esboço de um programa para defender nossas escolas públicas das forças liberais-conservadoras
Publicado no blog do Freitas, em 30/09/2022
Versão 2.0
- É fundamental rever as práticas escolares internas de relacionamento com as novas gerações que chegam às escolas de maneira a envolvê-las cada vez mais na gestão, na vida da escola e da sociedade. Democratizar as relações internas entre professores, estudantes e a própria gestão das escolas é um exercício inadiável para induzir o avanço de processos democráticos na sociedade como um todo, e ajudar a conter políticas anti-democráticas e de discriminação. Frente ao avanço das políticas autoritárias, meritocráticas e individualistas da coalisão liberal/conservadora é fundamental estimular as escolas a desenvolver um padrão sócio-político alternativo, voltado para a auto-organização dos estudantes, tanto pessoal como coletiva, que aponte para a solidariedade e prepare processos superiores de democratização participativa. Esta tarefa de exercício democrático-participativo é urgente e se soma à tarefa de domínio do conhecimento sistematizado. Ao mesmo tempo, evidencia o papel político da escola pública, tarefa que se constitui na razão pela qual ela será cada vez mais atacada pela coalisão autoritária com projetos de privatização e militarização que a coloque sob seu controle político.
- Os programas progressistas devem propor instrumentos legais para constituir formas de gestão democrática nos sistemas e nas escolas como caraterística distintiva do próprio conceito de escola pública. Isso inclui fortalecer os conselhos municipais de educação; os fóruns municipais de educação e o conselho de acompanhamento do FUNDEB, bem como valorizar os conselhos das escolas – entre outros instrumentos de gestão democrática – de forma a definir como “escola pública” aquela, e apenas aquela, que é gerida por estes instrumentos públicos de gestão e atende a todas as exigências legais das escolas públicas (estatais). Não pode ser entendida como “escola pública” aquela que não se subordina às regras e instrumentos de gestão democrática (assim, não estão incluídas nesta denominação as escolas privadas ou escolas públicas de gestão privatizada – em suas várias formas -, as quais respondem às suas respectivas mantenedoras e, portanto, não têm uma gestão pública e democrática nos termos definidos). À escola pública, assim definida, devem ser exclusivamente destinados os recursos públicos, pois ao serem facilitados às escolas privadas ou de gestão privada, desfinanciam a escola pública e prejudicam a qualidade da educação dos estudantes nela matriculados.
- Defender a exclusão da área da educação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Sua inclusão atende a uma política de indução da privatização, pois, ao atingir o limite, a área da educação não pode contratar novos professores para abrir novas escolas. No entanto, pode privatizar por contrato de gestão e vouchers, pois estes custos não são contabilizados na lei de responsabilidade fiscal. A LRF é uma indutora de privatização.
- Apoiar os dispositivos constitucionais que garantam investimentos na educação, bem como dispositivos do Plano Nacional de Educação que visem garantir recursos adequados para a educação, fora do teto de gastos.
- Programas progressistas condenam todos os processos de privatização do serviço público em suas variadas formas (vouchers, contratos de gestão, contratos de impacto social e parcerias público-privadas) e apontam para o fortalecimento da educação pública de gestão pública. Público e privado são categorias mutuamente excludentes. Por definição, público visa o bem público, comum, e privado visa o bem particular daqueles que são proprietários ou organizadores. O privado tem “por obrigação” gerar lucro (mesmo que sob a forma de organizações “sem fins lucrativos” – uma pura questão de contabilidade), o público visa garantir direitos e atender ao interesse público. Privado não lida com direitos, lida com mercado. Mercado tem suas regras. Para garantir o lucro, os compromissos têm que ser, antes, com os acionistas e proprietários: isso exige inserir-se na lógica do mercado da área explorada, reduzir custos (ex.: mais alunos em sala para o mesmo professor, ou incluir plataformas de aprendizagem on line) ser competitivo reduzindo salários (profissionais menos qualificados, sem direitos, rotativos) e até reduzir o alcance do serviço ou produto, excluindo populações mais caras (muito pobres ou com necessidades especiais. Portanto, não há a possibilidade de formas híbridas como “parcerias público-privadas” ou “gestão privada de serviço público” serem consideradas viáveis (seja para atividades pedagógicas ou consideradas “não pedagógicas”).
- Igualmente merecem condenação os tratados internacionais que visem regular ações nacionais no campo dos serviços educacionais, como o TISA – Trade In Services Agreement).
