Avaliação formativa em retrocesso nas escolas públicas do DF
A alteração do regimento das escolas da rede pública do DF, aprovada pelo Parecer nº 123/2019, do Conselho de Educação do DF, e pelo secretário de Educação do DF, Rafael Parente, por meio da Portaria nº 180, de 30 de maio de 2019, inclui a atribuição de ponto negativo ao estudante pela inobservância das normas contidas no documento e de ponto positivo por elogio individual ou coletivo, por parte do professor, no componente curricular em desenvolvimento, como se segue:
– advertência oral ou retirada de sala (-0,1)
– advertência escrita (- 0,3)
– suspensão de sala de aula de, no máximo, 3 dias (-0,5)
O ponto negativo incidirá no aspecto formativo do cálculo do componente curricular que acarretou a prática do descumprimento (grifo meu).
Elogio individual (0,5)
Elogio coletivo para a turma (0,3)
Cabe ao professor o cômputo do ponto relativo ao elogio em seu componente curricular, o qual valerá para nota final do bimestre (Art. 310-A, II).
Assim se justificam o que se denomina de medidas disciplinares (advertência e suspensão de aula) e os elogios:
Art. 310. A aplicação de medidas disciplinares constitui evidência para a avaliação de aspectos comportamentais, incluindo competências socioemocionais, atitudes e valores, que fazem parte da formação integral do indivíduo e do desenvolvimento de todas as suas dimensões humanas, sendo avaliadas por meio de estratégias formativas, que devem respeitar a sua singularidade, suas forças e necessidades (GDF/SEEDF/CEDF, 2019). (grifo meu)
Art. 310-A. O elogio constitui prática pedagógica que estimula a melhoria do comportamento a ser concedido em reconhecimento à mudança de postura e desenvolvimento do estudante, e acarreta no cômputo de pontuação positiva no respectivo componente curricular, o qual poderá ser conferido exclusivamente pelo professor … (idem).
E mais:
A parte da avaliação formativa que visa o aspecto disciplinar, integrada às outras estratégias de avaliação formativa dos estudantes, ficará sob a responsabilidade do professor, devendo constar, inclusive, no Projeto Pedagógico da escola (Art. 310-B, IV, &1º). (grifo meu)
Caiu por terra todo o esforço empreendido desde o início dos anos 2000 para implantação da avaliação formativa, agora deturpada pelas alterações ao regimento. Como sabemos, essa função avaliativa tem compromisso com a construção de aprendizagens pelos estudantes, não se fracionando, de modo que uma delas se volte para “aspecto disciplinar”. Além disso, a redação é incompreensível: “A parte da avaliação formativa que visa o aspecto disciplinar, integrada às outras estratégias de avaliação formativa dos estudantes …” Quer dizer que o “aspecto disciplinar” é uma das estratégias de avaliação formativa? A quais estratégias o texto se refere?
Com propriedade, Soares esclarece que “ao avaliar fracionando a dimensão intelectual e a dimensão comportamental, os professores tendem a cometer equívocos como o privilégio de um aspecto sobre o outro e/ou gerar confusão entre eles, fazendo crer que o ‘bom comportamento’ é capaz de compensar a não aprendizagem ou ainda que, mesmo aprendendo, o ‘malcomportado’ deve ter seus resultados subtraídos” (2019, p. 30).
A referência a “aspecto formativo” retoma um engano do passado sobre a avaliação formativa, que já está superado. Entendia-se por aspectos formativos os relacionados à disciplina, a interesse, a comportamento, à participação e à frequência.
Outra determinação do regimento diz respeito “às medidas disciplinares e seus efeitos na avaliação” (art. 310-B, IV, &4º). Isso significa que pontos negativos e positivos interferem no processo de avaliação? Já foi dito que eles são levados em conta no resultado do desempenho do bimestre, mas o processo avaliativo é mais amplo do que resultados. Tal determinação é uma demonstração do poder dos pontos negativos e positivos no resultado do desempenho dos estudantes. Essa não é a avaliação formativa. Portanto, não cabe mencioná-la no regimento.
A decisão de atribuição de pontos negativos e positivos ocorreu de forma alinhada ao projeto de gestão compartilhada (militarização de escolas públicas do DF), implementado nessa gestão governamental. Um dos objetivos desse projeto é o combate à violência nas escolas, por meio da introdução de policiais militares para instalarem disciplina rígida.
Como a avaliação dá o tom do trabalho pedagógico escolar, as mudanças nela introduzidas estão conduzindo ao retrocesso desse trabalho.
Referência
SOARES, Enílvia R. M. In VILLAS BOAS, Benigna (0rg.) Conversas sobre avaliação. Comportamento: cabe avaliá-lo? Campinas, Papirus, 2019.