Benigna Villas Boas

A privatização das escolas paulistanas: subsídios para o enfrentamento – Final

Publicado em 13/07/2022 por Luiz Carlos de Freitas, no blog do Freitas

Continuação de post anterior.

Fake news 4. Os modelos privados de ensino são mais baratos que a escola pública

Também não há evidência empírica consistente sobre isso. Dyer, por exemplo, encontrou que em Ohio, nos Estados Unidos, hoje, as terceirizadas existentes e seus programas de vouchers consomem impostos no valor de 1.490 bilhão de dólares, enquanto se todos os alunos que estão em escolas terceirizadas e nos programas retornassem para as escolas públicas atuais, o gasto seria de pouco mais de 1.420 bilhão de dólares. Uma economia aproximada de 70 milhões de dólares (Dyer, 2020)[1].

Fakenews 5. Os modelos privados melhoram a inclusão e a diversidade (inclusive alunos especiais)

Apesar do PL573 tentar argumentar por antecipado, dizendo que as “normativas nacionais, estaduais e municipais que versam sobre o acesso e permanência dos estudantes nas escolas deverão ser observadas pelas Organizações Sociais parceiras”, os estudos mostram que isso não ocorre principalmente quando se trata de alunos com necessidades especiais e com a população negra (Ulticam, 2020[2]; Heilig, Brewer, & Williams, 2019[3]).

Sobre estas questões Ravitch alerta em seu blog:

“Não se engane: o propósito da privatização é fazer lucro. A promessa da privatização é a eficiência. Mas na sua busca por lucro e eficiência, a privatização cria incentivos perversos. Ela incentiva a gestão privada de escolas charter a evitar ou se livrar de estudantes “caros” (a menos que a fórmula de reembolso torne rentável mantê-los), incentiva hospitais com fins lucrativos a diagnosticar pacientes e realizar cirurgias desnecessárias, incentiva os prestadores privados de educação especial pré-escolares a diagnosticar erradamente crianças como se necessitassem de serviços especiais para aumentar seus lucros” (Ravitch, 2016)[4].

Um exemplo do que funciona

As reformas empresariais da educação tomam os recursos, o lugar e o tempo da implementação de políticas que realmente possam alavancar a melhoria da escola pública. Enquanto corremos atrás de soluções fáceis e “fake news”, impedimos o próprio desenvolvimento das redes públicas ao promover seu sub-financiamento com a sangria de recursos públicos que fluem para as organizações privadas. E ao contrário do que dizem os reformadores empresariais, que “mais dinheiro não importa, pois não muda a escola”, os estudos dizem o contrário: dinheiro importa na qualidade das escolas.

Além das questões de carreira, salários e condições de trabalho, desde 2014 um relatório do National Education Policy Center mostra a importância da redução do número de alunos em sala de aula. Esta é uma das reformas com evidência empírica que os neoliberais fazem de conta que não existe, pois não atendem seus interesses mercantis. Ver, por exemplo, (Schanzenbach, 2014)[5]. Um resumo do impacto do financiamento na qualidade da educação é feito por Bruce Baker em entrevista e J. Warner:

“Estudos recentes atraíram atenção significativa, como o estudo de Kirabo Jackson, Rucker Johnson e Claudia Persico, mostrando que aumentos de financiamento resultantes de ordens judiciais e reformas no financiamento das escolas levam a um aumento de curto prazo (na pontuação dos testes) e de longo prazo (na entrada nas universidades, na conclusão, e na renda). Houve um conjunto de evidências confirmatórias acumulado bastante significativo, incluindo estudos que mostram os danos causados ​​pela [falta de financiamento devido à] grande recessão.”

“Mas, minhas revisões de literatura mostram que já havia um corpo de evidências relativamente forte mostrando que o dinheiro importava. Estes incluíram estudos específicos de estados mostrando que as reformas nas finanças escolares tiveram efeitos positivos em uma variedade de resultados, de Kansas a Michigan e Massachusetts. Também estudos que mostram que o uso de meios específicos que custam mais caro, como a redução de turmas, têm efeitos positivos nos resultados. (…) Portanto, embora definitivamente atualmente haja uma maior aceitação de que “o dinheiro importa” para os resultados dos alunos como consequência da enxurrada de estudos recentes, já havia evidências muito boas em vários tipos de estudo mesmo antes disso.” (Warner, 2022)[6].

