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Encontro com Brasília
Em 1959 pisei no solo avermelhado de Brasília pela primeira vez. Estava em Goiânia com meu pai, Francisco Luiz de Freitas, meu irmão Nilo e minha irmã Lúcia de Fátima, ainda bem pequena. Com meus tios Clélia de Freitas Capanema e José Xavier Capanema, que moravam em Goiânia, viemos visitar a terra prometida. Apenas construções. Hospedamo-nos na Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante. Somente ali havia hotéis e de madeira. Construções provisórias. Todo o comércio ali funcionava. Jantamos em um restaurante que servia vários tipos de carne. Quase todas as pessoas usavam calças jeans. A poeira era intensa em toda a cidade.
Difícil imaginar que Brasília se tornaria a cidade que temos hoje. Meu tio era seu grande entusiasta e recomendava às pessoas que investissem em imóveis aqui.
Andei a pé onde hoje é o Lago Paranoá. Era o mês de julho e o céu estava tremendamente azul. Não me lembro de ter tido a sensação de querer morar aqui um dia.
Em 1958 conclui o curso ginasial no Colégio Imaculada Conceição, em Belo Horizonte (BH). Em 1959 iniciei o curso clássico no Colégio Santa Maria, também em BH. Queria ser professora de línguas. Mas não me identifiquei com este curso.
Meus tios se mudaram para Brasília em 1960. A cidade foi inaugurada em 21 de abril deste ano e o Colégio da CASEB imediatamente entrou em funcionamento, oferecendo os cursos ginasial, científico e normal. Decidi, então, vir fazer o curso normal e morar com meus tios em um prédio chamado de JK (janela e kitnet), na superquadra 412 sul. Isso mesmo. Este nome não era uma homenagem a JK.
Desde o início de Brasília os professores têm sido desconsiderados. Enquanto outros profissionais transferidos do Rio de Janeiro, antiga capital do país, foram acomodados em apartamentos e casas maiores e com mais conforto, os docentes das escolas primárias e secundárias receberam moradias de condição inferior. Minha tia foi concursada, em 1959, para atuar no curso normal, e somente em 1961 recebeu uma casa na quadra 708 sul.
Iniciei o curso normal em 1960. Fui da primeira turma a fazer o curso inteiro aqui. Vim para cursar apenas o primeiro ano e, ao seu final, me transferir para um colégio em BH. A decisão de abandonar o curso clássico e iniciar o normal se deu depois de as aulas de 1960 estarem em andamento. Como aqui elas tiveram início em abril, surgiu a chance de eu vir fazer o primeiro ano do curso normal e retornar a BH. Porém, surgiu um impedimento: o currículo do primeiro ano era composto por unidades didáticas e não por disciplinas, o que inviabilizou minha transferência. Eu não podia imaginar que esse fato mudaria completamente minha vida.
Meus pais, a princípio, não queriam que eu aqui ficasse mais um ano, para cursá-lo no seu formato convencional, por disciplinas, mas não havia outro jeito. Somente assim eu poderia ser transferida para outra escola, em BH. Mas, um fato importante mudou o rumo da minha vida: em maio de 1961 conheci o professor de Matemática e Desenho, da CASEB, Márcio Villas Boas. Começamos a namorar e, no dia 31 de dezembro do mesmo ano, ficamos noivos. Meu pai sentenciou: casamento somente depois de concluído o curso.
Em 1962, quando a UnB foi criada, Márcio iniciou o curso de arquitetura. Foi do primeiro grupo de estudantes a concorrer ao vestibular.
Márcio morava no alojamento da CASEB e não havia perspectiva de outro tipo de moradia. No primeiro semestre de 1962, os professores que ali moravam planejaram cuidadosamente a invasão de casas do BNDS, nas quadras 712 e 713 sul. De maneira muito organizada, em uma madrugada, todo o grupo deixou o alojamento rumo às casas. Cada um dos professores sabia de antemão à qual se dirigiria. A ação tinha de ser rápida. Todos deveriam arrombar as portas das casas ao mesmo tempo, antes da chegada de policiais. Márcio dirigiu-se à da esquina interna do bloco voltado para a W4, da quadra 712.
