Benigna Villas Boas

Conselho de classe: articulador do trabalho pedagógico da escola

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Mestra e doutora em Educação

Professora Emérita da UnB

Coordenadora do Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico  GEPA

Integrante do Observatório da Educação Básica, da Faculdade de Educação da UnB

13 de dezembro de 2022

Tive o privilégio de acompanhar o trabalho pedagógico de uma Escola Classe, em Brasília, durante todo o ano de 2022, quando teve continuidade o processo de recomposição das aprendizagens iniciado no segundo semestre de 2021, ao serem retomadas as aulas presenciais.Estive presente nos conselhos de classe, nas coordenações pedagógicas coletivas, nos encontros da Escola Aberta (reunião de pais), em atividades desenvolvidas pela Equipe Especializada de Apoio à Aprendizagem, nas comemorações de datas especiais, nos encontros de encerramento do primeiro semestre e do ano letivo e acompanhei atividades em salas de aula. Toda a riqueza de uma escola inclusiva se descortinou para mim.

À medida que o trabalho pedagógico foi evoluindo, comecei a perceber que, nesse ano de fortalecimento das aprendizagens e no contexto da escola mencionada, o conselho de classe assumiu lugar de destaque: apresentou-se como elemento aglutinador de ideias, posturas e ações e, por isso, articulador do trabalho pedagógico da escola. Encontros de toda a equipe escolar para traçar o caminho a ser seguido se mostraram essenciais. Todos necessitavam de amparo emocional e pedagógico a fim de criarem ambiente acolhedor para os estudantes. O conselho de classe, aliado à coordenação pedagógica coletiva, assumiu este papel, por constituir-se oportunidade de análise da situação de aprendizagem de cada estudante e de socialização de experiências pelas professoras.  

No ebook publicado em 2022, denominado “Escolas e professores: proteger, transformar, valorizar”, seu autor, António Nóvoa, professor da Universidade de Lisboa, ressalta a relevância da pedagogia do encontro, mencionando os professores como essenciais na sua constituição. Ele afirma que a pedagogia é um processo conjunto de construção das aprendizagens, sendo também uma forma de pertencimento mútuo. Considera que o princípio da reciprocidade é central para pensar uma pedagogia do encontro. Foi o que percebi durante os conselhos de classe. Reciprocidade significa dar e receber, condição necessária para a qualidade das relações que se estabelecem entre os participantes desses conselhos.

Observei os seguintes benefícios do conselho de classe, sobre os quais tecerei considerações:

– Possibilitou a prática da pedagogia do encontro

– Propiciou a socialização de experiências

– Integrou professoras, equipe gestora, coordenadores pedagógicos, psicólogo, pedagoga e orientadora educacional

– Tornou possível a colaboração

– Ofereceu contribuições ao processo de aprendizagem de cada estudante.

– Criou oportunidades para análise conjunta da situação de aprendizagem de cada criança

– Evidenciou a necessidade dos projetos interventivos

– Possibilitou autoavaliação pelas professoras

– Retratou a dinâmica do trabalho pedagógico de cada turma

– Ofereceu elementos para a reorganização do trabalho pedagógico da escola

– Contribuiu para a autoavaliação pela escola (avaliação institucional)

– Constituiu-se formação continuada na escola

Havia na escola, naquele ano, 25 professoras, das quais apenas 5 eram efetivas. As de contrato temporário já tinham experiência de magistério na instituição ou em outras. O conselho de classe apresentou-se como uma rica oportunidade de entrosamento entre elas, de colaboração e de contribuições às atividades junto às crianças.  À medida que os encontros se sucediam, elas foram se soltando e se abrindo em busca de orientações. A prática da pedagogia do encontro foi se robustecendo pela participação de todas as professoras, do coordenador e da coordenadora pedagógica, da diretora e da vice diretora, do psicólogo, da pedagoga e da orientadora educacional. 

