Os professores, de modo geral, não se percebem completamente preparados para avaliar segundo o processo adotado, mas “em preparação”. Vejamos o que eles dizem:

“Considero-me aprendendo cada dia mais, pois a escola nos dá subsídios para isso. Fizemos cursos, nos propõem leituras (bibliografias ótimas), discutimos em reuniões (coordenação), estamos crescendo a cada dia”.

“Busco aperfeiçoar meus métodos, meu relacionamento, minha visão, minha postura, para que esse processo seja o mais fiel possível”.

Como processo em construção, os dados disponíveis até agora nos permitem tecer algumas considerações sobre o entendimento e a prática da avaliação formativa.

A primeira pergunta apresentada aos professores no questionário por eles preenchido foi: Que mudanças o Colégio Marista vem promovendo em relação à avaliação? Cabe ressaltar que todas as respostas se referiram à avaliação do desempenho do aluno. Esta é uma tendência observada em várias pesquisas (Villas Boas 1993, 1994, 1996, 2000). Na pesquisa à qual nos referimos anteriormente, sobre a “A avaliação nos cursos de formação de profissionais da educação no DF: confronto entre a teoria e a prática”, constatou-se que, tanto nos cursos de nível médio (Curso de Magistério), quanto nos de nível superior, estuda-se e pratica-se, na maioria dos casos, a avaliação focalizada no aluno. Esta é uma das evidências da avaliação unilateral e autoritária. Sendo praticada em cursos dessa natureza, é de se esperar que influencie a atuação do futuro profissional de educação. Não apenas professores, porque tem sido observado que o aluno é avaliado em todos os momentos e espaços escolares e por todos os profissionais que com ele interagem.

Por outro lado, os assessores psicopedagógicos afirmaram e demonstraram que os professores avaliam a sua atuação e o trabalho pedagógico por eles coordenado, por meio de fichas elaboradas pelos primeiros. Em outra etapa da pesquisa, caberá analisar as seguintes questões: qual a utilidade dessa ficha para o trabalho dos professores? Como ela se articula à organização do trabalho pedagógico da turma? Como ela está sendo percebida por eles?

Nessa perspectiva de construção do entendimento de avaliação formativa, encontraram-se os seguintes depoimentos dos professores:

“Avaliação como fornecedora de informações que propiciem novas situações facilitadoras da aprendizagem. Correções qualitativas valorizando a qualidade das respostas relacionando-as ao estágio de aprendizagem”.

“A avaliação está sendo contínua; todas as atividades são avaliadas. O aluno precisa estar estudando constantemente para acompanhar e os assuntos não se acumulam”.

“Conseguimos perceber exatamente onde a criança está necessitando de um maior investimento”.

“A avaliação tornou-se mais fiel, é possível se ter um ‘retrato’ completo da nossa criança”.

“Saímos aos poucos de uma avaliação quantitativa para uma qualitativa. As avaliações mensais, bimestrais foram sendo abolidas. Não há semana de provas. As crianças são avaliadas diariamente, por diversas maneiras: jogos, exercícios, trabalhos etc.”.

Os professores, de modo geral, destacaram a abolição das notas e da semana de prova. Contudo, não explicitaram como a avaliação se insere em um trabalho pedagógico que vise à  aprendizagem de todos os alunos, que é o cerne da avaliação formativa. É possível eliminarem-se notas e a tão propalada semana de provas e a avaliação continuar com a sua função classificatória e excludente.

Outro ponto que merece atenção é o fato de o Colégio ter substituído a avaliação por notas pelo processo de avaliação por objetivos, segundo depoimentos de vários professores. A intenção foi a de se adotar a avaliação por objetivos como o ponto de partida para se alcançar a verdadeira avaliação formativa. Contudo, não se pode cair na armadilha de se prender apenas a eles, que acabam sendo os definidores dos critérios. Harlen e James (1997, p. 365), citados anteriormente, nos auxiliam a compreender isso. A avaliação formativa, dizem eles, baseia-se em critérios, mas, ao mesmo tempo, toma como referência o aluno, analisando o seu esforço, o contexto particular do seu trabalho e o progresso obtido ao longo do tempo. Portanto, é uma avaliação individual e não comparativa. Além disso, não se pode esquecer que os objetivos são dinâmicos. Há aqueles estabelecidos no início do trabalho e os que podem ser inseridos durante o processo, levando em conta vários fatores, inclusive as necessidades e interesses de cada aluno.

Os assessores psicopedagógicos também expressaram suas percepções sobre a construção do processo avaliativo:

“Foi preciso vender a idéia da avaliação formativa para o professor. Primeiro tivemos de investir em todas as suas vantagens. Hoje ele está convencido pelos resultados obtidos. Agora estamos procurando as formas. No início houve superdosagem de objetivos e o professor ficou escravo daquilo. Muitos ajustes têm sido feitos”.