A descida do grupo de madrugada, pela W4, parecia uma procissão, no escuro. Silêncio total. Cada um levava colchão e seus pertences para os primeiros momentos. Houve um detalhe interessante: minha tia Clélia era a diretora da CASEB. Como Márcio estava envolvido, ela ficou sabendo, sem comunicar a ninguém. Meu tio Juca (assim era conhecido na família) tinha uma Vemaguet, em que transportou pertences do Márcio e de alguns de seus colegas. Enquanto isso, minha tia e eu aguardávamos em casa.
Tudo transcorreu bem. A polícia determinou que os invasores não saíssem das casas. Quem a abandonasse não retornaria. Lá eles permaneceram até que houvesse uma decisão. O presidente da república, à época, era o João Goulart, que decidiu que as casas fossem destinadas aos professores. Exigiu que eles as deixassem para que fossem concluídas. E mais: determinou que cada um fosse transferido do alojamento da CASEB para um apartamento do Anexo do Hotel Brasília Pálace, até que os imóveis pudessem ser entregues.
Mesmo sem termos moradia, nos casamos no dia 12 de janeiro de 1963. Para nossa felicidade, ao retornarmos da viagem de lua de mel, duas semanas depois, nem chegamos a ir para o Anexo do Brasília Pálace. As casas tinham sido liberadas e, no mesmo dia, entramos na nossa.
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O primeiro emprego
Em fevereiro de 1963 fui contratada pela Fundação Educacional do Distrito Federal (FEDF) como professora horista, o que corresponde, hoje, à professora temporária. Em abril prestei concurso e fui contratada para o cargo efetivo de professora do ensino primário.
A primeira escola em que atuei foi a Escola-Classe 107 Sul, dirigida pela professora Lídia Díglio Cardoso, gaúcha, séria, competente, altamente respeitada pelos pais, estudantes, professores e gestores da Coordenação de Educação Primária da FEDF. Ao mesmo tempo, autoritária e amiga. Nunca se afastava da escola e contestava decisões superiores quando era necessário. Não se intimidava. Sua responsabilidade chegava ao ponto de adotar a seguinte prática: tínhamos de fazer planos de aula diários, em folha de papel almaço, pautado, em duas vias e à mão. Uma delas lhe era entregue na véspera, para que pudesse orientar o trabalho da professora eventual, que estava na escola para as substituições que surgissem. Assim ela poderia dar sequência ao trabalho da titular da turma. Naquela época era possível que as escolas tivessem uma professora que atendesse as emergências. Se fosse necessário, a própria Lídia assumia a turma. Os estudantes nunca deixavam de ter aulas.
Nesta escola, no ano de 1963, trabalhei com uma turma de 4ª série, na qual estava Nelson Piquet. Neste ano, em dezembro, nasceu Márcia, nossa primeira filha. Durante a gravidez, como não tínhamos carro e eu enjoava com cheiros fortes, ia andando da quadra 712 sul até à Escola Classe 107 Sul, na super quadra 107 sul. Saía de casa a pé, às 6h30, seguia pela W3, andando devagar, parava na Igrejinha de Fátima, sentava e rezava, descansava da caminhada e ia até à escola. Fiz este trajeto até os 7 meses de gravidez, quando entrei em licença maternidade.
Meu ginecologista era o Dr. Ítalo Nardelli. Uma de suas filhas, a Elizabeth, foi minha aluna na Escola Classe 107 Sul. Ele me atendia pelo serviço público de saúde, no Hospital Distrital (hoje Hospital de Base). Quando me internei para o nascimento da Márcia, Márcio o chamou para fazer o parto. Quando o procuramos para pagar seus honorários, ele nos disse: não posso fazer de graça o parto da professora da minha filha? Continuou sendo meu ginecologista até deixar de trabalhar. Por ocasião do parto da Isabela, nossa segunda filha, ele nos disse que não havia necessidade de comparecer porque o médico que estava de plantão era muito bom e que podíamos confiar. Dr. Nardelli foi muito querido por nós.