 Como a escola é inclusiva, isto é, recebe também estudantes com necessidades especiais, a pedagogia do encontro possibilitou o compartilhamento de experiências. Há situações em que irmãos gêmeos, que necessitam de atendimento especial, frequentam turmas diferentes. Durante os encontros a professora de cada um deles se manifestou sobre suas conquistas e necessidades, tendo recebido contribuições de colegas.  

A pedagogia do encontro não significa simplesmente a reunião de professoras e profissionais da escola. Nos conselhos de classe, os encontros são qualificados, isto é, acompanhados de estudos e reflexões que conduzem à tomada de decisões. A atuação das professoras não pode ser solitária, principalmente em escolas inclusivas. Foi visível  o  comprometimento com o sucesso da atuação de cada uma, manifestado por contribuições quando uma colega declarou, por exemplo, já ter esgotado todos os esforços em determinada situação.

Ficou evidenciada a articulação do conselho de classe aos encontros da Escola Aberta e às conversas com os pais em outros momentos, quando as professoras tinham oportunidade de fortalecer seus argumentos sobre o progresso de aprendizagem dos estudantes.  

Ainda segundo Nóvoa, como a pedagogia do encontro é um processo de pertencimento mútuo, percebi que as professoras novatas na escola foram aos poucosse incluindo nos conselhos de classe. Mais observadoras no início, foram ganhando confiança e passaram a se manifestar com mais desenvoltura.

O conselho de classe é uma atividade avaliativa por excelência: destina-se à análise do processo de aprendizagem dos estudantes e ao oferecimento de orientações para a sua continuidade; à análise do trabalho das professoras por elas próprias, em forma de autoavaliação, e de avaliação entre elas, em forma de feedback, de modo a confirmarem sua dinâmica de atuação. Nesse espaço são avaliados os avanços e as necessidades de aprendizagem de cada criança. A expectativa é que as professoras se sintam seguras e apoiadas. Tomam-se decisões cujos resultados serão o tema inicial do próximo conselho. Durante a fala de cada professora e ao seu final, a interação e ajuda mútua estiveram presentes, em contribuição às necessidades apresentadas. Exemplo: uma delas afirmou que determinada criança ainda não reconhecia a grafia de um dos números, tendo solicitado ajuda às colegas. Este fato demonstrou a existência de confiança e de colaboração entre elas. Reafirmo a importância da autoavaliação e do feedback durante esses encontros.

Assim compreendido, o conselho de classe retrata o trabalho pedagógico desenvolvido em salas de aula e pela escola, como um todo. É a escola em movimento, reconhecendo avanços, fragilidades, necessidades, ações integradas e, principalmente, oferecendo soluções. É a rotina escolar exposta. É um momento de avaliação das aprendizagens, para as aprendizagens e como aprendizagem, porque são analisadas as aprendizagens desenvolvidas e ainda não desenvolvidas (avaliação das aprendizagens), em busca daquelas a serem conquistadas (para as aprendizagens). Além disso, todo o processo constitui aprendizagem (como aprendizagem), porque quem avalia aprende e quem aprende avalia. Avaliação e aprendizagem se imbricam, de modo que uma fortaleça a outra. Esta é a sua função formativa.

Como instância avaliativa, o conselho de classe torna possível a reorganização contínua do trabalho pedagógico de toda a instituição. Oportuniza a avaliação do percurso de aprendizagem da turma e de cada criança, a autoavaliação pelas professoras e pela escola (avaliação institucional). É um momento ímpar de avaliação, devendo ficar claras as ações que dele decorrerão. Para ele convergem informações e dele derivam orientações e decisões importantes, como a figura abaixo demonstra:  

Figura elaborada por Benigna Maria de Freitas Villas Boas

A dinâmica do conselho de classe consistia na apresentação, por cada professora, da situação de aprendizagem das crianças, em forma de avanços, fragilidades e necessidades. A partir daí entravam em cena as contribuições dos serviços de apoio à aprendizagem, assim como informações coletadas nos momentos de coordenação coletiva e da Escola Aberta (encontro com os pais). Ficou evidenciado seu potencial de promover circulação de informações e orientações entre as demais atividades pedagógicas da escola, em benefício do sucesso das crianças. Como se dedicou à análise da situação de aprendizagem de cada uma delas, teve a participação de todos os profissionais responsáveis pelo processo e manteve intercâmbio com os outros momentos coletivos, o conselho de classe assumiu o papel de articulador do trabalho pedagógico escolar. Não se mostrou uma atividade isolada, conforme demonstra a figura.

