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Avaliação é aprendizagem: como entender a avaliação formativa na formação de professores?

AVALIAÇÃO É APRENDIZAGEM: COMO ENTENDER A AVALIAÇÃO FORMATIVA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES?[1]

Benigna Maria de Freitas Villas Boas – UnB

Este texto foi escrito em 2006

 

A avaliação praticada nas escolas de educação básica e nos cursos de nível superior  tem cumprido duas funções principais: classificar o aluno ou promover a sua aprendizagem. A primeira delas tem sido a mais empregada. Classificam-se os alunos de várias formas: por meio de notas ou menções; quando são agrupados por nível de aprendizagem, para a constituição de turmas; quando são rotulados em fortes, médios e fracos, para fins diversos; quando se oferecem estudos de recuperação somente para os alunos de “menor rendimento” ou “para os casos de baixo rendimento escolar”, expressões usadas pela LDB nº 9394, de 20/12/96 (inciso V, art. 12; e letra “e”, inciso V, art. 24, respectivamente). Pela maneira de esta lei apresentar a recuperação, as escolas podem entender que o objetivo é a “recuperação” de notas e não o oferecimento de condições para o aluno aprender o que “ainda” não aprendeu. A redação da lei indica que somente os alunos com “baixo rendimento” têm direito a ela. Com relação à impropriedade do termo “recuperação”, apresentei anteriormente minha análise (VILLAS BOAS, 2004, p. 80).

Quando se apresentam os resultados insatisfatórios do desempenho estudantil, geralmente, não se questiona a avaliação. É comum responsabilizar os alunos e suas famílias: os primeiros são preguiçosos, não possuem os pré-requisitos; não gostam de estudar e não querem “saber de nada”; seus pais, por sua vez, são acusados de não auxiliá-los nas tarefas de casa e de não colaborar com a escola. Entretanto, a avaliação classificatória, cujo objetivo principal é a aprovação ou reprovação, pode ser um dos fatores que têm contribuído para o insucesso do aluno, do professor e da escola. Ela está tão impregnada na cultura escolar que se torna extremamente difícil libertar-se dela. Políticas de combate à repetência e à evasão escolar são importantes e necessárias, mas é preciso olhar para dentro da escola e dos cursos de nível superior para investigar o que acontece ali.

Contrariamente à avaliação classificatória, a formativa promove a aprendizagem do aluno e do professor e o desenvolvimento da escola, sendo, portanto, aliada de todos. Despe-se do autoritarismo e do caráter seletivo e excludente da avaliação classificatória.

Um dos indicadores que exercem grande influência sobre a organização do trabalho pedagógico que acolha a avaliação formativa é a formação do professor, nos seus vários momentos. Por este motivo, o propósito deste texto é apresentar dados parciais de uma pesquisa que está sendo conduzida em turmas da disciplina Avaliação Escolar, do Curso de Pedagogia da Universidade de Brasília, por mim oferecida. Essa investigação teve início no primeiro semestre de 2004. As informações aqui apresentadas e analisadas referem-se a três semestres letivos. Até agora houve a participação de 133 alunos: 45 do primeiro semestre de 2004; 48 do segundo semestre de 2004; e 40 do primeiro semestre de 2005. As informações foram coletadas por meio de observação, conversas informais e questionário. Este último foi aplicado ao final de cada semestre.

A pesquisa tem como objetivo analisar as percepções dos alunos sobre a prática da avaliação informal, da avaliação por colegas e da autoavaliação, assim como suas reações a essas práticas. Como o tema central da disciplina é a avaliação escolar e os alunos são futuros profissionais da educação (alguns já são professores), o trabalho pedagógico tem sido desenvolvido para que se analise a teoria sobre a avaliação e, ao mesmo tempo, se adotem práticas condizentes com os conteúdos discutidos. O principal procedimento de avaliação adotado nesses três semestres foi o portfólio, pelo fato de ele ser construído pelo aluno e nortear-se pelos princípios da reflexão, criatividade, autoavaliação, parceria e autonomia.