Na turma da quarta série, meus estudantes tinham um caderno somente para eu indicar-lhes atividades individualizadas em atendimento a necessidades de aprendizagem que apresentassem. Deu muito certo. Durante as aulas, eu observava o trabalho de cada um deles. Quando notava que alguém ainda não havia aprendido algo, registrava uma explicação no caderno e solicitava que fizessem algumas atividades em casa. No dia seguinte eu recolhia os cadernos, analisava as respostas e, se ainda houvesse dificuldade, eu me sentava com o estudante, explicava novamente e outras exercícios eram inseridos no caderno. Não foi uma sistemática de trabalho aprendida no curso normal. Minha sensibilidade pedagógica é que me inspirou a não deixar nenhum dos meus estudantes para trás. Acho que foi o início pelo meu interesse pela avaliação.
No ano seguinte, fui convidada para ser professora de Matemática e Ciências de uma turma de 6ª série primária, na Escola Classe 106 Sul. Segundo a Lei Educacional 4.024/61, esta turma equivalia à 1ª série ginasial. Atuei juntamente com a professora Nair Pacheco, encarregada de Português e Ciências Sociais. Nos dois anos seguintes, trabalhei com a mesma série na Escola Classe 108 Sul. Como o número de turmas desta série se estendeu a muitas escolas, a partir de 1967 passei a ser coordenadora das turmas de 6ª série no âmbito do DF. A coordenadora de Educação Primária da FEDF era a professora Ana Bernardes da Silveira Rocha.
Na primeira turma de 6ª série com a qual trabalhei, havia uma estudante com mais idade do que seus colegas que apresentava muitas dificuldades com as atividades de Matemática. Nos dias de prova ela ficava com as mãos geladas e não se saía bem. Tratei de conversar com ela para identificar o que acontecia. Percebi que era medo. Talvez tivesse passado por experiências desagradáveis. Sem anunciar-lhe, adotei a estratégia de entregar-lhe exercícios, durante as aulas, semelhantes aos que estariam em provas. Fiquei surpresa: ela conseguia acertar todos. Assim, comecei a discutir essa situação com ela, sempre após as aulas, somente entre nós. Após algum tempo, ela já não precisava fazer provas em momentos diferentes. Hoje percebo que não aprendi a resolver situações como esta no meu curso normal, que foi muito técnico.
Brasília me proporcionou realização de estudos e crescimento profissional. Submeti-me ao primeiro vestibular do CEUB, para o Curso de Pedagogia, em 1968. Todos os cursos funcionavam à noite, no Colégio Maria Auxiliadora, na Asa Sul. Nesta época nossas duas filhas já eram nascidas. Trabalhava o dia todo e frequentava aulas à noite. Nos finais de semana, fazia leituras e desenvolvia as atividades do curso, sempre com o apoio do Márcio. Tínhamos apenas um carro. Para me buscar ao final das aulas, ele ia com as meninas já prontas para dormir, para que, chegando em casa, pudessem ir logo para a cama.
Logo após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 5692/71, o MEC ofereceu um curso de especialização sobre suas diretrizes, oferecendo duas vagas para cada unidade da federação. Fui designada como uma das representantes da FEDF.
A partir daí, Márcio e eu começamos a organizar a continuidade dos nossos estudos.
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Márcio: UnB, mestrado e doutorado
Durante a ditadura militar, deflagrada em 1964, o trabalho na UnB se tornou tumultuado. Márcio concluiu o curso de arquitetura em 1966. Enquanto se dedicava aos estudos, continuou dando aulas, à tarde e à noite. Suas aulas na UnB ocorriam diariamente, inclusive aos sábados, de 7 às 12h. Quando passou no vestibular, como dava aulas pela manhã e à tarde, teve de solicitar mudança de horário (e não dispensa). A pessoa responsável por examinar seu pedido (um dos diretores gerais da FEDF, não um funcionário) tentou demovê-lo da sua intenção dizendo não haver necessidade de fazer um curso de nível superior uma vez que já era docente. Estranho, não é?
