Benigna Villas Boas

Diretrizes de avaliação: construção coletiva por professores

Diretrizes de avaliação: construção coletiva por professores

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Faculdade de Educação da Universidade de Brasília

Grupo de pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico – GEPA

Texto apresentado em painel durante a realização do ENDIPE de 2014 em Fortaleza

Resumo

O texto apresenta parte dos resultados da pesquisa que vem sendo desenvolvida na rede pública de ensino do Distrito Federal sobre práticas avaliativas, desde 2000.  Deste ano até o presente foram elaboradas quatro versões das diretrizes de avaliação, das quais três tiveram a participação de professores. Desde a primeira versão, a intenção tem sido difundir o uso da avaliação formativa. O presente texto tem por objetivo analisar o processo de construção dessas diretrizes e as intenções que o acompanharam. A construção dessas diretrizes, em suas quatro versões, envolvendo os professores em diferentes momentos e formas, proporcionou aprendizagens que parecem ter ampliado a compreensão da escola acerca dessa categoria do trabalho pedagógico.  O processo que desencadeou a discussão sobre a avaliação formativa nas equipes de nível central e intermediário e dentro das escolas possibilitou a elaboração das diretrizes. A avaliação formativa, que não era conhecida antes de 2000, passou a sê-lo. Outras instituições de ensino não ligadas à SEEDF também se beneficiaram da implantação dessa função avaliativa. Aponta-se a necessidade de os cursos de formação de professores no DF incluírem em suas análises e pesquisas esse conjunto de diretrizes de avaliação como forma de fortalecer o trabalho da escola da educação básica. Uma lição foi aprendida: o processo avaliativo marcado pela lógica da inclusão, do diálogo, da mediação, da participação, da autonomia e da responsabilidade com o coletivo será praticado pelos professores se eles forem os autores dessa construção. Somente será possível avaliar sem constrangimento, punição e exclusão se os professores não se sentirem nessas situações.

Palavras-chave: Diretrizes de avaliação. Avaliação formativa. Educação básica.

 

Considerações iniciais

Este texto apresenta parte dos resultados da pesquisa que venho desenvolvendo na rede pública de ensino do Distrito Federal sobre práticas avaliativas, desde 2000.  Deste ano até o presente foram elaboradas quatro versões das diretrizes de avaliação, das quais três tiveram a participação de professores. Desde a primeira versão, a intenção tem sido difundir o uso da avaliação formativa. Como se poderá perceber, não é fácil substituir a lógica classificatória pela formativa.

Antes de iniciarmos a discussão sobre esse processo de elaboração das diretrizes, torna-se necessário lembrar que, segundo o Novo Aurélio – século XXI, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, da editora Nova Fronteira, 1999, p. 688, diretriz é “um conjunto de instruções ou indicações para se tratar e levar a termo um plano, uma ação, um negócio etc.”. Esta explicação nos ajuda a compreender que as diretrizes de avaliação foram construídas a partir de intenções da SEEDF. O próprio processo desenvolvido foi proposital e constituiu aprendizagem para os envolvidos e todos os que dele se beneficiaram. O presente texto tem por objetivo analisar o processo de construção dessas diretrizes e as intenções que o acompanharam.

Primeira versão: implantação da avaliação formativa

A primeira versão das diretrizes data de 2000 e tem como título: Diretrizes para Avaliação. Foi elaborada por cinco professores que atuavam na Secretaria de Estado de Educação do DF (SEEDF), em equipes do nível central. Este ainda não foi um documento elaborado por professores e fruto de ampla discussão. Seu mérito encontra-se no fato de ele demonstrar, naquele momento, a necessidade de registro das intenções avaliativas. Constituiu o primeiro passo.

Apresenta-se como um documento curto, digitado em 11 páginas não inteiramente ocupadas. Em cada uma delas, na margem à esquerda, reproduz-se a ideia-chave do seu conteúdo. O sumário inclui os seguintes itens do documento: introdução; uma nova proposta avaliativa; operacionalização; conselho de classe; recuperação; conclusão; referência bibliográfica (assim mesmo, no singular, embora sejam citadas 12 obras).

O documento não especifica a abrangência das diretrizes: toda a educação básica? Somente anos finais do ensino fundamental? Ensino médio?

