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Primeiro dia de aula: iniciando o ciclo da avaliação formativa

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Publicado em

www.benignavillasboas.com.br

www.gepa-avaliacaoeducacional.com.br

A avaliação costuma ser o componente do trabalho pedagógico que mais amedronta estudantes de todos os níveis: ensino fundamental, médio, universitário, mestrado e doutorado, em todos os tempos. Antes de prosseguirmos, relembremos como se constituiu o processo avaliativo nas escolas brasileiras.

Luckesi (2021) afirma que, “no que se refere à educação escolar, historicamente somos herdeiros diretos do século XVI, momento em que se estruturou, se organizou e se colocou em funcionamento o modelo de escola que conhecemos hoje” (p. 41).  

Dois fatos históricos influenciaram e ainda influenciam o trabalho pedagógico e, de modo especial, o processo avaliativo em nossas escolas, de todos os níveis: as prescrições da Ratio Studiorum e da obra Leis para a boa ordenação da escola, de autoria de Comênio.

Em 1599 foi publicada a Ratio Studiorum, documento elaborado pela Companhia de Jesus, ordem religiosa dos padres jesuítas, contendo o ordenamento pedagógico e administrativo dos seus estabelecimentos de ensino.

Segundo a Ratio Studiorum, os professores eram os responsáveis diretos pelo ensino e pela formação religiosa e moral dos estudantes. Para auxiliá-los em sua atividade docente e disciplinar, “eram nomeados estudantes, considerados os ‘melhores’, entre seus pares, recebendo a denominação de Bedéis” (Luckesi, p. 51). Assim teve início a classificação dos estudantes, ainda presente em muitas de nossas escolas.

Ao lado disso, os jesuítas instituíram a “pauta do professor”, caderneta em que se registravam os “resultados individuais obtidos por cada estudante nas diversas atividades de ensino durante o ano letivo” (p. 75). Luckesi comenta que esta pauta, que registrava os atos avaliativos e o uso dos seus resultados,  cumpria um fim diagnóstico dos resultados da investigação avaliativa “para, de um lado, garantir a aprendizagem satisfatória dos estudantes e, de outro, subsidiar os procedimentos de sua promoção de uma classe a outra” (p. 75).

Em 1657 Comênio publicou a obra Leis para a boa ordenação da escola, em que propõe os exames escolares como recursos de ensino-aprendizagem, da seguinte forma:

Exames realizados a cada hora de aula, sob a responsabilidade do professor, para manterem os estudantes sempre atentos.

Exames diários, de responsabilidade do decurião, que era o estudante mais avançado e que deveria cuidar dos seus pares.

Exames semanais, de responsabilidade de todos os estudantes, sendo realizados no último dia útil da semana, sob a forma de competição entre todos; o estudante vencedor deveria ocupar o lugar de ‘vencedor’ e o perdedor deveria ser rebaixado;

Exames mensais, sob o comando do Reitor da escola, acompanhado do Pastor local e de um membro do Conselho Administrativo da escola, para, mediante exame rigoroso, inspecionar, por meio da verificação da aprendizagem dos estudantes, se os programas de ensino estavam sendo realizados a contento;

Exames trimestrais, realizados por dois membros do Conselho Administrativo da escola e pelo Reitor, para identificar os estudantes com melhor desempenho em suas aprendizagens e os mais brilhantes. O professor da turma estaria ausente.

Exames anuais, realizados ao final do ano letivo, sob a responsabilidade do Colegiado Pleno do Conselho Administrativo, para verificar se o Programa de Ensino Anual fora cumprido.  (LUCKESI, 2021, p. 133-134).

Os professores se incumbiam apenas dos Exames realizados a cada hora de aula, tarefa que poderia ser considerada de menor importância do que as demais. Esses exames pareciam servir apenas para manter os estudantes atentos e não, primordialmente, para oferecer informações sobre o que e como estavam aprendendo. Manter os estudantes atentos poderia significar ficarem quietos.

Observa-se a presença marcante da competição, sob a forma de classificação dos estudantes, para destacar “o mais avançado”, o “vencedor” e “os mais brilhantes”. Ainda hoje encontramos tais iniciativas em muitas escolas brasileiras.  

A avaliação das aprendizagens/para as aprendizagens praticada atualmente nas escolas brasileiras não corresponde à proposta por Comênio, autor do Livro Didática Magna, usado em cursos de formação de professores por algum tempo. Contudo, estudantes eleitos como “destaques”, premiação daqueles mais “brilhantes” e outras formas de competição têm sido adotadas, inviabilizando a prática da avaliação formativa. Além disso, ainda enfrentamos dificuldades, tais como: provas como o único procedimento de avaliação e somente para atribuição de notas; semana de provas, para facilitar o trabalho dos professores; ausência de participação dos estudantes na organização do processo avaliativo; ausência de oferecimento de feedback aos estudantes e da autoavaliação, além da falta de cuidado quanto ao uso da avaliação informal em sala de aula e em toda a escola.

