Benigna Villas Boas

A tecnologia educacional e seu impacto como meio de transformação social

A tecnologia deve ser utilizada para conciliar e criar oportunidades e não aumentar a diferença entre alunos

Ciência e cultura

Acesso em 13/01/2023 

As diferentes formas de ciência servem como caminho no direcionamento de uma sociedade ao seu desenvolvimento. O conhecimento científico nos permite resolver problemas, tomar decisões e desenvolver novas aplicações de tecnologias, proporcionando uma maior independência aos países, em âmbito mundial.

A ciência também é fundamental para a educação. Aliás, ciência e educação estão intrinsecamente associadas em seu cerne. A tecnologia foi essencial durante a pandemia, ajudando alunos e professores a se manterem conectados. No Brasil, 93% dos professores utilizaram algum tipo de tecnologia educacional, segundo a última pesquisa TIC Educação realizada em 2021 pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), considerado um dos estudos mais respeitados do país no assunto. “A tecnologia está ligada à aplicação dos conhecimentos, e a inovação vinda dela revela o âmbito em que esses conhecimentos são transformados em riqueza”, afirma Angela Wyse, professora do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Quando pensamos em tecnologia na educação, logo vem à mente aparelhos como tablets, computadores e até robôs. Porém, a tecnologia e a inovação fazem parte do ambiente escolar há mais de três séculos. Em 1450, os educadores utilizavam uma chapa de madeira com letras e figuras impressas (o Hornbook) para alfabetizar as crianças. O passar dos anos, a ascensão do capitalismo e a Revolução Industrial no século XVIII impulsionaram a criação de novas tecnologias, como o quadro negro, o lápis, o retroprojetor, o rádio e a TV. A partir do século XX, internet, computadores pessoais e os mais variados dispositivos eletrônicos se tornaram presença comum nas salas de aula.

“O uso de tecnologia não é novidade. A incorporação de tecnologias é uma constante nesse processo educativo. O que acontece atualmente é que essas mudanças estão ocorrendo mais velozmente”, explica Naomar de Almeida Filho, professor emérito de Epidemiologia no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor visitante no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), onde ocupa a Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica. Ele relembra que, até não muito tempo atrás, o ensino remoto era feito por correspondência – e hoje é feito através das mais variadas plataformas.

O termo “tecnologia educacional” é bastante utilizado no âmbito pedagógico e elucida a importância dessas aplicações aliadas ao processo de ensino-aprendizagem. “A tecnologia pode tornar este processo muito mais atraente para o aluno e, consequentemente, trazer resultados positivos. Uma educação científica pode equipar os cidadãos com habilidades para entender e buscar soluções para problemas que afetam a sociedade”, comenta Wyse.

“A tecnologia foi essencial durante a pandemia, ajudando alunos e professores a se manterem conectados.”

Para a psicopedagoga Júnia Belmont Alves dos Reis, mestranda em educação pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), a tecnologia é o resultado da fusão entre ciência e  técnicaEm seu artigo “O conceito de tecnologia e tecnologia educacional para alunos do ensino médio e superior”, a pesquisadora afirma que “o conceito de tecnologia educacional pode ser enunciado como um conjunto de procedimentos (técnicas) que visam ‘facilitar’ os processos de ensino e aprendizagem com a utilização de meios (instrumentais) simbólicos ou organizadores e suas consequentes transformações culturais”.

Atualmente, são diversos os equipamentos tecnológicos utilizados nas salas de aula, como bibliotecas eletrônicas, e-books, dispositivos digitais, quadros interativos que facilitam e integram a educação. Contudo, a informática é a pioneira como suporte ao ambiente educacional, fazendo parte da vida de muitas gerações.

Tecnologia a favor da educação

As tecnologias de informação e comunicação (TICs) não apenas revolucionaram nosso modo de viver, mas também nosso modo de aprender. Hoje são vários os recursos que podem ser utilizados na sala de aula para ajudar professores e alunos a navegarem em um oceano de informações.

