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O perigo do retorno das escolas

JC Notícias – 06/08/2020

  • “É necessário que se aperfeiçoe e intensifique o que está sendo feito para que se amplie o acolhimento daqueles estudantes que estão fora da escola”, comenta Nelson Pretto, professor da Faculdade de Educação da UFBA

Participei esses dias, como avô, de uma aula de meu neto de seis anos em uma escola particular em São Paulo. Eram cerca de 25 crianças nessa faixa de idade e a brava professora se desdobrava de um lado para o outro (da tela!) para fazer com que aqueles meninos e meninas pudessem ficar atentos às tarefas. A aula era sobre o mundo de ontem e de hoje e o que se via na tela eram imagens do livro texto, escritas na tela feitas pela professora e comentários divertidos da turma.

“Tá me ouvindo, fessora? Qual a página?”

“Júlia, liga a câmera”. “João, seu microfone tá desligado”.

A aula transcorria e eu, atento, tudo observava.

Tarefa árdua de professoras e professores do sistema privado de educação, obrigados a continuar as aulas através da internet. Do interior de suas casas, com todos os demais afazeres típicos do período de confinamento, nossas colegas estão se desdobrando para dar continuidade ao processo educativo.

Seguramente está sendo uma difícil empreitada. Por outro lado, não podemos permitir o retorno agora das aulas presenciais, pois a escola é, essencialmente, um lugar de afeto, de abraço e de companheirismo. Escola é contágio no sentido pleno do termo. Não condiz, portanto, com as necessárias regras para conter a proliferação do coronavírus.

A Fiocruz alertou que o retorno às aulas colocaria em risco 9,3 milhões de adultos e, justo por isso, é uma temeridade esse retorno do presencial, tanto no sistema privado como no público.

Outro dia, em um debate na TV, ouvi uma longa fala de um representante das escolas particulares insistindo na urgência do retorno às aulas. Para sustentar seu argumento, trazia dados de pesquisas indicando a segurança da empreitada. Justo naquela semana, pesquisa divulgada pelo New York Times indicava que crianças de 0 a 10 anos não estavam imunes ao vírus e, o pior, jovens de 10 a 19 anos têm, em relação ao vírus, comportamento exatamente igual a adultos. Ou seja, são potencialmente portadores e disseminadores do vírus.

Além disso, em sua fala, o representante das escolas privadas não mencionou uma única vez a palavra professor. Serão as professoras e professores, mais uma vez, as maiores vítimas de uma atitude como essa.

Os esforços que estão sendo feitos pela categoria para viabilizar o chamado ensino remoto não são suficientes para uma plena educação da juventude, entre outros fatores, por conta da enorme desigualdade digital no país e no mundo. No entanto, é necessário que se aperfeiçoe e intensifique o que está sendo feito para que se amplie o acolhimento daqueles estudantes que estão fora da escola.

Precisamos, portanto, de muita cautela nesse momento. Retomar o funcionamento das escolas pode por em risco boa parte do esforço que os governos estaduais e municipais vêm fazendo para conter a proliferação da covid-19.

Publicado em A Tarde de 05/08/2020, pag. 03

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