Avaliação informal, avaliação por colegas e autoavaliação: sua importância na avaliação formativa

Resultados de pesquisas têm revelado que três componentes da avaliação formativa merecem atenção especial em cursos de formação de professores: a avaliação informal, a avaliação por colegas e a autoavaliação. Refiro-me especificamente a “cursos de formação de professores” pelo fato de eles constituírem momentos privilegiados de aprofundamento teórico, sistematização de idéias e realização de pesquisas. Contudo, entendo que essa formação faz parte de um processo mais amplo, que não ocorre apenas em cursos, mas tem início quando os futuros profissionais da educação entram em escolas, quando criancinhas. A brincadeira de “dar aulas”, tão comum entre crianças, é uma reprodução do que elas vivenciam nas escolas e pode ser um anúncio de como atuarão mais tarde com seus próprios alunos. O que parece uma ingênua brincadeira de infância poderá retratar a atuação de futuros mestres.

A avaliação informal ocupa grande parte do trabalho pedagógico escolar. Realiza-se por meio da interação do aluno com professores, demais profissionais da educação que atuam na escola e até mesmo com colegas, em todos os momentos e espaços escolares. Na educação infantil e nos anos iniciais da educação fundamental, essa modalidade de avaliação é freqüente por causa do contato longo e duradouro do professor com seus alunos, dando-lhe chances de conhecer mais amplamente cada um deles: suas necessidades, seus interesses, suas capacidades. A interação que ocorre quando um aluno mostra ao professor como está realizando uma tarefa ou lhe pede ajuda é uma prática avaliativa porque o professor tem a oportunidade de acompanhar e conhecer o que ele já aprendeu e o que ainda não aprendeu. Quando circula pela sala de aula observando os alunos trabalharem, o professor também está analisando, isto é, avaliando o trabalho de cada um. A avaliação se realiza em todos os momentos em que professores e alunos conversam, se observam e analisam o que está em desenvolvimento. Todos os momentos de interação são valiosos para compreensão do processo de aprendizagem.

Embora não tão intensa quanto nos primeiros anos do processo de escolarização, a avaliação informal está presente em toda a educação fundamental, média e superior. Cabe aos docentes praticá-la de maneira que ela se articule à avaliação formal como meio de complementação das informações coletadas sobre a aprendizagem dos alunos. Com essa intenção ela se insere na avaliação formativa.

A autoavaliação e a avaliação por colegas vêm compor o processo de avaliação formativa que, diferentemente daquele da avaliação classificatória, é desenvolvido por todos os envolvidos e não apenas pelo professor. A avaliação formativa requer processo avaliativo composto por procedimentos variados, considerando-se a especificidade do contexto e a necessidade de utilização de diferentes linguagens. Não se rejeita o uso da prova. Ela pode ser um dos procedimentos usados.

Na pesquisa cujos resultados são aqui descritos selecionou-se a avaliação informal como objeto de investigação pelo fato de ela estar constantemente presente no trabalho pedagógico e ainda não merecer a devida atenção no processo de formação de professores. Incluíram-se, também, a autoavaliação e a avaliação por colegas por serem componentes da avaliação formativa que, devidamente praticados, contribuem para a formação da autonomia intelectual dos alunos, princípio quase ausente no trabalho pedagógico da educação básica e superior.

Avaliação informal: “planejada e realizada com ética”

As informações coletadas junto aos alunos da disciplina Avaliação Escolar sobre a avaliação informal evidenciaram os aspectos que se seguem.

Ética na avaliação – A diferença entre a avaliação informal e a formal é que a informal nem sempre é prevista e, conseqüentemente, os avaliados, no caso os alunos, não sabem que estão sendo avaliados. Por isso deve ser conduzida com ética. Precisamos nos lembrar sempre de que o aluno se expõe muito ao professor, ao manifestar suas capacidades e fragilidades e seus sentimentos. Cabe à avaliação ajudá-lo a se desenvolver, a avançar, sem expô-lo a situações embaraçosas ou constrangedoras. A avaliação serve para encorajar e não para desencorajar o aluno. Por isso, rótulos e apelidos que o desvalorizem ou humilhem não são aceitáveis. Gestos e olhares encorajadores por parte do professor são bem-vindos. Afinal de contas, a interação do professor com os alunos é constante e muito natural. Uma piscadinha de olho de forma acolhedora e amiga, indicando que o aluno está no caminho adequado, lhe dá ânimo.

Alunos da disciplina Avaliação Escolar assim se expressaram:

Ela é muito forte e tem uma dimensão ética muito importante.

Precisamos conhecer seu lado deseducativo.

Ela precisa ser justa e não desvalorizar as experiências dos alunos.

Em muitas situações o professor não pode se dirigir ao aluno em voz alta.

