CONSTRUINDO O PROJETO INTERVENTIVO NO BIA
Benigna Maria de Freitas Villas Boas
Professora emérita da UnB
Texto escrito em setembro de 2008
Em primeiro lugar, o que é projeto?
Projeto é uma proposta de intervenção. Permite que se analisem problemas, situações e acontecimentos em um determinado contexto. Cortesão (1993, p. 89) entende que o trabalho com projeto é uma atividade intencional por meio da qual a pessoa toma conhecimento de um problema, toma atitudes frente a ele e procura resolvê-lo.
Como atividade intencional e muitas vezes coletiva, apresenta as seguintes características, apontadas por Legrand (1993): é assumida por todos os que com ela se envolvem; requer antecipação coletiva e formal do seu desenvolvimento e dos objetivos a atingir; a coletividade está necessariamente presente como moderadora, informadora e avaliadora; inclui alternância de trabalho individual e negociação coletiva; é praticado de maneira flexível; tem finalidade pedagógica e social e culmina com a apresentação do produto final. A essas características Veiga (2006, p. 74) acrescenta que o trabalho com projeto sempre envolve a resolução de problemas, possibilitando a análise, a interpretação e a crítica por parte dos que nele atuam. Além disso, nele estão presentes as “dimensões pedagógica, criativa e lúdica, tornando a sala de aula sinônimo de alegria, de curiosidade e de construção coletiva”, afirma a autora.
Levando em conta as considerações acima, percebe-se que a intervenção é inerente ao projeto. Chega a ser pleonasmo falar em projeto interventivo. Sendo interventivo, ele é investigativo. Enquanto se desenvolvem atividades de intervenção junto aos alunos, investigam-se as melhores estratégias de aprendizagem para cada um deles. Essa é uma forma de produção de conhecimento escolar. Esses princípios da intervenção e da investigação possibilitam a prática da inovação, porque cada aluno requer intervenção particular. Para que tudo isso ocorra, o projeto tem caráter coletivo e integrador. Não pertence a um professor, mas a um grupo que compartilha os mesmos interesses.
Momentos do projeto interventivo no BIA
O projeto interventivo engloba quatro momentos: identificação ou problematização; elaboração do projeto; desenvolvimento; sistematização da avaliação das atividades do projeto nos períodos definidos pela escola. Esses quatro momentos mantêm relações de interdependência, isto é, não são isolados. A avaliação está presente em todos eles. Articulada aos objetivos do projeto, é o seu fio condutor. Por meio dela se obtêm informações importantes sobre as aprendizagens de cada aluno e sobre a relevância do projeto.
No primeiro momento identificam-se os alunos que necessitam de intervenção complementar para que as aprendizagens ocorram. As seguintes perguntas orientam a formulação do problema: quais são os alunos que necessitam de ajuda? Quem é cada um deles? Qual a necessidade de cada um? Mas não basta identificar os alunos e suas necessidades. Nesse momento de problematização, o professor faz uma análise das necessidades, detecta os conhecimentos que os alunos já têm e os que ainda não têm sobre as atividades realizadas até então, levanta as expectativas e define, com o grupo de colegas, os objetivos do projeto (VEIGA, 2006, p. 79).
O segundo momento é o da elaboração do projeto. Esse registro escrito é fundamental para que exista um histórico das intervenções realizadas. Como o primeiro momento é o da problematização, este é o primeiro item do projeto escrito, do qual constam: 1) os nomes dos alunos a serem atendidos e as necessidades correspondentes a cada um deles; 2) os objetivos de aprendizagem a serem alcançados; 3) os conteúdos a serem trabalhados; 4) as atividades a serem desenvolvidas com grupos de alunos ou com alunos individualmente; 5) os recursos didáticos e tecnológicos a serem utilizados; 6) o processo de avaliação, que inclui a avaliação das aprendizagens e a avaliação do projeto; 7) o cronograma das atividades; 8) o local de realização das atividades; 9) o professor ou professores responsáveis.
O terceiro momento é o do desenvolvimento do projeto. Enquanto as ações são realizadas, registram-se todas as informações referentes ao alcance dos objetivos, às reações dos alunos, à pertinência das atividades pedagógicas e dos recursos utilizados, ao tempo destinado às atividades e ao ritmo de aprendizagem dos alunos. Essa é a avaliação em processo. É importante que haja uma ficha de acompanhamento das aprendizagens de cada aluno, para ser usada pelo professor do projeto, pelo professor da turma a que ele pertence, pelos pais e pelos próprios alunos.
O quarto momento é o da sistematização da avaliação das atividades do projeto nos períodos definidos pela escola. Como ele é de desenvolvimento contínuo, mas não atende o mesmo grupo de alunos durante todo o ano, periodicamente passa por uma análise pelo conjunto de professores e demais educadores envolvidos, a partir das informações coletadas durante a sua execução. Ao final do ano letivo, é feita a apreciação de todo o trabalho, de modo que se obtenham informações para subsidiar a sua continuidade no ano seguinte.
Singularidades do projeto interventivo no BIA
O projeto interventivo no BIA apresenta características próprias: é contínuo em relação ao seu desenvolvimento (é sempre oferecido) e temporário em relação aos alunos que dele se beneficiam. Mesmo sendo contínuo, não é padronizado, porque os alunos que por ele são atendidos apresentam necessidades diferentes. Por isso não é elaborado uma só vez, para um ano inteiro. É constantemente atualizado, em função das necessidades dos alunos que a ele são encaminhados, a cada dia, a cada semana, a cada bimestre etc.
Um projeto com essas características não tem professor nem alunos fixos. O professor é selecionado para nele atuar conforme as necessidades dos alunos e estes nele permanecem enquanto precisarem de intervenção. Para que os alunos que passam por ele não recebam rótulos depreciativos, é aconselhável que todos, em algum momento, tenham nele alguma atuação, que pode ser até mesmo a de colaborador do professor.
O projeto interventivo pode constituir o primeiro passo para a eliminação do regime seriado e para a criação da escola não-seriada.
Referências
CORTESÃO, L. Projecto, interface de expectativa e de intervenção. In LEITE, E.; MALPIQUE, M.; SANTOS, M. R. dos. Trabalho de projecto, 3ª ed. Porto: Afrontamento. Leituras comentadas, 1993.
LEGRAND, L. A pedagogia de projecto. In LEITE, E.; MALPIQUE, M.; SANTOS, M. R. dos. Trabalho de projecto, 3ª ed. Porto: Afrontamento. Leituras comentadas, 1993.
VEIGA, I. P. A. Projeto de ação didática: uma técnica de ensino para inovar a sala de aula. In VEIGA, I. P. A. (org.). Técnicas de ensino: novos tempos, novas configurações. Campinas, SP: Papirus, 2006, p. 69-84.