O item que aborda “uma nova proposta avaliativa” anuncia que “pensar em uma nova proposta avaliativa significa superar sua visão estática e classificatória, para resgatar sua função formativa onde o desenvolvimento contínuo do aluno ocorre por meio da aquisição e construção de competências e habilidades que lhe possam ser úteis em situações novas” (SEEDF, 2000, p. 3). Assume-se compromisso com o “caráter inclusivo” da avaliação, sem que se explicite este conceito, e com as dimensões: diagnóstica, processual/contínua, cumulativa e participativa. Sem que se introduza o entendimento de avaliação formativa, a ela se associa a avaliação interdisciplinar, como forma de o professor “orientar, instigar, ser instigado, crescer e fazer crescer”. Também o entendimento de avaliação interdisciplinar não é esclarecido. Apenas afirma-se que ela é o “instrumento dialógico do avanço” e não ocorre “a partir dos mínimos possíveis, mas, sim, dos mínimos necessários”.

O item operacionalização aponta os princípios norteadores da “nova prática avaliativa”: do sucesso; das diferenças individuais; das diferenças sócio-culturais; do progresso contínuo; da liberdade; da cooperação; do diálogo; da transformação social.

Uma marca desse documento é constatada na seguinte diretriz: “No caso de serem adotados testes/provas como instrumento de avaliação, o valor a eles atribuído não pode ultrapassar os trinta por cento (30%) da nota final de cada bimestre. Não devem ocorrer momentos estanques para a sua realização. Fica extinta a Semana do Provão”. (Negrito do documento). (SEEDF, 2000, p. 7). O documento não justifica essa decisão.

O conselho de classe é inserido no documento como uma “atividade que reúne um grupo de professores da mesma série, visando, em conjunto, chegar a um conhecimento mais sistemático da turma, bem como acompanhar e avaliar cada aluno, por meio de reuniões periódicas” (p. 8).

O item recuperação apenas repete definições contidas no Regimento Escolar das Instituições da Rede Pública do DF, como modalidades previstas: contínua e final, realizada após o término do ano letivo.

A análise dessa primeira versão das diretrizes de avaliação possibilita entender a intenção de adoção da avaliação formativa sem que ela tenha sido apresentada e justificada. A associação da avaliação interdisciplinar à formativa mais confunde do que esclarece. A decisão de vinculação de porcentagem a provas/testes não condiz com o entendimento de avaliação formativa. Segundo informações obtidas junto a professores que atuavam na SEEDF à época, essa iniciativa foi necessária para incentivar os docentes a utilizarem outros procedimentos de avaliação.

Segunda versão: início de amplo processo de reflexão

Em 2004 a SEEDF elaborou o projeto Repensando as diretrizes para avaliação com o intuito de desencadear “profunda reflexão sobre a trajetória da avaliação nas escolas, bem como a ressignificação dos instrumentos de avaliação da aprendizagem e a superação da visão estática e classificatória […] (SEEDF, 2004, p. 6). O processo de discussão foi amplo: palestras, seminários, dinâmicas de grupo, vivências; criaram-se grupos de estudo para analisar as diretrizes que estavam em vigência; foi aplicado questionário a professores para que apontassem as necessidades de alteração; para organizar todo o material coletado foram constituídas comissões de coordenação, sistematização e reelaboração.

Desse processo surgiu a segunda versão do documento, divulgada em 2006, com o seguinte título – Diretrizes para Avaliação da Aprendizagem: Ensino Fundamental – Anos Finais. Ensino Médio. Embora o documento assuma compromisso com a avaliação formativa, a sua marca continua sendo a distinção entre testes/provas e demais procedimentos, agora nos seguintes termos:

“No caso de serem adotados testes/provas como instrumento de avaliação, o valor a eles atribuído não pode ultrapassar 50% da nota final de cada bimestre. Dessa forma, dos 100% da média bimestral, o professor utilizará: 50% para testes e provas; 50% para outras formas de avaliação, tais como: observação, trabalhos de pesquisa, seminários, monografias, dramatizações, entrevistas, fichas de acompanhamento, auto-avaliação (sic), portfólios e outros”. Negrito do documento (SEEDF, 2006, p. 13).