Em 1968 Márcio iniciou a carreira de professor na UnB, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, como professor assistente, no período matutino. No vespertino, em lugar de atuar na Fundação Educacional do DF, transferiu-se para a Secretaria de Governo, como arquiteto. Em 1974, começou a se organizar para cursar mestrado nos Estados Unidos. A luta foi grande. Não era comum um professor deixar o país com sua família para continuar estudos. Os empecilhos que se criavam eram inúmeros. Obter bolsa de estudo não era fácil. Havia um certo apadrinhamento político. Márcio sempre teve envolvimento político na UnB, era contrário à ditadura e às atitudes do reitor, José Carlos de Azevedo. Por isso, enfrentou problemas. Mas, não desistiu.
Conseguiu bolsa de estudos pela CAPES, que incluía o pagamento à Rice University, em Houston, Texas, uma bolsa mensal em dinheiro e passagens de ida e volta para ele e cada membro da família. O reitor da UnB não autorizou que recebesse seu salário enquanto estivesse estudando (na mesma época, colegas seus que também viajaram para programa de pós-graduação conservaram seus salários. Tinham bom relacionamento com o reitor).
Às vésperas de viajarmos, depois de termos alugado nossa casa, colocado todos os nossos pertences em um guarda-móveis e de estarmos em casa de parentes, não conseguíamos receber nossas passagens porque o SNI (Serviço Nacional de Inteligência) não aprovava nossa saída do país. Foi tenso. Mas deu certo.
Chegamos em Houston, Texas, no dia 15 de agosto de 1975. O setor da Rice University encarregado de receber os estudantes estrangeiros solicitou a um doutorando brasileiro, Dionísio, da Universidade Federal de São Carlos, que nos recebesse e, juntamente com sua família, nos ajudassem a nos instalarmos. Dionísio e Aurora, sua esposa, foram fundamentais nas providências iniciais: alugar apartamento, comprar carro, matricular as meninas em uma escola pública e fazer as primeiras compras. Dois anos depois fizemos o mesmo com um casal brasileiro que lá chegou.
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Meu mestrado
Durante o ano de 1975 estudei inglês e fiz o Tofflel, exame exigido pelas universidades americanas para ingresso em cursos de pós-graduação. Em 1976, iniciei mestrado em Ensino, na University of Houston. O curso era destinado a professores em exercício e, por isso, tinha uma estrutura diferente. O currículo já estava todo definido. Havia as disciplinas que deveríamos cumprir em cada semestre. Ao final, não houve defesa de dissertação. Os estudantes americanos cumpriram estágio. Eu e um colega australiano elaboramos 5 projetos sobre temas escolhidos por nós e aprovados pelo nosso orientador, doutor Weber, que ministrou duas disciplinas do curso. Cumpridos determinados créditos, fizemos uma prova denominada “comprehension”, em que dissertamos sobre um tema.
Um fato do curso me marcou: doutor Weber nos convidou para fazermos uma prova na sua casa, nos arredores de Houston, que durou cerca de duas horas. Ele era muito próximo dos mestrandos. Concluí o mestrado em 1977.
Como Márcio tinha bolsa da CAPES, eu não tinha direito a ter a minha. Eram as regras da época. Apenas consegui que meu curso fosse pago por esta instituição. Marido e mulher não podiam receber bolsas ao mesmo tempo. Contudo, um casal brasileiro que lá fazia doutorado, cada um recebeu a sua, por não serem casados.
Em junho de 1978 retornamos ao Brasil. Com o mestrado concluído, Márcio já havia cumprido os créditos do doutorado. A Rice University lhe concedeu um ano para escrever a tese de doutorado e retornar para defendê-la. Foi o que fez.
Mesmo com o título de doutor, Márcio esperou alguns anos para que o reitor da UnB, José Carlos de Azevedo, autorizasse sua mudança de nível. Continuou recebendo o mesmo salário anterior aos cursos de mestrado e doutorado. Seus colegas que também haviam concluído estes cursos foram promovidos a níveis superiores. Esse era o tom da ditadura: as mesmas regras não eram para todos.
Retornando dos Estados Unidos com o mestrado concluído, meu desejo era ser professora da Faculdade de Educação da UnB.
Mais uma luta deveria ser enfrentada.