O último depoimento refere-se à necessidade de o professor não fazer determinados comentários sobre o desempenho do aluno publicamente, mas conversando com ele reservadamente, para que a confiança mútua se estabeleça. Complementarmente a isso, cabe lembrar que se avalia o trabalho do aluno e não a sua pessoa.

A avaliação informal dá grande flexibilidade de julgamento ao professor, devendo ser praticada com responsabilidade. Um dos exemplos disso é o costumeiro “arredondamento de notas”, que consiste em o professor aumentá-las ou diminuí-las segundo critérios por ele definidos e nem sempre explicitados. Além disso, esses critérios costumam ser diferentes para cada aluno. Esse arredondamento é feito com base nessa modalidade de avaliação. Quando é feito para aumentar a nota, os argumentos usados costumam ser: o aluno é organizado, freqüente, atento, interessado, cumpre as tarefas etc. Por outro lado, o arredondamento é feito, também, para diminuir a nota, usando-se justificativas do seguinte tipo: o aluno não cumpre o estabelecido, é conversador, é preguiçoso, é desinteressado, não faz as atividades, chega atrasado. São argumentos advindos da avaliação informal. O fato de ela não ser prevista, mas de resultar de situações espontâneas pode ser altamente positivo se soubermos compreender esses momentos como provocadores de aprendizagem. O professor atento, interessado na aprendizagem do seu aluno e investigador da realidade pedagógica procurará usar todas as informações advindas da informalidade para cruzá-las com os resultados da avaliação formal e, assim, compor a sua compreensão sobre o desenvolvimento de cada aluno.

Formas de manifestação. A avaliação informal pode acontecer quando o professor: dá ao aluno a orientação de que necessita, no momento exato; manifesta paciência, respeito e carinho ao atender suas dúvidas; providencia os materiais necessários à aprendizagem; demonstra interesse pela aprendizagem de cada um; atende a todos com a mesma cortesia, sem demonstrar preferência; elogia o alcance dos objetivos da aprendizagem; não penaliza o aluno pelas aprendizagens ainda não adquiridas, mas, ao contrário, usa essas situações para dar-lhe mais atenção, para que ele realmente aprenda; não usa rótulos nem apelidos que humilhem ou desprezem os alunos; não comenta em voz alta suas dificuldades ou fraquezas; não faz comparações; não usa gestos nem olhares que possam desvalorizar o trabalho em desenvolvimento.

Nas turmas participantes da pesquisa, observou-se, até agora, que, embora a avaliação informal tenha sido objeto de ampla discussão, com o apoio de textos, de relatos de pesquisas e de experiências dos alunos, quando eles escreviam sobre o tema a ênfase era quase sempre dada ao seu papel desencorajador. Eles aproveitavam esses momentos para denunciar as práticas avaliativas punitivas às quais tinham sido submetidos ou ainda eram submetidos. Talvez pelo fato de eles já terem vivenciado avaliação informal mais desencorajadora do que encorajadora, em muitas situações, percebia-se o entendimento de que o uso dessa modalidade avaliativa é sempre negativo, não sendo recomendada a sua prática. Todos os alunos afirmaram que a avaliação informal ocorreu na turma por parte deles, da professora e da monitora (somente na turma de 2005 contou-se com uma monitora, mestranda). Contudo, no item do questionário que solicita as formas de manifestação dessa avaliação na turma, encontrou-se maior número de referência à avaliação informal por parte dos alunos. Assim eles se manifestaram:

Nos cortes das falas.

Olhares e julgamentos, em silêncio.

Quando determinados alunos iam se expressar, alguns já faziam cara feia. Uma falou assim: lá vai o outro falar besteira.

Muitas vezes me senti reprimida por essas avaliações, não sei se as interpretei corretamente, mas foi assim que senti.

Notei que ocorreu mais entre os alunos. Há uns que são mais críticos, falam muito e acabam passando por chatos.

Quando uma opinião era muito polêmica, pude perceber risos como sinal de discordância.

Pelos olhares, gestos e cessão da vez de falar sobre determinados temas.

Pelos comentários durante a socialização dos portfólios.

Durante a socialização dos portfólios, era dada mais atenção aos que participavam mais ativamente das aulas e para aqueles que possuíam portfólio mais interessante.