Reorganizar o trabalho pedagógico do ano que se inicia ou, em outras palavras, reconstruir a proposta pedagógica da escola, ou o seu projeto político-pedagógico, requer eleger a avaliação como ponto de partida. Várias podem ser as discussões sobre este tema. Delimito-o ao que o título deste texto sugere: primeiro dia de aula – iniciando o ciclo da avaliação formativa.

Em qualquer nível de ensino, os primeiros encontros são impregnados de avaliação, propositalmente ou não. Refiro-me ao processo de avaliação, em sentido amplo, por meio do qual professor/a e estudantes interagem, possibilitando que ambos conheçam as aprendizagens conquistadas, em busca das que estão por vir.

Na escola todos avaliam e todos são avaliados. Vale o velho ditado: as primeiras impressões são as que permanecem. Por isso, é importante que, no primeiro encontro do ano, professores e estudantes se conheçam, para criação de ambiente confortável, acolhedor e propício às aprendizagens. Por meio de conversa tranquila, a avaliação diagnóstica tem início. Para isso, informalmente, o professor conduz a conversa, utilizando perguntas previamente organizadas. Essa avaliação pode ser no grande ou em pequenos grupos e devidamente registrada.  

Costumeiramente, os estudantes tentam encaminhar a conversa para provas, notas, trabalhos e prazos de entrega. Usar todo o tempo da primeira aula do ano para estes aspectos mais burocráticos desvia o foco da avaliação formativa. Será mais adequada uma explanação sobre o processo avaliativo do semestre, com ênfase nas aprendizagens e no progresso de todos. Habilidosamente o/a professor/a seguirá este rumo, dizendo que essas questões serão discutidas mais adiante e que eles participarão apresentando sugestões. O objetivo do primeiro contato estudantes/professor/a é a organização conjunta do trabalho pedagógico, incluído o processo de avaliação. Poderá ser desenvolvida sistemática de trabalho condizente com cada turma de estudantes.  

Alguém poderá argumentar: isso é perda de tempo. É melhor encurtar a conversa e começar a trabalhar logo. Este é o início das atividades, com a presença da avaliação diagnóstica, adaptada a cada situação/curso/disciplina. Importante salientar que esta função avaliativa, quando assim desenvolvida, é aliada da formativa, isto é, a ela se articula.  

Como meio de os professores impulsionarem as aprendizagens de seus estudantes desde os primeiros dias de aula, quando se estabelece a confiança entre ambas as partes, proponho que iniciem o desenvolvimento do que Brookhart (2023) denomina de ciclo da avaliação formativa, constituído por três questões a serem respondidas por cada estudante: onde estou indo? Onde estou agora? O que fazer em seguida? Segundo a autora, cada uma delas assim se estrutura:  

A questão “onde estou indo?” se desdobra nas seguintes: “o que estou tentando aprender? Quais meios garantirão minhas aprendizagens?”

A questão: “onde estou agora?” se desdobra nas seguintes: “como meu trabalho se encontra em relação aos meios que me permitirão obter sucesso?” “Qual compreensão posso construir?”

A questão: “O que fazer em seguida?” se desdobra nas seguintes: “quais os próximos passos para o alcance das aprendizagens? Como preencher a lacuna entre o não aprendido e o aprendido?” (p. 6)

A autora faz um alerta importante: “O ciclo da avaliação formativa funciona melhor no contexto da sala de aula em que os estudantes se sentem seguros para expressar suas ideias e em que seus enganos são vistos como oportunidades de aprendizagem” (p. 7). Este ambiente seguro é construído desde o primeiro dia de aula. Como nossos estudantes e suas famílias estão acostumados ao processo avaliativo em que notas, provas e classificação têm assumido lugar central, a adoção do ciclo da avaliação formativa, proposto por Brookhart (2023), poderá, desde o primeiro dia de aula, ser de grande valia, desde que adaptado a cada contexto escolar. Cabe ressaltar que a autoavaliação pelos estudantes cumprirá papel importante nesse processo. O/a professo/a cuidadoso/a, por ser pesquisador/a da sua prática, saberá encaminhar esse processo.  

  A dinâmica deste ciclo se repete ao longo do ano letivo, atrelando os objetivos de aprendizagem à avaliação.  

As contribuições da autora vêm ao encontro da proposta deste texto, no sentido de o processo avaliativo assumir protagonismo desde o primeiro dia de aula, alavancando discussões, reflexões e proposições para o desenvolvimento do trabalho pedagógico, envolvendo os estudantes na sua constituição.       

Referências

BROOKHART, Susan. Classroom assessment: essentials. ASCD, Arlington, Virginia, USA, 2023.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem: passado, presente e futuro. SP: Cortez, 2021.

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