Avaliação: forte aliada do trabalho pedagógico

De modo geral, os depoimentos dos professores e dos assessores psicopedagógicos confirmam os achados de outras pesquisas que apontam ser a avaliação uma das categorias mais importantes da organização do trabalho pedagógico, chegando mesmo a norteá-la (Freitas, 1995, p. 144). Falar em avaliação significa falar do trabalho realizado. Os seguintes depoimentos apontam nessa direção:

“A proposta do colégio valoriza a forma diferente que cada aluno tem de como aprender determinado conteúdo e de como avaliá-lo nesse aprendizado”.

“O desenvolvimento do trabalho fica claro, pois os objetivos a serem alcançados são escolhidos dentro de conteúdo mais significativo”.

“A forma de avaliação é coerente com o trabalho desenvolvido em sala”.

“É fácil perceber se o nosso trabalho está atingindo ou não as crianças. É uma constante auto-avaliação para o professor.

“O professor exerce a função de mediador, conhece mais o seu aluno e, por isso, a avaliação é mais fiel ao seu trabalho”.

“Capacidade de desenvolver um trabalho mais coerente com a verdadeira construção da aprendizagem”.

“O aluno é conhecido por inteiro: seus pontos fortes e fracos. Você conhece melhor cada um e vai direto no que ele necessita”.

“A família fica sabendo em qual conteúdo específico do componente curricular o aluno tem dificuldade”.

“Facilita o trabalho a ser desenvolvido”.

“Possibilita investir nos aspectos realmente necessários”.

“Os alunos têm uma visão melhor dos objetivos a serem alcançados”.

“Quando surgem dificuldades, são solucionadas em equipe e com a ajuda do núcleo psicopedagógico”.

“O trabalho se torna mais eficiente, trazendo mais segurança do que se está fazendo, pela transparência, registros freqüentes, acompanhamento e avaliação contínua”.

“Consigo ver exatamente as dificuldades das crianças e posso rever meu trabalho e a forma de abordagem”.

“Formação de alunos mais participativos, mais críticos e com estruturas cognitivas mais organizadas”.

Outras vantagens referem-se diretamente à avaliação:

“Maior facilidade para avaliar o aluno”.

“As crianças não se sentem angustiadas pela chegada da época de provas e, como não há nota, não há competição nem críticas entre elas”.

“Minimização da tensão desnecessária nas atividades avaliativas”.

“Tira do centro da atenção a prova”.

“Os alunos estão mais dispostos, não ficam presos a um calendário de avaliações”.

Outro grupo de vantagens refere-se às famílias:

“Oferece tranqüilidade às famílias”.

“Há uma integração maior dos objetivos, tornando-os mais claros para a família”.

Os professores se referiram com mais frequência à avaliação do desempenho do aluno. Poucas vezes mencionaram a avaliação do trabalho pedagógico e da sua própria atuação. Houve poucas referências diretas à auto-avaliação pelo professor. Uma delas é: “precisamos nos avaliar a cada aula dada para sabermos se nós atingimos o objetivo daquela aula”. Algumas falas estabelecem articulação entre a avaliação e a organização do trabalho pedagógico. Segundo os assessores psicopedagógicos, eles se avaliam e avaliam o desenvolvimento do trabalho. O fato de não mencionarem esse tipo de avaliação nas respostas aos questionários pode indicar o não reconhecimento da sua necessidade, o entendimento de que se trata de uma atividade burocrática, solicitada pela coordenação do curso, ou mesmo o entendimento de que avaliar significa analisar somente o progresso do aluno. Eles até podem preencher as fichas de avaliação, às quais já foi feita referência, sem, contudo, perceberem e considerarem a sua importância no cotidiano escolar.

Não houve referências à auto-avaliação pelos alunos. Black e Wiliam (1998, p. 143) entendem que a auto-avaliação pelos alunos é componente essencial e até mesmo “inevitável” da avaliação formativa. Para isso eles devem conhecer claramente os objetivos da sua aprendizagem, o que geralmente não acontece, porque são introduzidos em uma “seqüência arbitrária de atividades”. Quando os alunos conhecem com que objetivos trabalham e percebem as evidências da sua aprendizagem, responsabilizam-se pelo que fazem. Além disso, tornam-se capazes de discutir o seu próprio desempenho com os professores e os colegas, o que desenvolve sua capacidade de reflexão, essencial para a sua formação. Para que a avaliação formativa seja produtiva, concluem os autores, os alunos devem ser preparados para se avaliarem, de modo que possam compreender os objetivos principais da sua aprendizagem e o que fazer para atingi-los.

