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Política nacional para recuperação das aprendizagens na Educação Básica

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Enílvia Rocha Morato Soares

Em reunião realizada no dia 03 de junho de 2022, o GEPA analisou o Decreto nº 11.079, publicado pela Presidência da República em 23 de maio de 2022, que institui a Política Nacional para Recuperação das Aprendizagens na Educação Básica. O tema ganha destaque ao ser tratado por meio de um decreto presidencial.

Trata-se de um documento que será lido e analisado pelos sistemas de ensino de todo o país e pelos cursos de formação inicial e continuada de professores e que merece reflexões. A “recuperação da aprendizagem” é mencionada pela Lei 9394/96, que a inclui no item dedicado à verificação do rendimento escolar.  

Atenção especial é dada aos estudantes que evadem da escola (não efetuam a matrícula para dar continuidade aos estudos no ano seguinte) e os que a abandonam (quando deixam de frequentar a escola antes do término do ano letivo).

Perdeu-se a oportunidade de tratar o tema de forma didática e articulada ao processo avaliativo, sem referência à expressão “recuperação das aprendizagens”, já desgastada e desconectada da necessidade de oferecimento de contínuas intervenções pedagógicas. O que não foi aprendido no passado não é passível de ser recuperado, porque o contexto de retomada do processo de aprendizagem será outro. O que importa é a recomposição do processo de aprendizagem que leve em conta as atuais necessidades dos estudantes. A  palavra “recuperação” costuma ser atrelada à nota que, segundo Luckesi, é apenas o “registro da qualidade de aprendizagem, mas não é a aprendizagem” (2011, p. 407).   

Além disso, a recuperação remete a práticas pontuais de retorno às aprendizagens, quando já há um acúmulo de não aprendizagens. O decreto deveria ocupar-se de uma política de enfrentamento das situações de não aprendizagem, assim que sejam constatadas, por meio de intervenções pedagógicas pontuais  e contínuas.    

É louvável a adoção de uma política de busca pelos estudantes evadidos e pelos que abandonaram a escola, oferecendo-lhes condições de retomada do trabalho pedagógico que lhes garanta a conquista de aprendizagens. Igualmente necessária é a recomposição das aprendizagens de todos os que apresentarem necessidades de aprendizagem, sem o estigma da “recuperação”, mas com o objetivo de continuidade de estudos.

O GEPA encontrou outras fragilidades no decreto, como veremos. 

– Aponta como um dos princípios da Política Nacional para Recuperação das Aprendizagens o “aprimoramento das formações inicial e continuada dos profissionais da educação básica, com vistas a orientar o uso de tecnologias para melhoria dos processos de ensino de ensino e aprendizagem” (Art. 3º, VII). Por que a referência apenas ao uso de tecnologias? Somente elas merecem ser aprimoradas? Este termo e o da inclusão digital são várias vezes utilizados. Por que tanta ênfase? Estranhamente não é previsto o “aprimoramento” da formação inicial e a continuada dos profissionais de educação com vistas ao fortalecimento das aprendizagens de todos os estudantes, que deveria ser o alvo da política.

– Inexistência de articulação da “recuperação” de aprendizagens ao processo avaliativo escolar. Esta é uma grande fragilidade do decreto, que a trata de maneira isolada.

– Referência a “métodos de avaliação” (Capítulo V, eixo III, a). O que seriam esses métodos? Quais seriam?

– Capítulo V, eixo 4 – formação prática de docentes e de outros profissionais da educação, com o objetivo de difundir capacitação para aplicação das metas curriculares nacionais e capacitação de recursos e tecnologias educacionais propostos no âmbito da Política – redação confusa e incompreensível. O que significa “formação prática”? O que se quer dizer com “difundir capacitação?

– Capítulo V, art. 7º, III, eixo 3 – atenção individualizada aos discentes e às suas famílias, com o objetivo de: b) “aplicar avaliações diagnósticas e formativas a docentes e a gestores educacionais, com vistas ao acompanhamento de cada discente”. Objetivo com redação incompreensível. Observação: o MEC possui uma plataforma de avaliações diagnósticas e formativas, voltada para a aplicação de provas a estudantes da educação básica.

Entendemos que a expressão “recuperação das aprendizagens” não contribui para o alcance dos propósitos almejados pelo documento. Neste ano de retorno às aulas presenciais e de recomposição do trabalho pedagógico, as escolas necessitam de apoio para o desenvolvimento de intervenções pedagógicas contínuas, que garantam a inclusão de todos os estudantes no processo de aprendizagem. O decreto refere-se apenas às situações de evasão e abandono escolar. As não-aprendizagens são evidenciadas no dia-a-dia escolar, por todos os estudantes, que necessitam de apoio para que não se tornem evadidos nem abandonem os estudos.   

Pareceu-nos que a política assumida pelo governo federal tem mais interesse em alinhar-se a grupos e organismos nacionais e internacionais do que em oferecer meios para as escolas de educação básica atuarem com qualidade social.  

Finalmente, o decreto assume compromisso com a instituição do Ecossitema de Inovação e Soluções Digitais, sob a gestão do MEC, e com a instituição do Observatório Nacional de Monitoramento do Acesso e Permanência na Educação Básica e com a Rede de Inovação para a Educação Híbrida, com a “finalidade de apoiar a implementação de novas formas de oferta para os processos de ensino e aprendizagem”.

Tudo isso em ano eleitoral e sem que se indiquem as fontes de recurso. Na semana em que o decreto foi assinado houve um drástico corte de recursos financeiros para o setor educacional. Não vislumbramos dias melhores para a educação.  

Referência

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem: componente do ato pedagógico. SP: Cortez, 2011.  

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