Percebi a avaliação informal mais explícita nos alunos. Na professora e na monitora, talvez por tentarem se manter mais imparciais, não se tornava algo explícito, a não ser quando faziam gestos de aprovação quando alguns alunos se expressavam.

O último depoimento parece indicar certa dificuldade de perceber manifestações de avaliação informal por parte da professora e da monitora.

Os alunos apontaram, de forma vaga, as manifestações de avaliação informal por parte da professora:

Nas reações da professora, quando da colocação de alguns alunos, nas conversas de alguns alunos com relação à monitora.

A aluna que estava grávida e a que estava doente recebiam cuidado especial.

A professora ficava circulando pela sala enquanto as atividades em grupo eram realizadas.

Como afirma Perrenoud ( 1994, p. 105), “a escola é por definição uma máquina de avaliar”. Esses alunos com quem trabalhei já eram peças dessa engrenagem havia pelo menos 12 anos. Embora tenha sido discutido com eles o fato de serem futuros professores a quem caberá a tarefa de dar rumo emancipatório à avaliação, não foi fácil sensibilizá-los para essa prática na disciplina. O seu interesse estava quase sempre voltado para procedimentos de avaliação formal.

Importância da análise da avaliação informal em cursos de formação de professores.

Tratando da avaliação informal, Freitas (2002, p. 315) comenta que

Professores e alunos defrontam-se na sala de aula construindo representações uns dos outros. Tais representações e juízos orientam novas percepções, traçam possibilidades, estimam desenlaces, abrem ou fecham portas e, do lado do professor, afetam o próprio envolvimento deste com os alunos, terminando por interferir positiva ou negativamente com as estratégias de ensino postas em marcha na sala de aula. É aqui que se joga o sucesso ou o fracasso do aluno – nesse plano informal e não no plano formal. De fato, quando o aluno é reprovado pela nota, no plano formal, ele já tinha sido, antes, reprovado no plano informal, no nível dos juízos de valor e das representações do professor – durante o próprio processo (destaque feito por mim).

A presença forte e, às vezes, tão decisiva da avaliação informal não costuma ser conhecida por professores e alunos, porque, como diz Enguita (1989, p. 203),

“na escola aprende-se a estar constantemente preparado para ser medido, classificado e rotulado; a aceitar que todas as nossas ações e omissões sejam suscetíveis de serem incorporadas a nosso registro pessoal; a aceitar ser objeto de avaliação e inclusive desejá-lo. O agente principal desse processo de avaliação é o professor …”

As considerações acima demonstram a necessidade de a avaliação informal ser amplamente debatida nos cursos de formação de professores. Mas só isso não basta. É preciso que se pratique a avaliação que se defende. Indagados sobre essa necessidade, alunos da disciplina pesquisada assim se posicionaram:

Ela favorece informações nem sempre percebidas por meio de outras avaliações mais convencionais e, como aprendi ao construir meu portfólio, a mesma, conjugada com outras formas de avaliação, pode trazer êxitos para a aprendizagem.

Os futuros professores precisam estar conscientes do quanto a avaliação informal está presente na sala de aula e o quanto ela influencia o desenvolvimento do aluno.

Há desconhecimento sobre a importância e as conseqüências dessa avaliação.

Se os futuros professores vão praticá-la, deverão analisá-la enquanto alunos, para que a percebam positivamente.

Para que seja planejada e realizada com ética.

Os alunos indicaram maneiras de incluir a avaliação informal nesses cursos: fundamentando-se teoricamente sobre ela; utilizando as experiências dos alunos; discutindo resultados de pesquisas; por meio do diálogo com alunos e professores; adotando-se a postura ética requerida por ela. Interessante observar como os alunos têm insistido na prática avaliativa com ética. Tal fato parece indicar que esse componente não tem estado presente nas disciplinas que têm cursado.

O desenvolvimento da avaliação informal com o objetivo de encorajar a aprendizagem do aluno abre espaço para a prática da avaliação por colegas.

Avaliação por colegas: “os colegas são mais gente como a gente”

A avaliação por colegas (da mesma disciplina ou da mesma turma, por estarem desenvolvendo as mesmas atividades) é um componente importante do processo avaliativo e pode ser o primeiro passo para a autoavaliação. Enquanto analisam e corrigem suas próprias produções, os alunos podem fazer o mesmo com as dos colegas. Sabendo que suas atividades serão apreciadas por colegas, eles as prepararão com mais cuidado e, possivelmente, com mais prazer. As tarefas diversas podem ser avaliadas em duplas de alunos e, posteriormente, em grupos de três ou quatro, sempre tendo o acompanhamento do professor. Essa ajuda mútua tem a vantagem de ser conduzida por meio da linguagem que os alunos naturalmente usam, como disse um dos alunos da turma investigada: “os colegas são mais ‘gente como a gente’ do que os professores. Podem se comunicar com mais clareza e me perceber melhor”. Além disso, os alunos costumam aceitar mais facilmente os comentários de colegas do que os de seus professores.

