Benigna Villas Boas

Amarelo pela vida: preservação da saúde mental no meio acadêmico

Preservação da saúde mental no meio acadêmico

A preservação da saúde mental no meio acadêmico tem sido um tema debatido ultimamente. Contudo, a avaliação não ainda não faz parte dessa discussão. De modo geral, os estudantes sonham entrar para a universidade e, aí chegando, sofrem com o isolamento e as cobranças muitas vezes exageradas. Não sou contra o rigor e a disciplina que o trabalho acadêmico requer. São absolutamente necessários, mas não dispensam certos cuidados pedagógicos: um deles é o processo avaliativo, que costuma ser cruel. Relato um fato verídico: em uma disciplina da área de Ciências Exatas a professora aplica quatro provas durante o semestre e não as devolve nem divulga as notas de cada estudante. Motivo: se ele obtiver nota “boa”, não estudará para a prova seguinte. Que cidadão está sendo formado por essa estratégia?  

Outro fato: em algumas instituições, após o professor corrigir as provas, as notas são lançadas por meio de um programa eletrônico e ali permanecem definitivamente. Não há possibilidade de intervenção pedagógica e de a nota ser substituída. Passando por esse sistema, os estudantes que se tornarem professores possivelmente irão replicá-lo em seu local de trabalho.

Vale a pena refletir: as cobranças feitas aos estudantes se alinham ao trabalho pedagógico desenvolvido? Eles participam do processo de tomada de decisões? Para que serve a avaliação?

Benigna Villas Boas

JC Notícias – 20/09/2018

   

Amarelo pela vida: preservação da saúde mental no meio acadêmico

 

Especialistas apontam a ressignificação do espaço universitário como uma das formas de diminuir o sofrimento psíquico de estudantes

Cada vez mais a comunidade científica, em todo o mundo, vem discutindo a questão da saúde mental dos universitários e como acolher as pessoas em sofrimento. A ressignificação do espaço universitário e a criação de redes apoio são apontadas como algumas das formas de diminuir o sofrimento psíquico de estudantes e promover uma maior conscientização no ambiente acadêmico. Durante este mês, a abordagem do tema ganha destaque com a campanha Setembro Amarelo, que tem como objetivo a prevenção ao suicídio.

O sofrimento psíquico dos estudantes tem sido tema de palestras e eventos em universidades por todo o País. Entre os dias 20 e 24 de agosto, por exemplo, a Frente Universitária de Saúde Mental (FUSM), de iniciativa estudantil, organizou a II Semana da Saúde Mental na USP. O evento reuniu especialistas que palestraram sobre as causas, estigmas e tratamentos para doenças mentais e emocionais. Uma das palestrantes, a psicóloga Esther Hwang, vê com entusiasmo iniciativas como esta: “Fala-se sobre taxas, índices, sinais de alerta, fatores de risco, prevenção do suicídio, porém o afeto e o cuidado são questões importantes e frequentemente deixadas de lado. Não se trata de ter uma postura salvacionista, nem de culpa ou de negligenciar o sofrimento alheio, mas é saber que o nosso afeto e envolvimento na relação com o outro pode mudar a curva na história de vida de uma pessoa. Nesse sentido, acredito que a Semana de Saúde Mental é um movimento necessário e profícuo na ampliação de conscientização pública e na possibilidade de estreitar laços e afetos entre os estudantes, criando uma rede de apoio”.

Os estudantes apontam alguns fatores que causam angústia no meio acadêmico. Primeiro, os alunos têm que optar pela profissão muito cedo, logo em seguida vem o vestibular e os trotes de iniciação na faculdade. Durante o curso, as cargas horárias extenuantes, a cobrança dos docentes e a pressão para que o aluno tenha um bom desempenho acadêmico são outros elementos relatados nas palestras. “A falta de tempo para o lazer, para cuidar da própria saúde e para se dedicar aos relacionamentos afetivos impacta os alunos dos cursos mais exigentes. A privação do sono para estudar pode ser muito danosa à saúde e leva alguns a fazer uso de drogas estimulantes com o intuito de se manterem acordados”, completa Luiz Roberto Millan, psicanalista e psiquiatra do Grupo de Assistência Psicológica do Aluno (GRAPAL) da FMUSP, que também palestrou no evento.

Recentemente a Universidade de São Paulo criou um escritório de saúde mental para atendimento aos estudantes, após o registro de quatro suicídios entre seus alunos nos meses de maio e junho deste ano. O espaço está localizado provisoriamente na Superintendência de Assistência Social da USP e oferece reuniões mediante agendamento. “É preciso construir uma rede de apoio, com uma equipe multidisciplinar e profissionais qualificados para que as medidas preventivas sejam efetivas. Acredito que a prevenção precisa englobar todo o contexto sócio, histórico e cultural, permitindo a ressignificação de um espaço que frequentemente é associado ao sofrimento psíquico. Iniciativas como essa podem abrir possibilidades de criação de outras medidas preventivas dentro da própria universidade”, afirma Hwang.