Assim como na versão anterior, observa-se a necessidade de dar destaque a  testes/provas e o valor a ser atribuído, por meio da redação em negrito. No presente caso, alargaram-se as possibilidades de uso de provas. Acompanhei todos os encontros em que se discutiam os resultados das recomendações feitas em cada Diretoria Regional de Ensino, momentos em que havia representantes de todas elas. Pude perceber como os professores defendiam ferrenhamente que provas/testes ocupassem grande espaço no processo avaliativo. Ouvi declarações contrárias à avaliação formativa sendo apresentadas de forma veemente. Muitos professores do ensino médio sentiam que a minha presença acompanhando o processo de discussão constituía ameaça às suas pretensões. Lembro-me bem de um professor de Física, formado pela UnB, me olhando e dizendo agressivamente que durante seu curso naquela instituição ele e seus colegas nunca ouviram falar “nessa tal de avaliação formativa”. Como todas as sugestões foram votadas, venceu o grupo que queria mais espaço para o uso de provas.

Terceira versão: manutenção das orientações anteriores

A terceira versão data de 2008, quando o documento anterior foi reestruturado (SEEDF, 2008). O seu título revela que passou a abranger toda a Educação Básica: Diretrizes de avaliação do processo de ensino e de aprendizagem para a Educação Básica. Os seguintes itens foram incluídos: apresentação; trajetória das concepções de avaliação e sua repercussão no sistema de ensino do Distrito Federal; a avaliação no contexto escolar; significados e pressupostos da avaliação formativa; orientações procedimentais; registros avaliativos (para a Educação Infantil e Ensino Fundamental – Séries/Anos Iniciais; Ensino Fundamental – Séries/Anos Finais e Ensino Médio; Educação de Jovens e Adultos; Educação Especial); conselho de classe; referências.

O documento de 2008 manteve a orientação anterior para as/os séries/anos finais de ensino fundamental e ensino médio: “No caso de serem adotados testes ou provas como instrumento de avaliação, o valor a eles atribuído não pode ultrapassar 50% da nota final de cada bimestre” (SEEDF, p. 25).

Quarta versão: integrando os três níveis da avaliação

No final de 2013 foi criado grupo de trabalho composto por vinte e quatro professores da SEEDF para atualizar as diretrizes de avaliação. Também se envolveram nessa atividade como colaboradores internos: quatro professores atuantes na SEEDF e os gerentes regionais de Educação Básica de Brazlândia, Ceilândia, Gama, Guará, Núcleo Bandeirante/Riacho Fundo/Candangolândia, Paranoá, São Sebastião, Planaltina, Plano Piloto/Cruzeiro, Recanto das Emas, Samambaia, Santa Maria, Sobradinho e Taguatinga. Houve, ainda, a participação de uma colaboradora externa.

O documento passa a ter o seguinte título – Diretrizes de avaliação educacional: aprendizagem, institucional e em larga escala. As versões anteriores abordavam apenas a avaliação da aprendizagem.

É importante destacar que a quarta versão das diretrizes traz um componente novo: abrange o triênio 2014/2016 com o intuito de ser uma orientação desvinculada de um governo, segundo o coordenador do Grupo de Trabalho. Como ela foi submetida à aprovação do Conselho de Educação do Distrito Federal, espera-se que tenha vida longa, o que não lhe retira a necessidade de constantes atualizações.

As novas diretrizes

“objetivam organizar e envolver – de maneira articulada – os três níveis da avaliação: aprendizagem, institucional e em larga escala (ou de redes), tendo a função formativa como indutora dos processos que atravessam esses três níveis por se comprometer com a garantia das aprendizagens de todos” (SEEDF, 2014, p. 7).

A versão preliminar do documento foi disponibilizada para consulta pública na página oficial da SEEDF e em outros meios de divulgação para a sociedade civil, além de ter sido discutida durante a semana pedagógica de 2014 com as 14 Coordenações Regionais de Ensino (CRE), “com o objetivo de garantir o processo democrático de construção para que seja fomentado o sentimento de pertencimento daqueles que, de fato, farão uso destas Diretrizes: a escola pública e seu coletivo de profissionais e estudantes” (SEEDF, 2014, p. 9). Acompanhou o documento um formulário com o seguinte formato: itens e páginas, considerações/sugestões e incompreensões.

Como considerações/sugestões apontaram-se necessidades de correção ortográfica, substituição de palavras e expressões, acréscimo de “exemplos e sugestões referentes à Recuperação contínua, preferencialmente para alunos dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio”; definir critérios mais claros para o professor responsável pela dependência e como o processo deve acontecer, especificando carga horária (cronograma), procedimentos e ocorrência em horário contrário ou com estratégia prevista pela Unidade Escolar; definir critérios para a progressão parcial com dependência no Regime da Semestralidade.