A colaboração entre os participantes do conselho de classe ganhou relevância. Fui provocada a buscar apoio teórico sobre o tema no livro Empowered  educators – how high-performing systems shape teaching quality around the world – Educadores empoderados – como sistemas mundiais de alto desempenho organizam ensino de qualidade (LINDA-HAMOND; BURNS; CAMPBELL; GOODWIN; HAMEERNESS; LOW; McINTYRE; SATO; ZEICHNER, 2017). Algumas páginas são dedicadas à colaboração, considerada o coração de escolas de qualidade social. Os autores reconhecem que escolas com alto desempenho se organizam para que seus profissionais socializem saberes e habilidades que possibilitem a criação de um conjunto comum de práticas propiciadoras do trabalho pedagógico. Atuar colaborativamente, dizem eles, conduz ao sucesso escolar. Relatam que, em países em que a educação é bem sucedida, a colaboração entre professores é enfatizada. O planejamento das suas atividades é feito colaborativamente. Os autores citam o caso da Finlândia, onde o tradicional desenvolvimento profissional docente está se movendo para a concepção da aprendizagem dos professores em ambientes e comunidades em que possam aprender uns com os outros. O representante do Ministério da Educação deste país, citado pelos autores do livro, reconhece ser “essencial entender que nós podemos usar o já existente know how e conhecimento dos professores e inovações para formar outros, e perceber que ‘a sabedoria’ não existe fora da escola mas dentro dela” (LINDA-HAMOND et al, p. 114). Este entendimento engrandece o trabalho de cada professor/a.

Até aqui detive-me nos benefícios do conselho de classe observados. Passo a abordar sua íntima relação com a avaliação. As informações provenientes da avaliação formal, isto é, praticada por meio de atividades avaliativas, dentre elas a prova, não se dissociaram da informal, que me pareceu mais presente. Tudo indica que a conjugação dos resultados destas duas modalidades é que conduziu à tomada de decisões. Cabe lembrar o entendimento de Freitas, para quem

No plano da avaliação formal estão as técnicas e procedimentos palpáveis de avaliação com provas e trabalhos que conduzem a uma nota; no plano da avaliação informal, estão os juízos de valor invisíveis e que acabam por influenciar os resultados das avaliações finais e são construídos pelos professores e alunos nas interações diárias. Tais interações criam, permanentemente, representações de uns sobre os outros (2009, p. 27).

A avaliação informal ocorre simultaneamente à formal, dentro da sala de aula e em todos os espaços escolares.

Registrei várias manifestações de avaliação informal pelas professoras, durante os encontros do conselho de classe, em forma de avanços e de fragilidades dos estudantes. Como avanços, disseram:

Chegou com muita dificuldade, agora é mais tranquilo. Vem para o interventivo.

Agora estamos conseguindo dar aula. Agora é possível observar as crianças. Estão conseguindo entrar na rotina. Meu Deus, agora todo mundo fez o dever de casa. Agora a gente tá conseguindo avançar.

No início, desafiava muito. Agora está mais tranquilo.

Faz tudo. Ótimo aluno.

Começando a ler pequenas palavras. A mãe colabora.

A turma tem grande interesse pela leitura.

É campeão. Tenho orgulho dele.

Estou em evolução com algumas crianças.

Estou encerrando o primeiro semestre com sentimento de satisfação. Consegui focar nas crianças com dificuldades. Cada uma tem um caderno para as atividades interventivas.

Vem se desenvolvendo dentro das possibilidades. Fica mais tempo sentado. Não pode ficar sozinho nem um minuto. Não come sozinho.

A turma no início era muito agitada. Está evoluindo na parte de leitura.

Houve amadurecimento por parte de alguns.

Flui bem.

Está se envolvendo.