Luiz Millan alerta que serviços como este geralmente realizam um primeiro atendimento, mas não são capazes de dar assistência a médio e longo prazos. “Seria necessário criar um serviço de assistência em cada faculdade, com suas características peculiares, e não apenas dar o acolhimento inicial. Outra possibilidade seria criar convênios com instituições de psicoterapia e de assistência psiquiátrica”.

Campanha

Desde 2015, todos os anos, durante o mês de setembro, instituições de diversas áreas participam de um movimento mundial de prevenção ao suicídio. Enquanto novembro, mês pela prevenção do câncer de mama, é representado pela cor rosa e outubro, mês pela prevenção de doenças masculinas, é representado pela cor azul, o mês de setembro adota o amarelo pela prevenção da segunda maior causa de mortes entre jovens de 15 a 29 anos em todo o planeta, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ainda segundo o órgão, a cada 40 segundos, uma pessoa comete suicídio no mundo.

Só no Brasil, 11 mil pessoas tiram a própria vida, por ano, em média. Dados como este divulgado pelo Ministério da Saúde demonstram a dimensão da questão no País. Para o médico e pesquisador da UnB, José Rossy e Vasconcelos Júnior, ao tratar sobre o assunto suicídio, é preciso primeiro abordar temas existenciais do ser humano. “É necessário refletir sobre a nossa capacidade individual de enxergar a realidade. De saber lidar com os estímulos tanto internos quanto externos e elaborar essas informações, gerar pensamentos, sentimentos e comportamentos através desses estímulos”. Por meio desse processo é possível perceber de forma mais responsável as diferenças entre as pessoas e respeitar suas individualidades.

Outro ponto defendido pelo especialista é o do resgate dos valores humanos, tais como o amor, a empatia e a compaixão, como forma de prevenção dos sofrimentos psíquicos. Mas também é importante reconhecer que existem os anti-valores, sentimentos como a raiva e o ódio, que muitas vezes temos dificuldade em lidar, pois não trabalhamos com eles ou nem sabemos que eles existem dentro de nós. “O processo da auto-aceitação é muito importante. Se nos aceitamos da forma que somos, evitando julgamentos, críticas e realizando as mudanças necessárias para diminuir o nosso sofrimento mental, promovemos uma vida com melhor qualidade, com menos sofrimento, com mais prazer e felicidade”, observa.

Prevenção

Entre as recomendações do Ministério da Saúde para a prevenção do suicídio está o diálogo. Ao contrário do que muitos acreditam, falar sobre o assunto, de maneira responsável, não tem efeito de incentivo ao suicídio, mas sim de tirar o estigma envolto no tema e enfrentar o preconceito com aqueles que estão em sofrimento. Conversar abertamente com uma pessoa sobre seus pensamentos suicidas não a influenciará a completá-los, mas pode ajudar a suportar o sofrimento. “Como diz o CVV (Centro de Valorização da Vida) – falar é sempre a melhor opção. Dessa maneira, é preciso abordar o tema em diversos espaços, seja promovendo debates, rodas de conversa, disponibilizando serviços de saúde mental com profissionais da área e mobilizando a mídia. No caso da comunicação midiática é preciso tratar o tema de modo adequado, com linguagem cuidadosa, promovendo a ampliação de consciência na sociedade”, esclarece Hwang.

Com a campanha do Setembro Amarelo o tema fica em evidência, contribuindo para o debate e a prevenção, mas vale salientar que os suicídios ocorrem o ano todo, portanto a mobilização deve ser constante. “A campanha é muito importante. É um momento para que todos reflitam sobre o problema do suicídio. Com isso, novas formas de prevenção podem ser criadas”, afirma Millan. Esse assunto que frequentemente é relegado e envolto em tabus ganha enfoque durante o mês e podemos contribuir para o auxílio àqueles em sofrimento oferecendo apoio a incentivando a busca por ajuda profissional.

O diretor da SBPC e professor titular de Neurociências e diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Sidarta Ribeiro, afirma que a SBPC apoia o Setembro Amarelo e considera que a campanha levanta uma discussão muito importante para a comunidade científica e acadêmica. Segundo ele, a prevenção ao suicídio envolve uma conscientização geral sobre depressão, trauma e estresse agudo, além de acompanhamento psicológico e tratamentos adequados. “A SBPC é a favor dessa campanha e do alerta às pessoas de que essa vulnerabilidade existe e ela é silenciosa”.

O CVV – Centro de Valorização da Vida presta atendimento voluntário e gratuito a todos que necessitam de apoio emocional. O atendimento pode ser feito por telefone (188), e-mail e chat 24 horas por dia. Também existem postos de atendimento presencial em todo o Brasil. Os endereços podem ser encontrados no site https://www.cvv.org.br/

 

Amanda Oliveira – estagiária da SBPC, para o Jornal da Ciência

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