Com frequência foram oferecidas sugestões semelhantes a esta: “detalhar, em anexos, os instrumentos de avaliação que poderiam ser utilizados, apresentando suas características, possibilidades e limitações, não como regras a serem seguidas rigidamente, mas como parâmetros a serem analisados e considerados”. Observa-se a necessidade sentida pelos professores do “como” desenvolver a avaliação.

Como o item do documento sobre prova ou teste e o uso de nota estabelece que  “seus resultados são devolvidos aos estudantes (feedback) o mais rapidamente possível para que se programem as intervenções necessárias” (p. 40), os professores de uma CRE propuseram a seguinte redação: “Esse instrumento e seus resultados deverão ser devolvidos aos estudantes (feedback) o mais rapidamente possível, num prazo máximo de dez dias, para que se programem as intervenções necessárias”.  Nota-se que o verbo da redação do documento oficial está no tempo presente (são devolvidos) e os docentes propuseram redação incisiva (deverão ser devolvidos). Além disso, sentiram necessidade de limitar o tempo máximo para o feedback, o que pode ser entendido de duas formas: para que não seja exigido tempo inferior a dez dias ou para que não se ultrapasse esse tempo.

Outra CRE assim se manifestou:

“É preciso deixar claro que as escolas de anos finais que adotam a semana de provas não podem realizá-la com caráter classificatório e apenas uma vez por bimestre, considerando-a como único momento de avaliação da aprendizagem dos estudantes. Caso o coletivo da escola opte por esta estratégia, deve-se garantir os princípios da interdisciplinaridade e contextualização, previstos no Currículo em Movimento/2014, além de outras atividades avaliativas para garantir a avaliação processual”.

A recomendação acima é pertinente. Dentre pouquíssimas contribuições enviadas pelas Coordenações Regionais de Ensino (CRE), a prova foi a mais mencionada por ser o procedimento mais adotado.

Docentes de apenas uma CRE apontaram a necessidade de “dar maior visibilidade (pôr em destaque) à questão da reflexão sobre a Semana de Provas”. Este é um aspecto polêmico entre professores dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio. As atuais diretrizes assim tratam o tema:

A prova recebe um item próprio nesse documento por ser o instrumento avaliativo mais conhecido e utilizado. Para que se insira na avaliação formativa, duas considerações tornam-se necessárias. A primeira delas refere-se ao seu uso não exclusivo pelo fato de não lhe ser possível revelar todas as evidências de aprendizagem […]. A segunda consideração aponta a inconveniência de adoção da semana de provas. Cabe refletir: qual a justificativa para tal prática? A quem ela beneficiaria? O trabalho pedagógico seria realizado de forma padronizada em todas as turmas de modo a se aplicar uma mesma prova no mesmo dia e horário para todos os estudantes? (SEEDF, 2014, p. 39).

Grande parte das escolas que possui turmas de anos finais do ensino fundamental e ensino médio adota a sistemática de “semana de provas”. O documento se posiciona contrariamente a essa estratégia argumentando que ela serve para organização dos tempos para cumprimento dos prazos e fechamento de notas. Ter como foco a nota faz parte da avaliação classificatória, voltada para o compromisso com mérito, julgamento, punição, competição, homogeneidade e recompensa, conduzindo ao “distanciamento entre os sujeitos que se entrelaçam nas práticas escolares cotidianas” (ESTEBAN, 2003, p. 15). Nessa perspectiva, o professor procura

“cercar-se de garantias para que o processo realizado produza resultados verdadeiros, objetivos, fidedignos, que explicitem o real valor de cada um dos alunos e alunas, os quais, classificados e hierarquizados, terão as recompensas, punições ou os tratamentos adequados a cada caso (ESTEBAN, 2003, p. 15).

Em posição oposta está o entendimento de que a avaliação formativa é aquela em que o professor está atento às aprendizagens de cada estudante, promovendo as intervenções necessárias assim que surgem as necessidades. Nesse contexto não cabem semanas de provas nem preocupação com notas. Estas não recebem posição de destaque. Quando adotadas, são entendidas como decorrência do processo.