Os próprios alunos podem criar listas de discussão, blogs e outros meios, por Internet, para envio de material para análise por eles próprios.

O feedback advindo de um grupo de colegas pode ser mais bem aceito do que o individual. Esse tipo de avaliação permite a participação dos alunos e aumenta a comunicação entre eles e o professor, sobre sua aprendizagem. Além disso, o fato de os alunos reconhecerem suas próprias necessidades, comunicando-as ao professor, faz com que este tenha o seu trabalho facilitado e tempo maior para auxiliar os que precisam de sua atenção. Enquanto os alunos estão ocupados, envolvidos na avaliação das produções dos colegas, o professor pode dedicar-se a observar o desenvolvimento das atividades, refletir sobre elas e fornecer as intervenções necessárias. Em resumo, os alunos aprendem assumindo o papel de professores e de avaliadores das aprendizagens dos colegas (BLACK et al, 2003, p. 51).

Nas turmas participantes da pesquisa, como o portfólio era um dos procedimentos de avaliação, essa prática foi adotada nos momentos de socialização dos portfólios. Em datas combinadas, os alunos levavam para a sala de aula os portfólios em construção, para trocas de experiência. Em um primeiro momento, cada um apresentava o seu trabalho para todo o grupo, justificando suas escolhas e explicando sua maneira de organizar o portfólio. Em seguida, formavam-se grupos de quatro ou cinco alunos para discussão livre. Segundo eles, a primeira socialização causava muita angústia por não saberem como a professora e os colegas reagiriam às suas produções.

Os depoimentos coletados pelo questionário sobre os momentos de socialização foram reunidos em três grupos: 1) o dos que se sentiram à vontade desde o início – 30% dos alunos; 2) o dos que sentiram insegurança no início e, em seguida, perceberam que a socialização “poderia enriquecer o trabalho” – 65%; e o dos que afirmaram não concordar com essa prática –  05%.  Eis três depoimentos representativos do primeiro grupo:

Hoje foi dia de socialização, todos trouxeram seus portfólios. Fizemos uma grande roda e todos falaram sobre o andamento, idéias e ao final compartilhamos os portfólios e trocamos dicas e formas de melhorar nossas produções.

O prazer da socialização consiste em ver valorizada por outros uma produção particular, que encontra significados em olhares diversos. O aluno aprende a reconhecer e respeitar outros trabalhos e outras visões e, ao mesmo tempo, aproveitá-los para enriquecer suas produções.

Socialização: ato de tornar algo acessível a todos. Este foi um momento único na disciplina. Momento em que apresentamos a todos nossas produções. Algo que era tão particular se tornou conhecido por todos. Tal atividade dá aos alunos a oportunidade de se expressarem artisticamente, oralmente, tecnologicamente etc. Ficaram evidenciadas as mais diversas habilidades dos estudantes. Essas habilidades não são percebidas ou até mesmo são desconsideradas pela avaliação tradicional. Ímpar! A socialização foi um momento ímpar! Momento de grande ebulição. Acabei de anunciar o nascimento do meu portfólio. Tá aí! Meu portfólio será em forma de jornal.

Considero ser esse o momento mais importante da disciplina porque é quando vemos na prática nossas produções interagindo com as dos colegas.

Embora os momentos de socialização tivessem sido precedidos de discussão sobre seus propósitos, representantes do segundo grupo afirmaram: “senti-me perdida”; “insegura, como em todas as avaliações”; “senti-me avaliada negativamente, pois meu trabalho foi comparado com outros”; “tensa”; “às vezes isso causa certa frustração porque o portfólio do colega pode estar mais criativo”; “medo de ser julgada, de ter meus trabalhos classificados”; “dá uma certa insegurança devido ao medo da reprovação dos outros, mas, ao mesmo tempo, permite termos novas idéias, ver onde podemos melhorar”.