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Da FEDF à UnB
Não me sentia realizada nem feliz com meu trabalho na FEDF. Fui diretora do Ensino Regular que, juntamente com outras direções, compunha o Departamento Geral de Pedagogia. Foi um período sombrio e tenso. Cumpríamos ordens. Eu elaborava planos e diretrizes que eu própria não assinava. Lembro-me de colegas de outras direções que recebiam repreensões verbais em reuniões e abaixavam a cabeça. Não tínhamos coragem de verbalizar descontentamento com algumas. Isso me incomodava muito. Era o espírito da ditadura militar. Quando elaborávamos projetos a serem enviados ao MEC para obtenção de recursos, tínhamos de usar palavras-chave para que fossem aprovados.
Meu sonho era ser professora da Faculdade de Educação da UnB, para pôr em prática o que havia aprendido no mestrado. Minha primeira tentativa foi procurar a diretora da faculdade, à época, para levar-lhe meu curriculum vitae a fim de discutirmos uma forma de eu passar a atuar lá, mesmo provisoriamente. Ela recebeu-me em uma grande sala, muito bem decorada. Expus-lhe minha intenção. Respondeu-me que, naquele momento, a instituição precisava de doutores e, imediatamente, abriu uma gaveta e lá depositou meu curriculum vitae. Ficou evidente que meu pedido foi acintosamente arquivado. Foi uma grande decepção ser assim recebida por uma doutora em educação. Nós, educadores profissionais, temos de cuidar das palavras que pronunciamos e das posturas que adotamos.
Pouco tempo depois, consegui ser requisitada do Governo do DF para a Faculdade de Educação. Não fui atuar no departamento condizente com minha formação. Percebia que os colegas não me aceitavam. Em função da minha condição de requisitada, fui designada para dar aulas menos desejados pelo grupo: às 8 e às 14h. Não me importei. Como nas universidades federais o compromisso de dar aulas era o de menos duração (8 ou 12h semanais), à época, assumi o propósito de usar meu tempo na instituição para me preparar para o doutorado. Assim fiz. Li muito e elaborei o projeto para me submeter ao doutorado.
Sentia-me rejeitada por alguns grupos. Além da condição de requisitada não escolhida pelos colegas, dois fatos me prejudicavam: era sobrinha da Clélia Capanema, que era lotada nesse departamento e era considerada “conservadora”. Por outro lado, era esposa do Márcio Villas Boas, professor do Instituto de Arquitetura, com posicionamento progressista acirrado. Assim, eu não era eu. Mantive-me firme.
Embora eu não tivesse sido devidamente acolhida na Faculdade de Educação da UnB, uma pessoa me procurou em minha sala para me dar as boas vindas: a diretora da Faculdade, professora Helene Barros. Senti que fez isso não somente por mim, mas, também, porque se dava bem com o Márcio. Minha requisição não durou muito. O Governo do DF decidiu recolher todos os seus funcionários requisitados. Lancei mão de outra estratégia: solicitar minha permanência por meio do convênio que havia entre a FEDF e a UnB. Havia uma cláusula pela qual a FEDF receberia licenciandos para realizarem estágios em suas escolas e colocaria um determinado número de seus professores à disposição da UnB. Desta forma pude permanecer na Faculdade de Educação até me aposentar pela FEDF.
Trabalhar na Faculdade de Educação da UnB naquela época era muito complicado. Havia grupos políticos que prejudicavam alguns professores e favoreciam outros. Era difícil atuar naquele contexto.
Desenvolvo atividades, inicialmente, no Departamento de Planejamento e Administração, mas minha formação era mais condizente com o Departamento de Métodos e Técnicas. Solicitei transferência para este departamento. O departamento no qual atuava concordou desde que eu permanecesse nos dois, por dois semestres. Assim aconteceu. Tudo me era dificultado na Faculdade de Educação.
Um fato me magoou muito. Em 1987 candidatei-me ao concurso para professora de Didática, no Departamento de Métodos e Técnicas. Houve muitos concorrentes. Participaram da banca duas professoras e um professor externos à UnB. Uma delas atuava no Cnpq, outra, em uma universidade do sul do país e o professor , em uma universidade da região Centro Oeste. Não cheguei a ver este último. Não compareceu à entrevista que, por sinal, foi muito desagradável. As examinadoras não tiveram comportamento profissional. Talvez pelo fato de o concurso ter sido concorrido, manifestavam cansaço e irritação.