Durante discussão recente com um grupo de cerca de 60 docentes de uma CRE da SEEDF alguns deles defendiam veementemente a semana de provas como meio de “fazer o aluno estudar” e de a escola organizar-se. Contudo, esse não era o entendimento da equipe gestora e da coordenação pedagógica, que queriam convencê-los de que as turmas não estavam todas igualmente prontas para a realização de provas padronizadas. Embora os professores não explicitem, o que eles desejam é ter seu trabalho facilitado porque elaboram a mesma prova para todas as turmas de um mesmo ano, de cada disciplina. Como aplicam as provas na mesma semana, têm um grande volume para “corrigir”, o que os leva a formular quase que somente questões objetivas.

Contrariamente a essas manifestações, uma professora afirmou não concordar com a semana de provas porque ela mesma não as aplicava em suas turmas, tendo de “passar em cada uma para tirar as dúvidas”. Percebi que os professores defendiam a semana de provas sem respaldo teórico. Além disso, essa prática tão em voga não é acompanhada de reflexão sobre quem é por ela beneficiado.

A escola costuma dedicar muito tempo do seu trabalho à aplicação de procedimentos/instrumentos formais de avaliação e, de modo especial, à aplicação de provas. Este é um dos aspectos que compõem o processo avaliativo. Contudo, vale ressaltar que os procedimentos são apenas meios. O mais importante é levar em conta que os resultados por eles fornecidos são provisórios e não definitivos porque o que o estudante demonstrou não ter aprendido em um momento poderá vir a aprender em outro (FREITAS; FERNANDES, 2007 p. 28). O tempo e o ritmo de aprendizagem de cada estudante são aspectos realçados pela avaliação formativa.

Uma CRE sugeriu que a “ética ligada à avaliação” fosse tratada com “maior ênfase, favorecendo o trabalho de autoavaliação dos profissionais”. A respeito desse tema o documento esclarece

A avaliação precisa ser conduzida com ética, o que significa levar em conta o processo de aprendizagem dos estudantes em consonância com os seguintes aspectos: respeito às produções dos estudantes (elas lhes pertencem); avaliação desvinculada de comparação (compara-se o progresso do estudante com suas próprias capacidades e não com as dos colegas); avaliação informal encorajadora( desvinculada de ameaças, constrangimentos e punições); uso dos resultados da avaliação voltados somente para os propósitos de conhecimento do estudante (sem serem incluídos em nenhuma forma de ranqueamento).

Os resultados da avaliação são entregues apenas aos estudantes e ao representante legal da família. Essas diretrizes éticas se aplicam a todas as etapas/modalidades (SEEDF, p. 43).

 

O item Sistema Permanente de Avaliação Educacional do Distrito Federal causou estranheza. Houve solicitações para que apresente justificativa e esclareça “como acontecerá de fato”.

Este Sistema Permanente, que se encarregará de desenvolver um dos níveis da avaliação, recebe item próprio e breve no documento. Afirma-se que a Coordenação de Avaliação Educacional, subordinada à Subsecretaria de Planejamento, Acompanhamento e Avaliação Educacional o criou para “acompanhamento das aprendizagens dos estudantes e das condições de oferta das mesmas” (p. 47). Questiona-se: é possível que a distância um setor da SEEDF acompanhe as aprendizagens dos estudantes? Esta não é tarefa da escola? Sua redação destoa da que compõe o documento ao afirmar que “esse sistema de avaliação terá como eixo condutor os três níveis de avaliação: Acompanhamento do Desempenho Escolar do Estudante (ADEE), Avaliação Institucional e Avaliação de Redes” (p. 47). Ficam dúvidas: o nível avaliação para aprendizagem largamente mencionado em todo o documento foi substituído por Acompanhamento do Desempenho Escolar do Estudante? A quem cabe orientar as CRE e as escolas quanto ao desenvolvimento deste nível? À Subsecretaria de Educação Básica ou à Subsecretaria de Planejamento, Acompanhamento e Avaliação Educacional? Dá a impressão de serem duas atividades desarticuladas dentro da SEEDF.