Dessa forma, ao invés de colocarmos dinheiro nas organizações sociais, o que a evidência empírica diz é que devemos aumentar o financiamento das escolas públicas e não diminuir o financiamento desviando recursos para as organizações privadas. Lugar das Organizações Sociais (com ou sem fins lucrativos) é fora da escola.  

Finalmente, do ponto de vista mais geral, ao invés de apostar em “intervenções” e no “desmanche” de escolas públicas, de fora para dentro, é exatamente o oposto que tem chance de mudar a escola, ou seja, apostar na mobilização das forças positivas internas da escola para, apoiadas pelas redes estaduais e municipais, promover o seu desenvolvimento.

Isso é exatamente o que o PL573 não faz – ele rompe esta relação rede-escola. Ele quer produzir um “apagão” nas escolas e reiniciá-las; quer tirá-las “da tomada” e recomeçar “sob nova direção” como se fosse um “negócio” que não deu lucro, jogando fora toda a memória dos erros e acertos acumulada nas escolas, que poderia ser mobilizada em um diálogo bilateral entre a escola e a gestão da rede (Sordi & Freitas, 2013[7]; Freitas, 2011[8]; Sordi, 2009[9]; Betini, 2009[10]).

O caminho, portanto, é exatamente o oposto: um esforço bilateral conjunto, no qual os gestores das redes apresentam suas demandas e as escolas, de forma participativa, envolvendo seus gestores internos, professores, funcionários, alunos e pais, através de instâncias de avaliação institucional participativas internas à escola, apresentam suas necessidades para alavancar o seu desenvolvimento.

Baixe aqui o texto integral da análise do PL573/21.


[1] Dyer, S. (2020). Ohio School Privatization More Expensive than Public Schools. Acesso em 4 de julho de 2022, disponível em 10th Period: https://10thperiod.substack.com/p/ohio-school-privatization-more-expensive

[2] Ulticam, T. (2020). School Choice is a Harmful Fraud. Tultican’ blog. Acesso em 3 de julho de 2022, disponível em https://tultican.com/2020/09/07/school-choice-is-a-harmful-fraud/

[3] Heilig, J. V., Brewer, T. J., & Williams, Y. (2019). Choice without Inclusion?: Comparing the Intensity of Racial Segregation in Charters and Public Schools at the Local, State and National Levels. Education Sciences. Acesso em 6 de julho de 2022, disponível em https://www.dropbox.com/s/3hvswa0w61mmfzv/Charter%20Segregation%20Final%20JES%20Heilig%2C%20Brewer%20Williams%208.1.19.docx?dl=0

[4] Ravitch, D. (2016). The Perils of Privatization. Acesso em 3 de julho de 2022, disponível em Diane Ravitch’ Blog: https://dianeravitch.net/2016/01/29/the-perils-of-privatization-2/

[5] Schanzenbach, M. D. (2014). Does Class Size Matter? Acesso em 2 de julho de 2022, disponível em National Education Policy Center: https://nepc.colorado.edu/sites/default/files/pb_-_class_size.pdf

[6] Warner, J. (2022). Money Matters in Education: an interview with Bruce Baker. Acesso em 6 de julho de 2022, disponível em Educational Endeavors: https://educationalendeavors.substack.com/p/money-matters-in-education

[7] Sordi, M. R., & Freitas, L. C. (2013). Responsabilização participativa. Retratos da Escola, 87-100.

[8] Freitas, L. (2011). A qualidade da Escola e os Profissionais da Educação: confiança ns relações ou cultura de auditoria. Em C. e. Cunha, Políticas Públicas de Educação na América Latina: lições aprendidas e desafios. (pp. 279-302). Campinas: Autores Associados.

[9] Sordi, M. R. (2009). Comissão Própria de Avaliação: uma estratégia para a mobilização dos atores da escola e a construção de um pacto de qualidade negociada. Em M. R. Sordi, & E. S. Souza, A avaliação como instância mediadora da qualidade da escola pública (pp. 75-81). Campinas: Millennium Ed.

[10] Betini, G. A.   Avaliação Institucional Participativa em Escolas Públicas de Ensino Fundamental. Educação: Teoria e Prática, v. 20, n. 35, p. 117. Disponível em https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/educacao/article/view/4089

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