Onde há construção há também dificuldades

Como processo de avaliação formativa, em construção, naturalmente, encontram-se dificuldades relacionadas diretamente ao trabalho com os alunos. Três são as dificuldades apontadas por maior número de professores: a de os alunos desenvolverem “hábitos diários de estudo”; a de “manter a freqüência dos estudos dos alunos, que esperam o professor determinar o dia da avaliação para poder estudar na véspera”; e a “grande quantidade de alunos por turma, o que quase impossibilita dar atenção aos mais necessitados”. Outra dificuldade também indicada foi a de “entendimento de um processo de avaliação desvinculado da nota, tanto pelos alunos quanto pelas famílias”. Observe-se que todas elas vinculam-se diretamente à organização e desenvolvimento do trabalho pedagógico. Não se muda isoladamente a avaliação; muda-se o trabalho pedagógico, do qual a avaliação decorre.

Quanto às dificuldades relacionadas ao trabalho docente, a mais apontada foi a sobrecarga de trabalho dentro e fora da sala de aula. “O tempo tem sido curto para tanto trabalho” e o “envolvimento que ultrapassa o horário ‘normal’ de trabalho” foram os sentimentos expressos por grande parte dos professores.

Após discorrerem sobre as vantagens do processo em desenvolvimento e as dificuldades ainda existentes, os professores relataram os aspectos a serem melhorados: “diminuir os objetivos por componente curricular” (professores da 1ª série); “melhorar nossos planejamentos”; “definição mais clara dos aspectos e maneiras mais objetivas do quê e como avaliar”; “aproximar mais as nossas avaliações dos nosso planejamentos”; “deixar mais claro para os nossos alunos quais são os nossos objetivos quando avaliamos”; “eliminar a fragmentação dos conteúdos”; “a re-mediação do processo avaliativo”; “o registro da avaliação formativa”; “pais, alunos e professores ainda precisam de mais orientação para se sentirem seguros e acreditarem que a avaliação formativa é viável”; “mais investimento nas teorias, mais discussões para que os professores se sintam mais seguros e mais autorizados”.

Vários professores (os de 4ª série em diante) indicaram como aspecto a ser melhorado a recuperação de estudos. Um deles afirmou que ela é “muito centrada em conteúdos”. Outro, que “o termo não é adequado para o processo avaliativo”. Realmente, de acordo com as características da avaliação formativa, apresentadas por Harlen e James e citadas no início deste texto, nesse tipo de avaliação não há lugar para o entendimento atual de recuperação como um momento específico para se “sanarem dificuldades”. O aluno encontra-se em processo de aprendizagem e não no de “vencer conteúdos” para ser aprovado. Enquanto ele não evidenciar ter adquirido as aprendizagens/capacidades previstas ele não pode trabalhar com os objetivos seguintes. Por isso é que se reafirma que a avaliação articula-se à organização e ao desenvolvimento do trabalho pedagógico.

Outros professores acrescentaram a necessidade de “muito mais leitura, troca de informações e discussões”. Professores da educação infantil apontaram como aspecto a ser melhorado o relatório do desempenho do aluno e sugeriram que ele seja digitado em casa.

 

Colhendo os primeiros resultados: “este é o caminho”

Os depoimentos dos professores são recheados de atitudes positivas. Entendem que “este é o caminho”, que estão “em estado de preparação”, que “desafio é a palavra-chave”, que “não me vejo mais trabalhando de outra forma”, que é o “processo que mais se aproxima do que sempre acreditei ser mais coerente” e que “não me vejo trabalhando com avaliações de maneira tradicional”. Um grande número deles mencionou a necessidade de manter-se atualizado. “Penso que sou um profissional aberto a novas idéias e tenho o ideal de fazer um mundo melhor, ensinando”, relatou um professor. Outro acredita que “o desenvolvimento do raciocínio lógico, da criatividade, da interatividade e a formação do cidadão crítico já são reflexo de um bem sucedido trabalho”.

Um depoimento de um dos assessores psicopedagógicos sintetiza o entusiasmo que os move: “o processo de avaliação formativa desnuda o professor porque a família recebe um relatório que diz o que o aluno aprendeu e o que ainda não aprendeu”. Com estas palavras ele quer dizer que não mais existem armadilhas e mistérios: o relatório tem o propósito de revelar todo o processo de aprendizagem.

Há o reconhecimento de que a escola tem proporcionado a formação continuada de todo o grupo, por meio de cursos, palestras, consultorias e discussões no seu próprio espaço de trabalho. Além disso, nota-se que o processo de avaliação em desenvolvimento está produzindo os resultados desejados, embora ainda existam aspectos a serem melhorados.