Desenhos impecáveis

Está lendo pequenos textos

Esforçado. Não desiste nunca. Lê e escreve palavras simples

Ouvi expressões de encantamento com o progresso de determinados estudantes:

Fico apaixonada com os desenhos dela.

Você é tão capaz!

Continua extremamente esforçada. Sempre feliz. Só vejo avanço no fulano.

Fragilidades também foram apontadas pelas professoras:

Falta de respeito às professoras

Não aceita regras

Precisa de ajuda

Não tem foco

Não tem hora para dormir. Família desorganizada.

Conflitos em sala de aula

Não tem autonomia

Escreve quando quer

Mandona, agressiva

As professoras enumeraram maior número de avanços do que de fragilidades, o que demonstra se voltarem mais para as potencialidades do que para as fraquezas dos estudantes, ou que as aprendizagens estejam evoluindo conforme o esperado.  Várias fragilidades se referem a estudantes com necessidades especiais. O relato de cada fragilidade era seguido de análise pelo grupo, de oferecimento de contribuições pelos colegas para o seu enfrentamento e de orientações pelos demais participantes. Pareceu-me que as professoras recebiam o apoio de que necessitavam.  

A escola trabalhou com 13 turmas regulares e 12 classes especiais. Cada uma destas últimas se compunha de dois estudantes, de modo que as professoras pudessem atendê-los individualmente. Contudo, a duração do conselho de classe era a mesma do ensino regular, porque a avaliação incidia sobre as necessidades de cada um, em detalhes, demonstrando o cuidado e atenção de que são merecedores. Por exemplo: em outubro, aparentando satisfação, uma professora comunicou que uma menina já conseguia se sentar e que um menino já corria e andava, o que, segundo ela,  “significava um ganho”. Sobre outras crianças: está estacionada e não quer sentar para trabalhar; nesta semana me surpreendeu ao escrever e ler a letra “a”; estudante que se mutila; a chegada de um menino que desestruturou a sala inteira; dá birras; belisca e puxa o cabelo da professora.

Durante os conselhos de classe eram analisadas situações de faltas e chegadas tardias de estudantes, quando se discutiam formas de minimizá-las, porque providências, geralmente, já haviam sido tomadas.

A partir do penúltimo conselho de classe, as professoras já mencionavam  possíveis retenções, com vistas à composição de turmas para o ano seguinte.

O conselho de classe integrou o processo avaliativo da escola,oferecendo subsídios para a continuidade das atividades em sala de aula, para os encontros com os pais (Escola Aberta) e para tomada de decisão durante as coordenações pedagógicas coletivas. Além disso, forneceu informações relevantes para o desenvolvimento da autoavaliação pela escola (avaliação institucional). 

Assim como a avaliação, o conselho de classe é um componente estratégico, sensível e ético do trabalho pedagógico escolar. É estratégico por reunir toda a equipe responsável pelas aprendizagens das crianças, ao final de cada bimestre, para análise das necessidades e das experiências que vêm obtendo sucesso, com vistas à conquista de aprendizagens por todas. O trabalho colaborativo faz parte dessa estratégia.   

Como consequência, é sensível às diferenças individuais dos estudantes e às expectativas das famílias. A sensibilidade pôde ser constatada quando as professoras relatavam situações de sala de aula para as quais necessitavam do apoio dos presentes ao encontro, particularmente das colegas e do psicólogo e da pedagoga. 

Por ser estratégico e sensível, o conselho de classe é desenvolvido com ética, caracterizada pelo respeito às diversidades e às diferenças. Luckesi ( 2011) nos auxilia a compreender a ética,

que tem a ver com os valores que direcionam nosso agir na vida pessoal e coletiva. A avaliação da aprendizagem na escola é marcadamente uma atividade que tem seu foco de atuação na relação com o outro. Desse modo, não há como atuar na relação com o outro sem que questões éticas venham à tona. E estas, por sua vez, estão comprometidas com a maturidade emocional de cada um de nós. Nas relações interpessoais, não há como sustentar condutas éticas satisfatórias sem que, para tanto, tenhamos maturidade emocional. Possuir inteligência emocional significa administrar a vida com maturidade emocional, ou seja, com justiça e equanimidade (p. 383).