Aprendizagens proporcionadas pela construção das diretrizes de avaliação

O processo de construção das diretrizes constituiu-se aprendizagem sobre a avaliação que envolveu grande número de profissionais. Cada uma das versões  acrescentou elementos para o fortalecimento da avaliação formativa. Contudo, os documentos que buscavam avanço quanto à concepção de avaliação introduziram e reforçaram a vontade dos professores de o valor atribuído às provas, quando adotadas, não ultrapassar os 30% da nota do bimestre, segundo a versão de 2000, e de não ultrapassar os 50%, segundo as outras três versões, inclusive a atual. Observa-se que a prova ganhou mais espaço. A ideia inicial era a de garantir que ela não fosse o único procedimento utilizado, mas, com essa medida, acabou ganhando destaque ao se criar, na prática, a semana de provas. Não rejeito o uso da prova. Quando bem elaborada, aplicada no momento certo e quando seus resultados se integram aos de outros procedimentos e contribuem para a reorganização do trabalho pedagógico, ela pode oferecer contribuições valiosas.

O fato de a prova receber notoriedade traz consigo a valorização da nota, o que pode obscurecer o processo avaliativo. Isso porque “avaliar a aprendizagem do estudante não começa e muito menos termina quando atribuímos uma nota à aprendizagem” (FREITAS; FERNANDES, p. 19, 2007). Simplesmente medir não é avaliar. Medir refere-se ao presente e ao passado, acrescentam os autores. Avaliar é pensar sobre os dados obtidos com vistas à melhoria do trabalho futuro. Esse é o espírito da avaliação formativa.

O processo de construção da quarta versão das diretrizes de avaliação e o próprio documento deram um grande salto. O primeiro deles foi o fato de as equipes envolvidas terem buscado fundamentação teórica para a produção do documento, segundo depoimento do coordenador do grupo de trabalho. Não se pode esperar que uma diretriz seja um documento perfeito, mesmo porque isso não existe. Tal como está apresentada e escrita revela o entendimento de avaliação presente entre os docentes e as necessidades de avanço. Seu mérito reside em representar o pensamento dominante acerca da avaliação. Os elementos envolvidos no processo de construção, as sugestões para melhoria do documento e a sua própria apresentação (linguagem usada, os diferentes itens e o espaço destinado a cada um deles) constituem indicadores do que pensam os docentes sobre avaliação. Além disso, é possível constatar os próximos passos.

O segundo avanço consiste na maneira de apresentação da “recuperação de estudos”, assim prevista na Lei 9394/1996. Havia a intenção de retirada desta palavra do texto. Porém, ponderou-se que ela ainda está presente em outros documentos oficiais e a sua eliminação poderia trazer incompreensões. Por isso optou-se pela redação:

Um longo caminho precisa ser percorrido para que a recuperação de estudos se associe à avaliação formativa. Para que se inicie a construção desse entendimento e a prática correspondente, recomenda-se a realização de intervenções pedagógicas contínuas junto a todos os estudantes, sempre que suas necessidades de aprendizagem forem evidenciadas (SEEDF, 2014, p. 30).

A exigência legal foi atendida, ao mesmo tempo em que foi enfatizada a intervenção pedagógica, expressão que traduz com mais propriedade a intenção de garantir a conquista das aprendizagens por todos os estudantes.

Como a SEEDF pretende ampliar o número de escolas que atendem os estudantes em tempo integral, haverá possibilidade de substituição da “recuperação” episódica e atrelada à lógica da avaliação classificatória (voltada para a recuperação de notas) pela oferta de intervenções pedagógicas permanentes.

O terceiro e mais significativo avanço se encontra na integração dos três níveis da avaliação. O próprio título do documento é revelador disso – Diretrizes de avaliação educacional: aprendizagem, institucional e em larga escala. Mas não basta ter esta ideia declarada por escrito: é necessário que todas as equipes da SEEDF (inclusive as escolas) a ponham em prática. Para que se desenvolva essa articulação, Freitas (2009, p. 65) propõe que a avaliação institucional seja o nível mediador, isto é, para ele se encaminham as informações obtidas pela avaliação realizada em sala de aula e as que decorrem das avaliações em larga escala em nível nacional.

Coerentemente com esse entendimento, o conselho de classe é concebido nas diretrizes como a “instância em que se encontram e podem entrelaçar-se os três níveis da avaliação: das aprendizagens, institucional e de redes ou em larga escala, sendo um momento privilegiado para a autoavaliação da escola (LIMA, 2012)” (SEEDF, 2014, p. 35).