Recebi nota 7, a mínima possível. O primeiro lugar (com nota 8) coube a uma candidata do sul do país. Foram impetrados muitos recursos. A candidata aprovada em primeiro lugar se recusou a ser empossada e o concurso foi tornado sem efeito. No ano de 1997, quando fiz estudos de pós-doutorado na Universidade de Londres, conversando com um grupo de professoras brasileiras que lá se encontrava na mesma situação que eu e outra que trabalhava naquela instituição, sabedoras de que eu era professora da Faculdade de Educação da UnB, uma delas trouxe à tona o concurso de Didática. Contou que uma das examinadoras (citou seu nome), que esteve com elas em Londres, comentou sua participação no concurso, tendo recebido a orientação de favorecer uma determinada candidata, cujo perfil político interessava ao departamento.
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Meu doutorado
Em 1989, aposentei-me da FEDF e submeti-me à seleção para o doutorado em Educação na UNICAMP. Não conhecia nenhum professor de lá. Fui com a cara e a coragem. No início do ano, liguei para a direção da Faculdade, identifiquei-me e solicitei ser recebida por algum professor que pudesse me pôr a par do programa de pós-graduação. Como havia feito mestrado nos Estados Unidos, não conhecia o funcionamento desse programa no Brasil. Foram marcados dia e horário . Recebi a informação de que seria recebida pelo professor Luiz Carlos de Freitas, nome que me era desconhecido. Márcio e eu nos dirigimos a Campinas, de carro. Lá chegando na véspera, ficamos sabendo que havia greve e tudo estava fechado, até a universidade. Mesmo assim, para lá nos dirigimos na manhã seguinte, cedo, e lá estava Luiz Carlos de Freitas me esperando. A universidade não estava funcionando, mas lá estava ele. Conversamos por um bom tempo e talvez daí tenha surgido seu interesse em orientar-me. Saí de lá com uma esperança enorme.
Fui admitida pelo programa, por meio de um projeto de pesquisa sobre a avaliação escolar. Em agosto de 1989 iniciei o curso. Luiz Carlos de Freitas foi indicado meu orientador. Não imaginava o quanto aprenderia com ele.
Márcio ajudou-me a me organizar em Campinas, para onde eu viajava de ônibus leito todos os sábados à noite, porque tinha aulas às segundas e terças-feiras, às 8h. Aluguei uma kitnet no centro de Campinas e lá passava o domingo, a segunda e parte da terça-feira. . Neste dia, às 20h, eu voltava a Brasília. O ônibus saía de Brasília às 20h e chegava em Campinas às 8h do dia seguinte. Era necessário que eu viajasse no sábado para que pudesse comparecer à aula segunda-feira. Era um grande sacrifício. Ao sair da rodoviária de Brasília, o ônibus passava em frente ao Parkshopping lotado de carros e eu enfrentando uma viagem que duraria a noite toda, para estudar. Durante um semestre passei todos os domingos longe da família. Mas valeu a pena.
No segundo semestre do curso, primeiro do ano de 1990, eu ia a Campinas de 15 em 15 dias para ter aula todo os dia com o professor Dermeval Saviani. Não era cansativo ouvi-lo o tempo todo. Era uma disciplina disputada. Estudar na UNICAMP e não cursar disciplina com Saviani? Impensável!
A partir do terceiro semestre dediquei-me à pesquisa e à escrita da tese. Desenvolvi minha investigação sobre “Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico” em uma escola da rede pública do DF, durante todo o ano letivo de 1991. Escrevi a tese em 1992 e a defendi em março de 1993.
Durante todo o curso tive uma colega ilustre: Mara De Sordi, também orientanda de Luiz Carlos de Freitas. Acompanho suas publicações desde essa época. Sou sua admiradora.
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Entrada efetiva na UnB
No início de 1993 fui convidada para oferecer oferecer a disciplina Avaliação escolar na Universidade Católica de Brasília. Também atuei em uma disciplina de um curso de especialização em Didática. Permaneci apenas um ano nesta instituição. Nesse mesmo ano fui convidada pela professora Ilma Passos Alencastro Veiga para submeter à seleção para professora substituta no Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Educação. Ela era coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação, da UnB. Aprovada, passei a atuar no curso de mestrado. Cheguei a oferecer três disciplinas diferentes. Certo dia, uma colega me interpelou:” o curso de mestrado é seu? Você está oferecendo quase todas as disciplina”. Mas, ela doutora, não queria nele se envolver.