- Os programas progressistas devem defender a eliminação de testes censitários de avaliação de larga escala (nacionais e estaduais) na educação, que levem a ranqueamentos ou a consequências associadas a meritocracia (bônus ou punições) para professores e estudantes. As avaliações de larga escala, quando existirem, devem ser sempre amostrais e nunca censitárias. A política de testar e punir, apenas cria condições para se privatizar a educação, através de avaliações estreitas e da tentativa de desgastar a imagem da educação pública e encontrar uma justificativa para transferi-la à iniciativa privada.
- Uma das medidas mais eficazes para aumentar a qualidade da educação é a diminuição do número de alunos em sala de aula, a começar por escolas em áreas de risco. Uma política progressista deve apontar para a redução do tamanho das turmas de estudantes.
- Os programas progressistas devem ter o compromisso de caminhar na direção de cada vez mais unificar a trajetória dos estudantes da educação básica em trilhas de alto desempenho, independentemente da origem social, e eliminar a dualidade do sistema educacional que impõe aos menos favorecidos trilhar caminhos de menor desempenho. A brecha entre o desempenho dos estudantes mais pobres e os mais ricos deve ser diminuída ao longo do tempo, com ações efetivas de aumento da qualidade da educação. Isso também é válido para as discriminações baseadas em gênero e raça. Estes últimos casos devem ser priorizados pois conduzem a bi ou tri-discriminação: pobre – mulher, ou pobre – mulher – negra.
- Recusar processos de escolarização na educação infantil que antecipem a educação fundamental e desrespeitam o desenvolvimento infantil, bem como a introdução de testes de conteúdo e de habilidades socioemocionais.
- (Optativo.) No campo da educação infantil e como política emergencial enquanto o poder público se organiza para garantir pleno atendimento, é possível se aceitar parcerias público privadas destinadas, exclusivamente, à construção de escolas e equipamentos públicos.
- A educação deve ser um espaço de diversidade de ideias não sujeito a mordaças que visem eliminar a liberdade intelectual dos docentes e estudantes durante seu percurso formativo. Neste sentido, é igualmente importante revogar dispositivos que permitam a militarização de escolas públicas e criar mecanismos efetivos de proteção da liberdade intelectual.
- Políticas progressistas garantem condições de trabalho adequadas para o magistério e seus estudantes.É preciso introduzir políticas para melhorar a qualidade da educação em uma ação conjunta com os professores e estudantes e não contra eles. As condições de aprendizagem dos estudantes estão diretamente ligadas às condições de trabalho dos professores.
- Eliminar avaliações de larga escala censitárias e apoiar, onde elas existam, o desenvolvimento de leis que permitam aos pais definir se querem ou não que seus filhos participem de avaliações de larga escala censitárias, em função de concepções, características pessoais do estudante e saúde. As pressões que tais avaliações exercem sobre as crianças e jovens (incluindo simulados e pressões no interior das escolas para que se saiam bem) conduzem a ansiedade, doenças e tensões que são contraproducentes ao seu desenvolvimento.
- Opor-se aos processos de padronização da educação os quais associados à avaliação de larga escala censitária conduzem à eliminação de experiências inovadoras e à imposição de padrões culturais arbitrários que marginalizam, excluem e além disso, que destroem especificidades de culturas locais, em especial na educação dos povos do campo.
- Lutar pela revogação da Base Nacional Comum Curricular atual (fundamental e médio), bem como a Base Nacional Comum de Formação do magistério, substituindo-as por outras construídas democraticamente com base em um conceito de formação humana alargado e não restrito a competências e habilidades, e ainda revogar a Lei da Reforma do Ensino Médio.
- Lutar contra a desprofissionalização dos profissionais da educação, assegurando condições adequadas para sua formação teórica e prática, bem como a obrigatoriedade do pagamento do piso salarial.
- Opor-se ao fechamento de escolas públicas nas comunidades urbanas e no campo. A escola é para a comunidade e deve ser um centro cultural local, independentemente do número de alunos que atende.
- Apoiar mecanismos de registro, fiscalização e publicização do uso de medicação com as crianças e jovens nas redes públicas, destinada a tratamento de supostos “transtornos” de atenção e correlatos (uso da substância metilfenidato), a qual tem efeitos colaterais importantes no desenvolvimento das crianças.
- Regulamentar as condições e o número máximo de horas que os estudantes podem ser envolvidos em plataformas digitais de aprendizagem nas escolas (tablet, computador, celular, etc.), a partir de pesquisas e requisitos internacionais de proteção à saúde e bem-estar.
- Exigir transparência de produtores de plataformas de aprendizagem online em relação aos objetivos, planejamento dos algoritmos decisórios, certificação de ausência de eventuais processos internalizados de exclusão e/ou discriminação (conceitual ou práticos) ocultos em algoritmos e em trilhas internas de aprendizagens, bem como evidências em estudos em campo.