Como quarto avanço, cabe salientar a concepção de avaliação formativa como “avaliação para as aprendizagens”. Com propriedade é apresentada a diferença entre avaliação para aprendizagem e avaliação da aprendizagem. Apoiando-se em Villas Boas (2014), o documento afirma que a primeira “promove intervenções enquanto o trabalho pedagógico se desenvolve e a segunda, também denominada de avaliação somativa, faz um balanço das aprendizagens ocorridas após um determinado período de tempo, podendo não ter como objetivo a realização de intervenções”. Usar a expressão “avaliação para aprendizagem” contribui para o entendimento da avaliação formativa. Como consequência, retira-se de cena o uso repetitivo da palavra “reprovação”. Se queremos realmente abolir essa forte presença no trabalho pedagógico escolar, temos de substituí-la por algo capaz de enfrentá-la: a aprendizagem.

Como quinto avanço apresento, em bloco, aspectos da avaliação ausentes nas versões anteriores e que dão realce ao documento de 2014: principalmente os estudantes do ensino médio são solicitados a participar da construção de objetivos de aprendizagem e dos critérios de avaliação; inclusão das peculiaridades da avaliação formativa nas diferentes etapas/modalidades de ensino; participação da família na condução da avaliação formativa; o uso formativo do dever de casa; avaliação informal; autoavaliação pelos estudantes; ética e avaliação; avaliação do trabalho da escola por ela mesma (avaliação institucional). Todos estes temas configuram o processo de avaliação formativa que se pretende desenvolver.

Conclusão: o que o processo de construção das diretrizes ensina

A aprendizagem da avaliação é um saber essencial do processo de desenvolvimento profissional dos professores, que tem início com sua formação inicial e se estende ao longo de toda a sua atuação. A construção das diretrizes de avaliação envolvendo os docentes em diferentes momentos e formas proporcionou aprendizagens que parecem ter ampliado a compreensão da escola acerca dessa categoria do trabalho pedagógico. Esse processo que desencadeou a discussão sobre a avaliação formativa nas equipes de nível central e intermediário da SEEDF, assim como dentro das escolas, conduziu à elaboração das diretrizes. A avaliação formativa, que não era conhecida antes de 2000, passou a sê-lo. É importante ressaltar que outras instituições de ensino não ligadas à SEEDF também se beneficiaram da implantação dessa função avaliativa.

Destaco a necessidade de a formação inicial e a continuada de professores no DF incluírem em suas análises e pesquisas esse conjunto de diretrizes de avaliação como forma de fortalecer o trabalho da escola de educação básica. Sordi e Ludke (2009, p. 326) recomendam que “a aprendizagem da avaliação ultrapasse a fronteira da sala de aula e amplie a visão dos professores para além da aprendizagem dos seus alunos”. As autoras chamam a atenção para a necessidade de articulação da avaliação para aprendizagem aos outros dois níveis mencionados neste texto. A versão das diretrizes triênio 2014-2017 confirma essa necessidade.

Uma lição foi aprendida: o processo avaliativo marcado pela lógica da inclusão, do diálogo, da mediação, da participação, da autonomia e da responsabilidade com o coletivo será praticado pelos professores se eles forem os autores dessa construção. Somente será possível avaliar sem constrangimento, punição e exclusão se os professores não se sentirem nessas situações.

Referências

ESTEBAN, M. T. Ser professora: avaliar e ser avaliada. In ESTEBAN, Maria Teresa (org.). Escola, currículo e avaliação. São Paulo: Cortez, 2003.

FERNANDES, C.; FREITAS, L. C. de. Indagações sobre currículo: currículo e avaliação. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Básica, 2007.

FREITAS, L. C. de et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

LIMA, E. S. O Diretor e as Avaliações Praticadas na Escola. Brasília-DF: Kiron, 2012.

SEEDF. Diretrizes de avaliação, 2000.

SEEDF. Projeto repensando diretrizes para avaliação, 2004.

SEEDF. Diretrizes para avaliação da aprendizagem. Ensino Fundamental – Anos finais. Ensino Médio, 2006.

SEEDF. Diretrizes de avaliação do processo de ensino e aprendizagem para a Educação Básica, 2008.

SEEDF. Diretrizes de avaliação educacional: aprendizagem, institucional e em larga escala, 2014.

SORDI, M. R. L. De; LUDKE, M. Da avaliação da aprendizagem à avaliação institucional: aprendizagens necessárias. Avaliação. Sorocaba, SP, v. 14, n. 2, jul. 2009, p. 313-336.

VILLAS BOAS, B. M. de F. Avaliação para aprendizagem na formação de professores. Cadernos de Educação. CNTE, Brasília, n. 26, jan./jun. 2014, p. 57-77.

 

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