Representantes do terceiro grupo declararam:

Não concordo com essa possibilidade. Vejo mais uma forma de “pegar” idéias. A avaliação pouco é feita pelos colegas, visto que não falam com medo de influenciar a opinião da professora e com isso prejudicar os colegas.

No meu caso não foi enriquecedor porque os colegas não fizeram comentários.

Me senti horrível. Detesto me expor, principalmente porque meu trabalho não ficou bom e isso acarretou insegurança.

Como essa prática avaliativa não costuma acontecer nas disciplinas do curso e os alunos chegam à universidade impregnados da avaliação classificatória, unilateral e seletiva, parece-me que o trabalho pedagógico de um semestre letivo tem sido insuficiente para a incorporação da teoria e da prática da avaliação formativa.

Autoavaliação: avaliação para a aprendizagem

Enquanto avaliam as atividades de colegas, os alunos aprendem a avaliar seu próprio trabalho. Duncan Harris e Collin Bell, citados por Weeden et al (2002, p. 75), entendem a autoavaliação como um continuum do controle pelo professor ao controle também pelo aluno. Esse continuum significa que o aluno vai assumindo gradativamente a responsabilidade pela sua aprendizagem, o que não retira a participação do professor. Parte-se da avaliação tradicional para a colaborativa (professor e aluno) e da avaliação por colegas para a autoavaliação.

A autoavaliação é um componente importante da avaliação formativa. Refere-se ao processo pelo qual o próprio aluno analisa continuamente as atividades desenvolvidas e em desenvolvimento, registra suas percepções e sentimentos e identifica futuras ações, para que haja avanço na aprendizagem. Essa análise leva em conta: o que ele já aprendeu, o que ainda não aprendeu, os aspectos facilitadores e os dificultadores do seu trabalho, tomando como referência os objetivos da aprendizagem e os critérios de avaliação. Dessa análise realizada por ele, novos objetivos podem emergir. A autoavaliação não visa à atribuição de notas ou menções pelo aluno; tem o sentido emancipatório de possibilitar-lhe refletir continuamente sobre o processo da sua aprendizagem e desenvolver a capacidade de registrar suas percepções. Cabe ao professor incentivar a prática da autoavaliação pelos alunos, continuamente, e não apenas nos momentos por ele estabelecidos, e usar as informações fornecidas para reorganizar o trabalho pedagógico, sem penalizá-los.

Weeden et al (2002, p. 72) entendem que a autoavaliação é mais ligada à avaliação para a aprendizagem do que à avaliação da aprendizagem, pelo fato de buscar-se o desenvolvimento da aprendizagem. Ela inclui a formulação de julgamentos do mérito do trabalho, pelo aluno, o que usualmente tem sido tarefa do professor. A valorização do que os alunos pensam sobre a qualidade do seu trabalho constitui um desafio à ordem estabelecida e à rotina escolar.

Como os alunos das turmas investigadas construíram seu portfólio, a autoavaliação, um dos seus princípios básicos, esteve sempre presente. Uma aluna afirmou: “Fiz e refiz muitas vezes o meu portfólio. Sem dúvida, essa é uma postura de quem busca melhorar”.

Conclusões provisórias: o desafio da avaliação formativa na formação de professores

Dos três componentes da avaliação formativa pesquisados, a autoavaliação foi o mais bem compreendido e desenvolvido, segundo minhas observações e os depoimentos dos alunos. Três fatos contribuíram para isso. O primeiro foi a construção, com os alunos, dos propósitos do portfólio e dos descritores de avaliação. Foi feita a construção coletiva dos propósitos comuns à turma; em seguida, cada aluno escolheu o propósito específico do seu portfólio. Como etapa seguinte construíram-se, também coletivamente, os descritores de avaliação.

O segundo fato que contribuiu para a compreensão da autoavaliação foi a elaboração do memorial como primeira produção do portfólio. Essa foi a primeira vez que os alunos escreveram seu memorial. Parece-me que ele iniciou o processo da autoavaliação. Duas alunas apresentaram suas percepções:

“Neste portfólio, no memorial, pude mostrar para você, leitor, quem eu sou, o que penso, o que valorizo, o que sinto, o que vejo, por que quero atuar em educação e, principalmente, minhas preocupações quanto à avaliação na educação infantil, área em que pretendo atuar. Eu ainda não havia pensado quanto é importante a avaliação informal na educação infantil.