Em 1994, novamente me submeti a concurso para a área de Didática, agora com organização séria. Fui corajosa, já que havia passado por uma situação constrangedora. Fui aprovada e imediatamente fui contratada como professora adjunta. Oferecia a disciplina Avaliação da aprendizagem para os licenciandos, com muita alegria. Inicialmente, ela era obrigatória para o Curso de Pedagogia e não era prestigiada pelos outros cursos de licenciatura. Avaliar, nessa época, significava aplicar provas. Aos poucos, contribui para mudar essa mentalidade. Recadastrei a disciplina com o nome de Avaliação escolar e atualizei sua bibliografia. Assim que assumi a disciplina, antes de ter atualizado o plano de trabalho junto à UnB, um estudante, talvez insatisfeito com a minha atuação, foi ao setor da instituição que mantém arquivados os planos de todas as disciplinas, trouxe o da Avaliação da aprendizagem para argumentar que eu não o estava adotando. Sua queixa era a de eu estar usando livros diferentes dos que constavam no documento de muitos anos atrás. Nesse momento é que percebi que o plano estava completamente defasado. A bibliografia era toda antiga. Nenhum livro recente. Analisei com ela esse fato e lhe perguntei se gostaria de participar de um trabalho naqueles moldes. Concordou comigo. Disse-lhe que iria tomar providências para substituir o plano vigente pelo que os estudantes mereciam ter.
Preciso justificar a necessidade de mudança do nome da disciplina. Avaliação da aprendizagem restringe a avaliação ao que acontece na sala de aula, entre professor e estudantes, nos diferentes componentes curriculares. Demos um pequeno passo: avaliação escolar se refere à avaliação em todos os espaços e momentos escolares. Hoje deveríamos ter outra designação para a disciplina: avaliação das aprendizagens e para as aprendizagens. Contudo, essa providência não basta. A disciplina Didática precisa atualizar-se, porque tem tratado a avaliação como um componente isolado do trabalho pedagógico, dedicando-lhe os momentos finais da sua programação. Também os livros de Didática assim agem há décadas, ao inseri-la como um dos últimos ou o último capítulo. Cabe a esta disciplina tratar do trabalho pedagógico articulando as categorias que o compões.
Desenvolvendo a disciplina Avaliação escolar, pela qual me responsabilizei por alguns anos, no Curso de Pedagogia, introduzi a prática do portfólio como um recurso de avaliação. Orientei a construção de ricos portfólios. Tinha uma vontade imensa de ficar com alguns deles, mas sempre dizia aos estudantes que lhes pertenciam. No início de cada semestre letivo, ao propor essa atividade, era comum alguns me perguntarem se eu não tinha algum para lhes mostrar, como se houvesse um modelo a ser seguido.
A partir do ano de 1994 tive participação muito ativa no Programa de Pós-graduação em Educação na UnB: ofereci disciplinas; criei a disciplina Organização do trabalho pedagógico, que incluía estudos sobre avaliação; fui coordenadora do programa; participei da comissão de elaboração do projeto de criação do curso de Doutorado em Educação, no qual atuei como docente; tive orientandos de mestrado e doutorado; participei de um grande número de bancas de qualificação de projetos e de defesa de dissertação e doutorado, sem contar a participação em bancas de outros programas.
No ano de 1997 fiz estudos de pós-doutorado na Faculdade de Educação da Universidade de Londres, sob a supervisão de Caroline Gipps.
Tive participação intensa no Programa de Pós-graduação em Educação, numa época em que os colegas da FE, de modo geral, não se entusiasmavam por ele. Quando fui fui coordenadora do programa, havia coordenadores por área. Era difícil ter a participação de todos nos encontros para a tomada de decisões gerais, como por exemplo, a organização da seleção de candidatos, que ocorria a cada semestre. Uma das decepções que enfrentei: em 1997, no dia do professor, coloquei um cartão com cumprimentos no escaninho de cada colega. Ninguém se manifestou.