Os ambientes virtuais imersivos são um deles. Dispositivos de realidade aumentada promovem experiências que misturam o mundo real com o mundo virtual, permitindo o aprendizado através da experiência e da interação dos alunos. Ao posicionar a câmera do celular sobre uma imagem, por exemplo, o aluno pode obter uma série de dados sobre ela. Isso resulta em uma experiência que transpõe os limites da sala de aula. Alguns museus e parques nacionais já oferecem esse recurso para os usuários conhecerem e aprenderem.

Ferramentas de trabalho – aplicativos ou programas que auxiliam na organização de arquivos e na realização de tarefas – também acabaram se tornando indispensáveis no ambiente escolar. Recursos de armazenamento em nuvem e de edição de texto, foto, vídeo e áudio são cada vez mais utilizados por professores e alunos.

Para trabalhar conteúdos e habilidades de maneira mais criativa, muitas escolas utilizam os objetos digitais de aprendizagem (ODA). Livros digitais, animações, jogos e videoaulas são alguns exemplos. Esses materiais interativos estão ganhando popularidade nas instituições de ensino brasileiras por serem modernos e práticos. Além disso, essa tecnologia se destaca por permitir a exploração de recursos como animações, áudios, mapas interativos, simulações, links e softwares que contextualizam o conteúdo e ajudam o aluno a se aprofundar no assunto. O próprio Ministério da Educação (MEC) disponibiliza recursos digitais gratuitos para professores e alunos, nas plataformas Portal do Professor e Escola Digital.

Sem contar as diversas plataformas que tanto ajudaram durante a pandemia. As plataformas são ambientes virtuais de aprendizagem que propiciam o armazenamento e a publicação de materiais e auxiliam na distribuição do conteúdo e na realização de tarefas. Essas plataformas também contam com chats que permitem um suporte dinâmico e rápido para auxiliar alunos com dúvidas – dentro e fora da sala de aula.

Por fim, existem também vários aplicativos educacionais para smartphones, que ajudam os estudantes nas mais diferentes tarefas e demandas. Eles podem auxiliar a otimizar o tempo de estudo, exercitar a memória, ou treinar o conhecimento sobre determinado assunto.

 “Se por um lado as tecnologias de informação e comunicação podem ampliar o acesso à educação, elas também podem aprofundar ainda mais o abismo que separa a rede pública e privada de ensino.”

“Em teses, todos esses elementos são favoráveis a desenvolver a capacidade pedagógica. Aumentam a capacidade de armazenamento e o acesso à informação, permitem o uso de ambientes de imersão para explorar novos ambientes… Assim, essas tecnologias trazem diversidade – e diversidade é sempre um elemento pedagógico positivo”, afirma Almeida Filho.

 Discrepância educacional

Porém, se por um lado as TICs podem ampliar o acesso à educação, elas também podem aprofundar ainda mais o abismo que separa a rede pública e privada de ensino.

O uso da tecnologia e sua importância no ensino estão relacionados a aspectos que envolvem formação e compromisso de todos os que atuam no processo educacional. Mas uma questão que permanece relevante é como fazer para que aqueles que não possuem acesso a essas tecnologias possam também aproveitar todas as suas vantagens. “O uso de tecnologias nas escolas, principalmente públicas, é limitado pela falta de equipamentos e/ou pela falta de professores com expertise na área para trabalharem juntos, de uma forma interdisciplinar, criando metodologias que contemplem as vivências cotidianas do aluno”, analisa Wyse.

O acesso às diferentes tecnologias é muito desigual, principalmente entre as classes D e E em comparação com as classes A e B. Enquanto 100% das pessoas na classe A têm acesso à internet, este número chega a apenas 64% das classes D e E, conforme o estudo PwC/Instituto Locomotiva realizado em 2021. Porém, quando se trata do ambiente escolar, esse cenário fica mais complicado: as escolas brasileiras têm disponível, em média, menos de um computador para cada quatro estudantes de 15 anos. Isso coloca o país em penúltimo lugar em um ranking de 78 países e regiões com respostas para esta questão disponíveis no último volume de análise dos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2020. (Figura 2)


“Essas tecnologias podem criar e ampliar o abismo entre alunos de diferentes classes sociais. Vimos na pandemia a diferença entre as escolas privadas e as públicas. As privadas em três meses se ajustaram ao novo modelo. As públicas ainda estão se recuperando, com escolas que apenas agora estão voltando e um atraso imenso”, enfatiza Almeida Filho.