A autoavaliação foi praticada porque escrevi sobre mim, num trabalho que é meu, foi por mim construído, com autonomia e liberdade.

O portfólio não só permite, mas até mesmo exige a prática da autoavaliação porque ele evidencia toda a trajetória de aprendizagem, como se pode perceber nos depoimentos abaixo:

Está sendo uma experiência singular a construção deste portfólio; sei que se fosse escrevê-lo novamente ele não seria mais desse jeito. Ele retrata tudo o que percorri na disciplina em momentos diferentes e que progressivamente me possibilitaram aprender.

O que eu mais gostei ao fazer meu portfólio foi perceber através da releitura dos meus textos que sou capaz de pensar, refletir e melhorar o que escrevo.

Diferentemente do que ocorreu com a avaliação informal e a avaliação por colegas, nenhum dos alunos da turma demonstrou entendimento incompleto ou desfavorável à autoavaliação. Alguns depoimentos ressaltam a necessidade de: deixar que o aluno se “reconheça como construtor da sua aprendizagem”; se criarem “espaços democráticos”; “ensinar os alunos a fazer autoavaliação”; “criar relação amigável professor-aluno”; “explicitar para o aluno os propósitos e fundamentos da autoavaliação”; “a ética precisa ser trabalhada”; “ela precisa ser praticada desde a educação infantil”; “deixar claros os objetivos da aprendizagem”.

O terceiro fato foi o trabalho desvinculado de menção (na UnB, em lugar de notas, atribuem-se as menções II, MI, MM, MS e SS), durante todo o semestre. Nenhum aluno a solicitou nesses três semestres de realização da pesquisa. A menção foi atribuída somente ao final do semestre, por necessidade regimental da UnB. Seria até natural que alguém quisesse saber que menção teria até determinado momento. Nas outras disciplinas do curso geralmente os professores atribuem menção ao longo do semestre. No caso da disciplina Avaliação Escolar, cada aluno constrói o seu portfólio levando em conta os propósitos e os descritores de avaliação. Além dos comentários dos colegas apontados nos momentos de socialização, eu recolho os portfólios três vezes durante o semestre e neles anoto, em folha destinada a esse fim, minhas considerações e recomendações. Tudo indica que elas tenham oferecido aos alunos as informações de que necessitavam, sem vínculo com menção.

É importante ressaltar que a autoavaliação pôde ser compreendida e desenvolvida a contento porque inseriu-se no trabalho com o portfólio. Não houve momentos específicos para que ela ocorresse; por meio da reflexão sobre as atividades realizadas os alunos a praticaram continuamente, inclusive por escrito.

Avaliação é aprendizagem, como afirma o título deste texto. Enquanto se avalia se aprende e enquanto se aprende se avalia. Os professores aprendem a avaliar enquanto se formam. O seu processo de formação é longo, tendo início quando entram na escola como alunos. Todas as situações que presenciam e vivenciam, como alunos, nos vários níveis do processo de escolarização, fazem parte da sua constituição de professores e podem ser bem marcantes. Daí a importância da pesquisa que venho conduzindo sobre os três componentes da avaliação formativa aqui analisados. Percebeu-se que esses três componentes – avaliação informal, avaliação por colegas e autoavaliação – têm duas características comuns e entrelaçadas: necessitam do estabelecimento de clima de trabalho apoiador e de postura ética. O professor é o grande responsável por instalar essas duas características. Cabe-lhe praticá-las e criar espaços para que os alunos façam o mesmo.

 

 

Referências

BLACK, Paul et al. Assessment for learning: putting it into practice. England: Open University Press/McGraw-Hill Education/McGraw-Hill House, 2003.

ENGUITA, Mariano F. A face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

FREITAS, L. C. de. A internalização da exclusão. Educação e sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, set./2002, p. 301-327.

PERRENOUD, Philippe. Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Portugal: Porto Editora, 1994.

VILLAS BOAS, Benigna M. de F. Portfólio, avaliação e trabalho pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 2004.

WEEDEN, Paul; WINTER, Jan; BROADFOOT, Patricia. Assessment: what’s in it for schools? London and New York: Routledge Falmer, 2002.

 

[1] Este texto integrou o painel “A avaliação formativa em construção: intencionalidades e práticas”, apresentado durante o XIII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino – ENDIPE – realizado em Recife, pela Universidade Federal de Pernambuco, de 23 a 26 de abril de 2006.

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