Escola: caminho para a libertação ou para a prisão?
Enílvia Rocha Morato Soares
Pesquisadora do GEPA
Ao defender o projeto de militarização das escolas do Distrito Federal, o secretário adjunto da Secretaria de Estado de Educação do DF alegou, em entrevista ao Bom dia DF do dia 12 de março, que a disciplina dos estudantes assegurada pelos policiais resultaria em maior tempo de aula e, em decorrência, melhoraria a qualidade do trabalho desenvolvido pelos professores.
O entrevistado não explicou, nesse momento, o conceito de “qualidade” a que estava se referindo. Se considerarmos, no entanto, que um dos critérios adotados pela SEEDF para definição das quatro escolas que implantariam inicialmente o projeto foi a nota do IDEB, pode-se pressupor que a qualidade destacada pelo secretário está fortemente associada aos resultados obtidos nos exames externos. Freitas (2009, p. 66) desmistifica esse raciocínio ao explicar que “o desempenho de uma escola implica ter alguma familiaridade e proximidade com o seu dia-a-dia o que não é possível para os sistemas de avaliação em larga escala realizados pela federação ou pelos estados, distantes da escola”.
A despeito das considerações deste e de outros estudiosos da avaliação que explicam a complexidade que envolve análises da qualidade do trabalho pedagógico desenvolvido em sala de aula e em toda a escola, o atual governo do Distrito Federal aproveita-se do clamor popular por maior segurança, impulsionado pela mídia sensacionalista que se ocupa de amedrontar até os mais destemidos, e infiltra nas escolas profissionais cuja formação contempla ideais muito mais coercitivos que emancipadores. Ou seja, muito mais voltados ao aprisionamento do que à libertação de corpos e mentes.
Não é de se duvidar que a inserção de policiais na escola aumentará seu escore nos testes em larga escala. Os caminhos que serão trilhados rumo ao alcance desse propósito é que precisam ser conhecidos, debatidos e rechaçados, uma vez que se baseiam na exclusão de parte dos estudantes, especialmente daqueles que se opõem a se enquadrar em um modelo disciplinar que lhes foi imposto por diferentes motivos, entre eles por afetar o seu capital cultural e de suas famílias. Vale lembrar que as escolas militarizadas constituem, para muitos estudantes, a única possibilidade de estudar, diferentemente daqueles que podem optar e até mesmo disputam vaga para ingressar em uma escola militar, o que traz implícita a aceitação passiva do rigor disciplinar imposto por essas instituições.
A ordem imposta via opressão serve, portanto, aos que a ela se opõem ou não se adequam, como meio de seleção e exclusão. As condutas censuradas e as advertências (orais e escritas) e expulsões que a elas se seguem servem para separar os “bons” dos “maus” estudantes. O endurecimento das cobranças e das punições aumenta em muito a possiblidade de que sejam afastados da escola justamente os têm nela sua real e, muitas vezes, única oportunidade de ascensão social.
A melhoria de desempenho dos estudantes nas avaliações externas por meio da modelagem de comportamentos se mostra, desse modo, comprometida e falseada, uma vez que estaria restrita aos “mais comportados” ou aos “seguidores de regras”, cujos comportamentos sociais já se assemelham, pelo menos em parte, ao que se espera de um cidadão “cumpridor de seus deveres”. Estes, em sua maioria, já “não davam trabalho” e ou “não causavam problema”.
A escola inverte, assim, o seu papel: de promotora de aprendizagens emancipadoras e libertadoras, passa a constituir, para muitos, um caminho para a marginalidade social, o que muitas vezes resulta em prisão. Segundo Adorno (1991), jovens presos retratam o fracasso de uma organização social que, visando o privilégio de alguns, exclui outros, em geral, pessoas de extratos sociais historicamente mais vulneráveis, cuja educação foi negligenciada em decorrência da falência de tradicionais instâncias de socialização da infância e da adolescência, sendo uma delas a escola. Considerando o crescente interesse pela privatização de instituições públicas, incluindo escolas e prisões, a militarização de escolas parece útil ao afastamento de estudantes que apresentam comportamentos desviantes e reduzem índices considerados desveladores da qualidade do ensino, enviando-os às prisões que, quanto mais lotadas, mais lucros são capazes de gerar.
Em tempos de questionamento da reprovação como meio de exclusão e de defesa da organização escolar em ciclo como meio de estender a todos a oportunidade de aprender, não seria a militarização de escolas um meio eficiente de manter o conhecimento reservado a uma parcela da população, retirando do caminho aqueles cujo acesso ao saber e a melhorias sociais se mostra indesejável?
Referências
ADORNO, Sérgio. A socialização incompleta: os jovens delinquentes expulsos da escola. Cadernos de pesquisa, São Paulo, v. 79, p. 76-80, 1991.
FREITAS, Luis carlos de; SORDI, Mara Regina Lemes de; MALAVASI, Maria Márcia Sigrist; FREITAS, Helena Costa Lopes. Avaliação Educacional: Caminhando pela contramão. Petrópolis: Vozes, 2009.