Ainda segundo Luckesi, para que o educador pratique a avaliação da aprendizagem com ética, deve cumprir três pactos: profissional, curricular e com a verdade. Pelo pacto profissional, o educador compromete-se com a sociedade, com o sistema de ensino, com os pais e com os estudantes a organizar e desenvolver o trabalho pedagógico com vistas ao alcance das aprendizagens. A avaliação é solidária com este comprometimento.

Pelo pacto curricular, o professor não pode contentar-se com o desempenho médio dos seus estudantes; “eles precisam manifestar seu desempenho ‘pleno’ e essa meta envolve muito investimento, especialmente em se tratando dos estudantes com maior dificuldade para aprender alguma coisa” (Idem, p. 394).

O terceiro pacto é com a verdade, pelo qual o processo avaliativo inclui meios e recursos condizentes com o trabalho desenvolvido em sala de aula, feedback contínuo, avaliação informal encorajadora, devolução aos estudantes das suas produções, devidamente analisadas, assim como atendimento respeitoso e cordial aos pais, informando-os continuamente as condições de aprendizagem dos seus filhos, seus avanços e fragilidades, assim como solicitando sua parceria. 

Pode-se afirmar, então, que os três pactos traduzem-se no compromisso com as aprendizagens dos estudantes, tendo o conselho de classe como expressão dessa intenção.    

Assim compreendido, o conselho de classe desenvolve-se segundo a função formativa da avaliação, entendida por SORDI e SANTOS (2020, p. 268) “como categoria que alavanca as aprendizagens e convida ao diálogo, às parcerias e aprendizagens mútuas e plurais” (SORDI; SANTOS, 2020, p. 268), o que encontrei no conselho de classe da observada. Contudo, advertem os autores, a avaliação formativa não é um “rótulo a ser adotado no trabalho pedagógico … aposta no processo e, portanto, contrai compromissos” (Idem, p. 269), isto é, com as aprendizagens de todos os estudantes e dos que com eles interagem.

O conselho de classe tem uma característica ímpar: é um dos momentos de formação continuada na escola. Muitas aprendizagens são conquistadas por meio da socialização de saberes entre todos os seus participantes. As professoras aprendem muito com seus pares e os outros profissionais da educação presentes. Menciono especialmente as professoras por serem, naquela escola, as que se envolvem direta e continuamente com as crianças. As novatas na escola necessitam de momentos coletivos para conhecerem os colegas e se adaptarem à nova situação. Também as antigas professoras se beneficiam com as experiências de quem está chegando.

A formação continuada e, de modo especial, o letramento em avaliação, ganham atenção especial em escolas inclusivas: todo o grupo de docentes necessita estar em dia com estudos atualizados sobre o processo avaliativo que promova as aprendizagens de todos os estudantes. Nesse sentido, o conselho de classe concorre para o letramento em avaliação de todos os seus participantes. Com este propósito deve ser planejado e desenvolvido. As seguintes indagações necessitam de análise aprofundada pela escola cujo trabalho acompanhei: quais as singularidades do processo avaliativo em turmas inclusivas? Quais os recursos apropriados a cada grupo de estudantes?

Stiggings, professor americano e estudioso do letramento em avaliação, citado por Camargo e Scaramucci, amplia o seu significado. Defende uma sociedade letrada em avaliação, o que requereria “treinar os alunos para serem consumidores críticos do feedback fornecido pelos professores, prepará-los para defenderem seus interesses quando se trata de avaliação, ensinar os pais a entenderem o significado das notas de seus filhos, preparar os funcionáriosdas escolas, autoridades e outros protagonistas da comunidade escolar para compreenderem o significado de uma avaliação de qualidade e, obviamente, preparar os professores para que sejam abertos a revisões críticas dos seus próprios sistemas de avaliação” (p. 228).