 Contribuição do período de isolamento

A pandemia teve papel determinante no uso da tecnologia em geral, intensificando-a durante o período de isolamento, com a adaptação do trabalho e do ensino ocorrendo de maneira remota. O resultado disso foi o aumento das vendas de computadores, que cresceu 27% em 2021, com 14 milhões de unidades vendidas, segundo o estudo realizado pelo Centro de Tecnologia Aplicada da Fundação Getúlio Vargas (FGVcia). Já a pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos domicílios brasileiros (TIC Domicílios) mostra que o uso de tecnologias digitais no Brasil passou de 71% dos domicílios com acesso à internet em 2019 para 83% em 2020, o que corresponde a 61,8 milhões de casas com algum tipo de conexão à rede.

A utilização de computadores nas escolas vem rompendo barreiras e se desenvolvendo de forma positiva quanto à importância do reconhecimento do seu benefício para explorar as habilidades e competências diversas, organizando e facilitando o desempenho no aprendizado do aluno. A pandemia acelerou o uso da tecnologia nas escolas, indicando-a não apenas como meio importante no processo educacional, mas também como um direito essencial. “Um indivíduo alfabetizado cientificamente é capaz de compreender os fenômenos que acontecem ao seu redor, bem como de tomar decisões baseadas nos valores para a formação política de suas gerações”, afirma Wyse. Afinal, “uma educação científica pode equipar os cidadãos com habilidades para entender e buscar soluções para problemas que afetam o seu meio, melhorando a qualidade de vida das pessoas e enriquecendo as sociedades culturalmente e com conhecimento.”

Impacto na educação

É preciso deixar claro que as tecnologias não podem se tornar uma ferramenta principal para o processo de ensino-aprendizagem, mas sim, um mecanismo que proporcione a mediação entre aluno, professor e saberes escolares. Além disso, nenhum tipo de tecnologia, por mais avançada que seja, é capaz de substituir a ação do professor no processo educativo.

“Infelizmente, hoje ainda os currículos estão sem sintonia com a tecnologia e, portanto, com a modernidade. É muito importante inserir aulas de computação desde o ensino infantil, incluindo aulas de programação. O ensino de maneira geral tem que se atualizar e acompanhar o avanço tecnológico”, enfatiza Wyse.

Quando as TICs são integradas corretamente ao contexto pedagógico, os alunos se tornam mais motivados e engajados. Além disso, as TICs colaboram com a gestão educacional para melhorar a qualidade do ensino. Porém, existem uma série de desafios do uso das TICs na educação. O primeiro diz respeito à capacitação dos colaboradores – afinal, nesse novo contexto, é fundamental que toda a equipe esteja preparada para a utilização correta dessas ferramentas. O segundo é o engajamento dos alunos, ou seja, mantê-los envolvidos nos trabalhos desenvolvidos, evitando distrações e elaborando tarefas que contribuam para a aprendizagem. Por fim, a escola deve oferecer uma infraestrutura nos ambientes físico e virtual (como laboratórios de informática e bibliotecas digitais) compatível com as necessidades do corpo discente.

“Em tese, não existe elemento mais socialmente inclusivo do que essas tecnologias digitais. Isso também vai contra aquela ideia de que as tecnologias são desumanizantes, porque já existem inovações que permitem criar a sensação de pessoas de diferentes lugares estarem no mesmo ambiente. Se usado positivamente, isso pode aproximar as pessoas e ampliar o contato e a troca de experiências”, aponta Almeida Filho.

Priscylla Almeida

Priscylla Almeida é jornalista e produtora de conteúdo para áreas de saúde e ciência, marketing e publicidade. Apaixonada por filmes, gatinhos e pela rotina dinâmica que a comunicação traz: o contato com gente, a curiosidade de assuntos diversos, a troca.


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