Contudo, como o processo está em construção, o conceito e a prática da avaliação formativa ainda estão incompletos. Em primeiro lugar, as respostas ao questionário vinculam essa avaliação à eliminação de notas e de provas. Estas últimas não foram abolidas; as datas de sua realização é que deixaram de ser comunicadas aos alunos, com o intuito de eles estudarem continuamente. A intenção é válida, pelo fato de vincular a avaliação à promoção da aprendizagem. Porém, o aluno não pode ser enganado; precisa aprender a aprender e a responsabilizar-se por sua aprendizagem.

Em segundo lugar, o conceito de avaliação formativa ainda está restrito à avaliação do desempenho do aluno, que é avaliado somente pelo professor (ainda não se pratica a auto-avaliação pelo próprio aluno). Uma das características da avaliação formativa, apontadas por Harlen e James (op. cit., p. 366), no início deste texto, refere-se ao papel central dos alunos, que devem atuar ativamente em sua própria aprendizagem. Como a avaliação formativa tem como objetivo promover a aprendizagem do aluno, cabe a este desempenhar papel ativo e não passivo, isto é, não “submeter-se” à avaliação mas ser parceiro do professor nessa empreitada.

O processo avaliativo em construção no Colégio Marista, iniciado como avaliação por objetivos, com intenção de alcançar a avaliação formativa, encontra suporte nos estudos de Freitas (1995, p. 144), que discute a existência de dois pares dialéticos na organização do trabalho pedagógico: o par objetivos/avaliação e o par conteúdos/método. Segundo ele, o primeiro modula o segundo e é “chave para compreender e transformar a escola”. O autor atribui grande importância à avaliação por “permitir desvelar os objetivos reais da escola e não somente os proclamados”.  Os objetivos reais da escola estão impressos “na organização do trabalho pedagógico global da escola e nas suas práticas avaliativas, as quais, reciprocamente, sustentam a própria organização da escola”, ensina Freitas (op. cit., p. 255). Assim sendo, percebe-se que a intenção de mudar as práticas avaliativas revela também a intenção de mudar a organização e o desenvolvimento do trabalho pedagógico da escola como um todo e o da “sala de aula” (esta entendida como os momentos e espaços de aprendizagem).

Para que o processo avaliativo em construção no Colégio Marista alcance os seus propósitos, os seguintes aspectos deverão estar sempre presentes: a contínua fundamentação teórica, de modo a se incorporarem as contribuições de estudiosos, como as apresentadas no início deste texto; o planejamento do trabalho pelo grupo de professores e não apenas pelos assessores psicopedagógicos e/ou consultores; o envolvimento dos alunos na tomada de certas decisões, de acordo com as recomendações de Stiggings, aqui expostas; a participação dos pais, não apenas no sentido de aceitarem o processo, mas, principalmente, no sentido de compreenderem-no e colaborarem para que ele dê certo. Como decorrência de tudo isso, certamente será instalada uma cultura avaliativa orientada para a aprendizagem do aluno e do professor e para o desenvolvimento da escola.

Referências bibliográficas

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BLACK, P. e WILIAM, D. Inside the black box: raising standards through classroom assessment. Phi Delta Kappann, outubro de 1998, p. 139-148.

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FREITAS, L. C. de. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática. Campinas, SP: Papirus, 1995.

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[1] Este texto está publicado no livro Avaliação: políticas e práticas, organizado por Benigna M. de F. Villas Boas, editora Papirus, 2002. Foi apresentado durante o XI ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino – realizado em Goiânia, de 26 a 29 de maio de 2002.

[2] Professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.

[3] Pesquisa desenvolvida de 1998 a 2000, com financiamento da FAP/DF, pela equipe: Benigna Maria de F. Villas Boas (coordenadora); Ana Regina Melo Salviano, Lúcia Maria da Cruz Suzart, Luzia Costa de Sousa, Margarida Jardim Cavalcante e Miriam Silva Gomes.

[4] Fazem parte do grupo de pesquisa: Benigna Maria de Freitas Villas Boas – coordenadora; Cleyton Hércules Gontijo, Eliene Cleuse de Oliveira, Mírian Silva Gomes, Verinez Carlota Ferreira, Suzana Barrios Luis, Ivanildo Amaro de Araújo, Lilian Auxiliadora Maciel Cardoso, Shirley de S. R. Kozlwski, Luzia Costa de Souza e Ana Regina Melo Salviano.

[5] A avaliação “referenciada a norma” baseia-se no desempenho do grupo de alunos, seguindo um padrão relativo. Assim, o desempenho do aluno é relatado em relação à turma, isto é, a nota ou menção recebida depende de sua posição relativa no grupo. A avaliação “referenciada a critério” baseia-se no desempenho individual, tomando-se como referencial os objetivos e os critérios de avaliação. A nota ou menção é atribuída em função da sua proximidade às expectativas fixadas pelo professor (Gronlund, 1979, p. 18).

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