O autor propõe que a avaliação deixe de ser um componente reservado ao professor, a quem caberia o poder de decisão, para abranger todos os sujeitos envolvidos no trabalho escolar. De arbitrária, torna-se um processo participativo. A abertura dos professores a revisões críticas dos seus próprios sistemas de avaliação será possível se forem formados para tal e se for uma política do sistema de ensino e da escola. 

Ao citar os estudantes em primeiro lugar, o autor os insere no centro do processo avaliativo. Afinal de contas, a escola é para eles, que precisam aprender a ser consumidores críticos do feedback fornecido pelos professores, como quer Stiggings.

Considero muito positiva a recomendação de formar os funcionários das escolas, as autoridades e outros protagonistas da comunidade escolar para compreenderem o significado de uma avaliação de qualidade. Os funcionários (administrativos, da área de limpeza e outros) interagem com os estudantes e seus pais e praticam a avaliação informal. Devem falar a mesma linguagem dos professores.

Como os documentos orientadores do processo avaliativo das escolas públicas de educação básica do DF assumem compromisso com a avaliação formativa, torna-se necessário ressignificarmos a proposta do autor quanto à necessidade de ensinar os pais a entenderem o significado das notas de seus filhos. Seria somente isso? Muitas escolas já desenvolvem processo avaliativo em que notas estão sendo relegadas a segundo plano. Não são utilizadas na escola observada. O mais importante é que os pais compreendam e acompanhem a evolução das aprendizagens dos seus filhos e o processo avaliativo que a acompanha. O letramento dos pais em avaliação é de responsabilidade da escola, sendo mais amplo do que Sttigings anuncia. Neste sentido, além dos encontros proporcionados pela Escola Aberta, são bem vindos momentos de socialização do processo avaliativo desenvolvido pela escola: significado da avaliação, seus objetivos, suas funções (diagnóstica, formativa e somativa), os recursos da avaliação formal adotados, avaliação informal encorajadora, autoavaliação pela escola. Quanto à função somativa, podem ser aproveitadas as iniciativas do sistema de ensino de aplicação de provas padronizadas para que os pais compreendam suas finalidades. Desta forma eles vão se tornando letrados em avaliação, cuja “caixa preta” vai se desfazendo. Em décadas passadas, a avaliação era um trunfo nas mãos de professores.

A vantagem do letramento em avaliação na própria escola se diferencia daquele proporcionado por cursos: ao mesmo tempo em que ela é praticada, saberes e fazeres se articulam, por meio de leituras, estudos e análises, o que pode ser concretizado durante as coordenações pedagógicas coletivas. Vivenciar esse movimento de estudos entre colegas possibilita o entrelaçamento da prática e da teoria em ambiente acolhedor. Contudo, o letramento em avaliação, na própria escola,  ainda não é uma atividade intencional e planejada. Informações extraídas do conselho de classe podem sugerir o seu conteúdo e formato.   

Concluindo: o conselho de classe não é um ato técnico nem burocrático do trabalho da escola. Contrai compromissos com a qualidade social do trabalho pedagógico,  isto é, com a inclusão de todos os estudantes no processo de aprendizagem, com a avaliação que impulsione as aprendizagens, com o trabalho colaborativo e com a formação continuada de todos os sujeitos que fazem a escola funcionar.  

Referências

CAMARGO, Gladys Quevedo; SCARAMUCI, Matilde Virgínia Ricardi. O conceito de letramento em avaliação de línguas: origem de relevância para o contexto brasileiro. LING. – Est. e Pesq., Catalão – Go, vol. 22, n. 1, p. 225-245, jan./jun. 2018.

FREITAS et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis: Vozes, 2009.  

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem como componente do ato pedagógico. SP: Cortez, 2011.

NÓVOA, António. Colaboração Yara Alvim. Escolas e professores: proteger, transformar, valorizar. Salvador: SEC/IAT, 2022.

SORDI, Mara R. De; SANTOS, Marcos Henrique A. dos. O lugar da avaliação das aprendizagens em uma perspectiva histórico-crítica. In VEIGA, Ilma P. A.; FERNANDES, Rosana César de A. Por uma didática da educação superior. Campinas, SP: Autores Associados, 2020.

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